A pulsão catastrófica do capitalismo

Autores: Lucas Pohl[1] e Samo Tomsic[2]

A narrativa apocalíptica, provavelmente, vem sendo a mais difundida do que qualquer outra nos tempos atuais.  Aparece de várias formas e influencia o caráter do presente momento histórico: há os sucessos de bilheteria de Hollywood, assim como os romances de ficção científica, os documentários de TV; além disso, há os videogames, as postagens em blogs, projetos de arte, reportagens jornalísticas e volumes inteiros dedicados ao tema.

Nas primeiras semanas após o início da pandemia da COVID-19, quando ela começou a dominar na grande mídia e no grande público, assim como nos debates políticos e na vida cotidiana em muitas partes do mundo, chegou aquele momento em que pareceu que o fim do mundo finalmente havia chegado. As imagens de hospitais transbordantes de gente na Itália, os bloqueios de subúrbios inteiros na Espanha, as filas em frente as lojas de armas nos EUA e as prateleiras vazias nos supermercados em todo o mundo – ou seja, imagens que a maioria das pessoas conhece por meio da cultura de repente começou a se espalhar por toda a imprensa diária e pelas mídias sociais as mais variadas. De repente, os cenários fictícios das histórias sobre o fim dos tempos, publicadas e difundidas pela indústria do entretenimento nas últimas décadas, pareceram finalmente se tornar realidade. 

O “coronapocálipse” começou a correr e a se espalhar nas redes sociais e, assim, certamente captou o espírito desse momento. Ou seja, apresentou uma situação tão completamente desordenada que ficou difícil imaginar como as coisas poderiam voltar ao normal. Embora esses fatos tenham tido diversos efeitos colaterais inesperados, pelo menos por um momento pareceram corroborar o conhecido e questionado slogan atribuído a Frederic Jameson, segundo o qual “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. 

As primeiras semanas da pandemia demonstraram em princípio a validade desta estranha afirmação, ou seja, que é surpreendentemente fácil imaginar que o fim do mundo está chegado, sem conceber que o capitalismo está encontrando o seu fim.[3] Mas os efeitos ambientais registrados do bloqueio temporário e das medidas econômicas adotadas pelo menos por alguns estados europeus também mostraram que o dogma neoliberal “não há alternativa” pode ser superado muito mais facilmente do que julga o imaginário capitalista atualmente vigente.

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A relação de capital: o fascismo e o stalinismo

Introdução

Como essas duas formas políticas, o fascismo e o stalinismo, podem ser compreendidas a partir da relação de capital – a relação social que subsumi o trabalho e, assim, o modo de trabalhar, por meio do assalariamento? Como essa relação estruturante da sociedade moderna é sustentada no fascismo e no stalinismo? Como o Estado garante a acumulação de capital em cada uma delas? Uma dessas formas, como se sabe, configura-se ainda no evolver do capitalismo e a outra aparece no “socialismo” burocrático – ambas, no entanto, mesmo se pareceram sólidas, revelaram-se ao fim reversíveis e transitórias. Para responder essa pergunta, que se tornou novamente central neste começo do século XXI, parte-se aqui da categoria de fetichismo apresentada em O capital.

Como já aconteceu outras vezes, o capitalismo enfrenta agora uma crise estrutural que coloca em dúvida a sua permanência na história. Diante dela, imensa como nunca fora antes, parece haver dois caminhos. A razão comunicativa recomenda aprofundar a democracia para resolver os impasses do desenvolvimento na sociedade contemporânea e, sobretudo, para contrariar o rumo do colapso societário. A sua negação extremista, entretanto, é que se tem apresentado e prosperado na cena política.

Diante dos esgarçamentos sociais produzidos pela atual crise estrutural, o fantasma de formas políticas totalitárias tem ressurgido no horizonte. E elas laboram para impedir a superação das ameaças à própria civilização humana. Não existe mais, portanto, a via de retorno à socialdemocracia. Logo, para as forças do desenvolvimento e da transformação só resta o caminho mais difícil do socialismo democrático. Por isso é que se afigura importante compreender melhor essas duas formas de totalitarismo, distinguindo o que tem de comum e o que tem de diferente.

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Niilismo, capital, fascismo

O termo niilismo foi empregado de várias formas na tradição cultural do Ocidente. Mesmo em Friedrich Nietzsche, em que se torna central, é de difícil compreensão já que foi usado de várias formas apenas aproximadas umas das outras ao longo de seus diversos textos.

Aqui se entende que niilismo se refere à “ruína da interpretação moral do mundo” depois do advento da racionalidade moderna, após o declínio da totalidade ética constituída pelo cristianismo na Idade Média. Segundo Max Weber, ele é o efeito de um desencantamento do mundo. Segundo Heidegger, ele traz como consequência o domínio da racionalidade técnica e instrumental do mundo.

Aqui se julga que essa irreligiosidade, que afetou o mundo da vida social e cultural, veio junto com um novo encantamento. Eis que a esfera econômica da sociedade moderna se destacou da sociedade, ganhou vida própria, tornando-se o domínio de um “deus” terreno. Em consequência, atribui-se aqui o advento do niilismo ao domínio crescente nessa sociedade do sujeito automático formado pela relação entre o capital e o trabalho assalariado.

De modo tentativo, considera-se então que o efeito do niilismo é incapacitar os valores humanistas que mal sobrevivem na sociedade moderna de conter as tendências à uma violência endêmica – assim como àquela que dá origem ao fascismo –, a qual passa a medrar nessa sociedade de forma incontida. Julga-se, então, que apenas um socialismo radicalmente democrático pode salvar a humanidade da barbárie que hoje se vê transpirar por todos os poros desse desencantamento.

Eis aqui o texto: Capital, niilismo, fascismo

O modo da dominação nazista segundo Zizek

Este post encaminha um pequeno artigo de Jodi Dean, cientista política norte-americana, professora do Departamento de Ciência Política das Faculdades Hobart e William Smith, no Estado de Nova York. Ela é autora do livro Zizec’s Politics (A política em Zizec), (Routledge, 2006). Nessa nota, essa autora procura apresentar de modo bem sintético como se dá, segundo Slajov Zizek, a dominação nazista e como ela teria de desembocar, necessariamente, no Holocausto.

O que caracteriza a explicação de Zizek do nazismo é o uso que faz da teoria do discurso de Jacques Lacan. Em decorrência, ele mostra como a dominação nazista se dá em várias instâncias da subjetividade individual e social, assim como do próprio social, ou seja, na do imaginário, na da fantasia e na das normas jurídicas e burocráticas (que Lacan denominava de simbólico). É também de se notar que Zizek combina em sua apresentação a crítica psicanalítica com a crítica da economia política de Karl Marx.

A nota se encontra aqui: O modo da dominação nazista segundo Zizek

Quando o neoliberalismo encontra o fascismo

O neoliberalismo é, sim, criador. Do que mesmo, na prática!? De má distribuição da renda, da destruição da proteção social dos mais pobres, da precarização da condição de vida dos trabalhadores – tudo isso é bem conhecido. Ainda que procure se justificar em nome da liberdade, o que ele procura mesmo é elevar a taxa de lucro do capital industrial e manter intocado e em processo de valorização o volumoso capital fictício acumulado nas últimas décadas.

Mas a sua mais terrível criação não é bem conhecida. E ela precisa, sim, ser mostrada e bem mostrada. Aqui se examina o novo livro de Wendy Brown: Nas ruinas do neoliberalismo – O surgimento da política antidemocrática no Ocidente.

Esse escrito defende a tese de que o neoliberalismo, durante trinta anos (1979-2008), preparou o terreno onde medraram as correntes antidemocráticas na segunda década do século XXI. Essa autora apresenta um achado central: como promove a racionalidade econômica de modo intenso, a ficção do capital humano, do ser que se pensa como uma empresa de si mesmo, o neoliberalismo reforça o niilismo.

O niilismo, como se sabe, é a noção central da crítica da modernidade feita por Nietzsche. Eis que tem vários significados na obra desse filósofo: vontade de nada, negação da vida, desvaloração de todos os valores, perda da referência à totalidade ética.

Para Brown, o niilismo é uma decorrência do capitalismo, ou mais precisamente, da emergência da relação de capital na sociedade moderna. À medida que o capital passa a dominar como valor no mundo das mercadorias, ele tende a se tornar também um valor supremo no mundo da vida daqueles que vivem nas condições postas pelo capitalismo.

Ora, o domínio do capital como valor tem consequências desastrosas para a existência humana, as quais, aliás, foram se intensificando com a evolução desse modo de produção no correr dos anos nos últimos dois séculos. Eis o que ela diz do atual momento histórico:

Ora, a narrativa [meramente econômica] não abrange a intensificação do niilismo que agora contesta a verdade dos fatos e transforma a moralidade tradicional em arma na luta política. Não identifica os assaltos à democracia constitucional, à igualdade sexual, de gênero e racial; a sabotagem praticada contra a educação pública e a esfera civil pública e não violenta, ao mesmo tempo em que fala de liberdade e moralidade. Não apreende, enfim, como a racionalidade neoliberal desorienta radicalmente a esquerda ao chamar de “politicamente correto” o discurso que clama pela justiça social.

Eis o texto completo aqui: Quando o neoliberalismo encontra o fascismo