Este post foi retirado em 20/08/2021 do blog para ser reformulado. O novo post será publicado em 23/08/2021.
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Para além da descrição da realidade
David Pavón-Cuéllar – Psicanalista marxista mexicano. Fonte original – Blog do autor 9/01/2015:
Crítica ao pós-modernismo latente em Slavoj Žižek. Dando continuidade ao seu legado por outros meios: uma volta à dualidade teoria/prática por meio de Marx e Lacan[1]
Gostaria de dizer algumas palavras sobre uma questão central contida em meu livro Elementos políticos do marxismo lacaniano, mas que não pude resolvê-la enquanto o escrevia. Ela continua a parecer insolúvel, embora tenha refletido muito sobre ela nos últimos anos. Talvez minhas reflexões recentes possam dar início à conclusão de algumas ideias truncadas que persistiram em meu livro. Porém, como se verá, tais ideias só podem ser completadas por meio da prática, no processo da própria transformação, e não apenas por meio da descrição da realidade, como diria Marx.
É claro que devemos começar descrevendo a realidade. E isso, ao contrário do que se possa acreditar, não é tão fácil nem tão comum, principalmente nestes anos de realidade virtual, desertificação da realidade e pensamento único hiper-realista. Apesar de tudo, nós, marxistas, devemos aceitar que ainda existe uma realidade. Mas como concebê-la?
A crítica de Deleuze à dialética: uma boa crítica?
Como vimos na nota anterior – Dialética: lógica da contrariedade ou lógica da contradição? –, Gilles Deleuze marcou a sua trajetória intelectual como crítico da dialética hegeliana e como aquele pensador que reformulou a noção de “diferença”.
Aqui se volta a discutir o mesmo tema tendo por base o livro Gilles Deleuze – Um aprendizado em Filosofia de Michael Hardt (Editora 34: 1996).
Esse último autor indica que o filósofo francês fez três triangulações especulares para criticar Hegel, primeiro com Henri Bergson, depois com Friedrich Nietzsche e finalmente com Baruch Espinoza. Aqui se acompanhará apenas a exposição da primeira delas que se concentra numa questão de lógica.
Trata-se de uma boa crítica? Este blogueiro ficou em dúvida – mesmo se lhe falta título, ele acha que não.
A nota se encontra aqui: A crítica de Deleuze à dialética – uma boa crítica?
Dialética: lógica da contrariedade ou lógica da contradição
Na nota Verdade como perda do objeto, enquanto “em si” fixo e imutável, antes publicada neste blog, mostrou-se como a dialética de Hegel apreende o movimento de deslocamento no espaço e no tempo. O exemplo tem um caráter didático. De qualquer modo, dois pontos foram enfatizados: um deles expositivo e o outro ontológico.
Primeiro, para a razão dialética, o móvel passa pelos pontos de sua trajetória de tal modo que, para apreender o seu movimento, é preciso dizer que ele “está-agora/não-está-agora”, “está-agora/não-está-agora”, “está-agora/não-está-agora” e assim sucessivamente. Considerando, também, as determinações “posição” e “pressuposição” do móvel que passa.
Segundo, para essa compreensão de mundo, o próprio móvel não permanece idêntico a si mesmo conforme percorre o seu caminho. Não só, porém, porque as suas coordenadas de tempo e espaço mudam, mas porque a mudança de si mesmo é a condição de sua existência. Eis que a própria ideia de que ele permanece o mesmo em sua trajetória é já metafísica. E essa metafísica – note-se bem – é inerente e mesmo necessária ao pensamento comum e ao pensamento mecanicista.
Agora chegou o momento de discutir um pouco dois modos de pensar a dialética: trata-se de uma lógica da contrariedade ou da contradição? Para proporcionar esse esclarecimento de um modo didático, vale-se aqui de considerações de Vladimir Safatle em seu livro Dar corpo ao impossível – O sentido da dialética a partir de Adorno (Autêntica, 2019). Aí, entre outros objetivos, esse autor busca contestar a crítica central à dialética hegeliana feita por Gilles Deleuze (assim como, também, por outros filósofos).
O texto completo se encontra aqui: Lógica da contrariedade ou lógica da contradição?
Verdade como perda do objeto, enquanto “em si” fixo e imutável
Atualizado em 21/01/2021
Slavoj Zizek numa seção do primeiro capítulo de O mais sublime dos histéricos (Zahar, 1991), apresenta a leitura de Hegel dos famosos paradoxos de Zenão de Eléia. São quatro, mas, para a finalidade desta nota, só um deles é necessário: aliás, o mais famoso deles, que é conhecido como a corrida na qual o atleta Aquiles tenta alcançar a molenga tartaruga, que partira a sua frente porque lhe fora dada uma boa vantagem.
Eis como essa prova pode ser descrita brevemente:
Como se sabe, Zenão, filósofo da Grécia antiga, apresentou uma aporia para mostrar que o movimento não existe, que ele é ilusão. Numa corrida de 2 mil metros entre Aquiles e a tartaruga é dada uma vantagem de mil metros para a tartaruga. Dada a partida, assim que Aquiles tenha andado mil metros, a tartaruga, suponha-se, andou quinhentos metros; ela está, portanto, à frente de Aquiles. Quando Aquiles andou mais quinhentos metros, a tartaruga andou mais duzentos e cinquenta metros, continuando à sua frente. E assim por diante. A reiteração desse argumento, mostra, na visão de Zenão, que Aquiles não alcança nunca a tartaruga.
O filósofo grego apresenta esse raciocínio visando mostrar que o movimento é apenas aparência – e não a verdadeira realidade. Para discutir a leitura de Hegel dessa aporia, Zizek apresenta primeiro, sumariamente, como a ótica kantiana compreende esse modo de pensar. Emprega, então, as categorias kantianas do “em si” e do “para nós” com essa finalidade. Para Kant, como se sabe, a coisa em si é incognoscível – mas isto, entretanto, não é verdade para Zenão. Eis que esse pensador considerava possível conhecer a coisa em si mesma.
Eis o texto em pdf: Verdade como perda do objeto enquanto “em si” fixo e imutável
O “querer dizer” e o “dizer”. Ou o explícito e o implícito
O discurso da dialética é frequentemente mal compreendido. Um ponto central para apreendê-lo consiste em saber distinguir aquilo que Hegel chamava de “entendimento” e aquilo que denominava de “razão”. Ora, esse ponto está bem explicado num texto de Slavoj Zizek contido no seu livro O mais sublime dos histéricos – Hegel com Lacan (Zahar, 1992). Tentar-se-á apresentá-lo aqui de um modo didático, fazendo uso do próprio texto desse autor sempre que isto for melhor para a lógica da exposição.
Em primeiro lugar, é preciso indicar um modo comum – errado – de apreender a diferença entre o entendimento e a razão: está última se sobreporia ao primeiro, indo bem além dele na compreensão do real. O primeiro trata as categorias como fixas, distintas e claras e, por isso, mostra-se capaz de apreender o movimento mecanicamente, como uma sucessão de estados no tempo. O segundo, ao contrário, considera que elas são lábeis, transformáveis umas nas outras, obscuras, tornando-se assim capaz de apreender o auto-movimento, de tornar dialética a compreensão da realidade. Ora, o que está errado nessa afirmação não é o modo de considerar as categorias, mas em pensar que o entendimento e a razão são maneiras de pensar alternativas, que existiriam lado a lado, que “apreenderiam” os objetos por formas completamente distintas e separadas entre si.
Ora, há um outro modo, mais rigoroso, de entender a relação da razão com o entendimento. Ele é apresentado na exposição que se segue.
Falo/feitiço e o fetichismo da mercadoria como ilusões reais
Os escritos no campo da psicanálise lacaniana tendem a escapar da compreensão de muitos. Este economista que aqui escreve não é exceção. Entretanto, crê – e isto não é novo – que certos conhecimentos de psicanálise precisam ser incorporados na crítica da economia política. Ora, um texto que faz uma conexão entre dois fetiches sexuais com o fetiche da mercadoria é aqui reapresentado – talvez – numa forma mais didática.
Num escrito dessa matriz encontra-se a seguinte frase: “o falo deve ser apreendido como significante da castração”. O que ela significa? Qual a sua significância? Que relação tem com a conexão acima mencionada?
Ora, é assim que Slavoj Zizek começa uma seção de seu livro Eles não sabem o que fazem – o sublime objeto da ideologia (Zahar, 1992) intitulada Falo e feitiço. Ora, esse autor, tal como o seu mestre, costuma esconder, parcialmente, a trama do jogo de linguagem que entretém. Nem por isso, entretanto, o que ele escreve é irrelevante – ao contrário, frequentemente lança luzes sobre temas difíceis. Por isso é preciso investigar o que ele pode estar querendo dizer com essa expressão que parece bem arrevesada.
Antes de começar examiná-la, anote-se que os termos “falo” e “feitiço” são significantes similares às “ilusões reais” da crítica da economia política, a saber, a mercadoria e o dinheiro como fetiches. A questão que se põe a respeito deles é aqui, como lá, saber que significação têm. Como deslindar esse nó?
Da neurose à perversão: Crise moral no ocaso do capitalismo
O livro não é novo, mas a sua tese precisa ser recuperada, pois com o passar dos anos tornou-se ainda mais relevante. O homem sem gravidade – gozar a qualquer preço foi publicado, em 2003, na França e, em 2008, no Brasil. Aqui se apresenta a sua tese fazendo uma ponte com a crítica economia política,.
Ele contém uma longa conversa entre dois psicanalistas franceses, Charles Melman e Jean-Pierre Lebrun. O primeiro deles alçara, nesse domínio do saber, uma questão associada à emergência e à difusão do neoliberalismo a partir do fim dos anos 1980. E ela, agora, na passagem do milênio, tornara-se motivo de um debate que buscava uma melhor compreensão do tema.
O livro retrata, pois, essa discussão. Eis, pois, o núcleo da tese levantada: com a vitória do neoliberalismo, “passou-se de uma cultura fundada no recalque dos desejos e, portanto, da cultura da neurose, para uma outra que recomenda a sua livre expressão e que promove a perversão”. A perversão, pois, é tomada aqui como um sintoma do ocaso do capitalismo, do fato de que ele não tem mais horizonte histórico progressivo – ao contrário, o seu futuro é a regressão.
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