Chegar depois para chegar junto: eis a ambição da dialética

“Se o conhecimento humano avança, não há como antecipar hoje, o que tão-somente se saberá amanhã”. Como é bem sabido, essa é uma sentença fundamental do livro A miséria do historicismo de Karl Popper (Cultrix/USP, 1980). Como se afigura bem evidente, por meio dela, este metodólogo da ciência faz uma afirmação sobre o saber da história; ele afirma simplesmente que não é possível conhecer o futuro antes que ele sobrevenha. E, como base, nessa proposição, ela vai criticar todos aqueles que parecem conhecer aquilo que estaria reservado no futuro para a humanidade.

Ora, para pensar a história, pode-se examinar por simplicidade um simulacro dela, focando o famoso paradoxo da transformação do cabeludo no careca: se um homem é cabeludo aos vinte anos e careca ao sessenta, em que momento de sua vida pessoal, entre esses dois momentos, ele se transformou de cabeludo em careca? No preciso instante em que isto aconteceu, esse homem era, simultaneamente, cabeludo e careca? Não seria esta última uma afirmação arrevessada que contém em si mesma uma contradição formal, a qual é proibida pelo entendimento e mesmo pela razão dialética? A lógica aristotélica colapsa quando quer apreender o movimento em geral?

O texto completo se encontra aqui: Chegar depois para chegar junto

 

O “querer dizer” e o “dizer”. Ou o explícito e o implícito

O discurso da dialética é frequentemente mal compreendido. Um ponto central para apreendê-lo consiste em saber distinguir aquilo que Hegel chamava de “entendimento” e aquilo que denominava de “razão”. Ora, esse ponto está bem explicado num texto de Slavoj Zizek contido no seu livro O mais sublime dos histéricos – Hegel com Lacan (Zahar, 1992). Tentar-se-á apresentá-lo aqui de um modo didático, fazendo uso do próprio texto desse autor sempre que isto for melhor para a lógica da exposição.

Em primeiro lugar, é preciso indicar um modo comum – errado – de apreender a diferença entre o entendimento e a razão: está última se sobreporia ao primeiro, indo bem além dele na compreensão do real. O primeiro trata as categorias como fixas, distintas e claras e, por isso, mostra-se capaz de apreender o movimento mecanicamente, como uma sucessão de estados no tempo. O segundo, ao contrário, considera que elas são lábeis, transformáveis umas nas outras, obscuras, tornando-se assim capaz de apreender o auto-movimento, de tornar dialética a compreensão da realidade. Ora, o que está errado nessa afirmação não é o modo de considerar as categorias, mas em pensar que o entendimento e a razão são maneiras de pensar alternativas, que existiriam lado a lado, que “apreenderiam” os objetos por formas completamente distintas e separadas entre si.

Ora, há um outro modo, mais rigoroso, de entender a relação da razão com o entendimento. Ele é apresentado na exposição que se segue.

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Ruy Fausto: dentro e fora do marxismo

Ruy Fausto faleceu no dia 1º de maio de 2020. Mesmo se ele se afastou do marxismo no correr de sua vida intelectual, continua a ser reconhecido como um filósofo original que mostrou certas chaves cruciais para melhor ler a obra de Karl Marx. Ao fazê-lo, abriu especialmente para os economistas o horizonte da crítica da economia política, sem a qual a ciência do capitalismo permanece um saber que esconde os seus fundamentos.

É evidente, o autor de Marx: Lógica e Política, dedicou quase toda a sua vida de professor universitário e pesquisador na área de Filosofia ao desenvolvimento de uma crítica rigorosa do marxismo herdado, a qual se fundamenta na logicidade da dialética de Hegel e Marx.

Como aquele que assina esse blog aprendeu com ele um pouco da lógica dialética que está implícita nos textos do filósofo alemão, julga então que não poderia faltar nesse momento. O texto que essa introdução encaminha aponta para o núcleo da contribuição de Ruy Fausto, que continua a ser de conhecimento necessário para o aprofundamento da compreensão não só do marxismo, mas também – é preciso dizer – para a política contemporânea.

O texto está aqui:  Dentro e fora do marxismo

Dialética da natureza

Marx e Engels (2)Para acabar com um anacronismo

As obras sobre esse tema são escassas – muitíssimo escassas. É bem sabido que Friedrich Engels se preocupou com a questão da “dialética da natureza”, tendo feito anotações entre 1872 e 1882, as quais foram reunidas depois num livro com esse mesmo nome. Além dessa obra polêmica e do Anti-Düring do mesmo autor, dedicou-se ao assunto o livro notável de Richard Levins e Richard Lewontin, publicado em inglês apenas em 1985, sob o título de O biólogo dialético (The dialectical biologist). Nessa linhagem é preciso registrar também como excepcional, agora, o livro coordenado por Lucien Sève que recebeu o nome de Ciência e dialética da natureza (Sciences et dialectiques de la nature), publicado em francês somente em 1998. Para divulgar um pouco o conteúdo dessa última obra e para ressaltar a sua importância, publica-se aqui a tradução de uma seção do livro que trata da realidade das contradições. Nessa seção, Sève contesta uma tese central de Lucio Colletti em O declínio do marxismo, mostrando não apenas o que são as “contradições dialéticas”, mas também avançado uma “dialética das contradições” na perspectiva do pensamento marxista.

Para ler o trecho traduzido clique aqui: Seve – Ciencia e dialetica da natureza