Autor: Eleutério F. S. Prado [1]
A questão de saber o que é o materialismo parece às vezes fácil de resolver. De imediato tem-se que se trata da posição filosófica que admite a existência de uma realidade exterior ao homem e que independe da sua subjetividade. Ora, desde que ele se tornou um ser social num passado muito distante, a própria realidade passou a ser transformada coletivamente, não apenas materialmente, mas também de outro modo. Como esse “senhor” passou a se comunicar por meio de linguagens cada vez mais complexas, a realidade para ele deixou de ser aquela que pode ser apreendida por meio dos sentidos, para se configurar como realidade simbólica. As simbolizações em geral e, em particular, a linguagem, recobrem um mundo real que continua subsistindo independentemente delas.
Aqui, para discutir um suposto materialismo de Jacques Lacan, parte-se de uma compreensão básica de linguagem. As formas elementares dessa complexidade são as palavras e estas consistem em princípio da reunião de uma forma (o significado) com um suporte da forma (o significante) – ainda que não de um modo rigidamente fixo. O significado diz respeito àquilo que é chamado de noção no plano da lógica; o significante, por sua vez, está constituído por sons devidamente concatenados, os quais são transmitidos por via oral ou por meio de um conjunto de sinais escritos que o fixam de modo duradouro. Em princípio, o significante transporta o significado. E ambos se ligam a um ou mais referentes por meio de conexões que também não são unas, estritamente estabelecidas.
As palavras, portanto, não estão coladas a referentes, como se deles fossem meras imagens. Diferentemente, as palavras se referem ativamente às coisas por meio do uso que delas se faz na prática social. As pessoas que participam da associação linguística que se chama sociedade tem de apreender a usar a linguagem que, para elas, é um comum: eis que tem de se apoderar de suas regras, assim como do modo de empregar e combinar as palavras, as distinções entre elas, os seus limites referenciais etc. Ora, essa descrição sumária parece satisfatória, mas ela contém, entretanto, uma questão perturbadora: como as significações são postas socialmente, teriam elas alguma objetividade ou seriam meramente subjetivas? Os significantes apenas representam significados que moram na mente humana ou eles próprios são lugares onde moram os significados?
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