Decrescimento ou duas Terras!

O autor do artigo que se segue, Stan Cox, sugere que há uma alternativa para o futuro da humanidade (se assim se puder chamar a população do mundo como um todo). Mas a escolha a que se refere é de fato uma “escolha”, pois se dá entre uma utopia em sentido forte e uma impossibilidade.

Para o autor do escrito parece que a única opção é o decrescimento planejado como ficará claro em sua leitura. Mas há outra possibilidade: o decrescimento caótico. Não seria este o caminho mais provável para o eventual progresso da vida humana na face da Terra?

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Males psíquicos no capitalismo: neurose obsessiva e histeria

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Ian Parker, em seu livro Psicanálise lacaniana – revoluções em subjetividade[1], estabelece relações entre certas categoriais psicológicas, caracterizadas grosso modo como neuróticas, e certas “posições estruturais” inerentes à esfera econômica do capitalismo. O seu ponto de partida parece ser o de que os indivíduos sociais nesse sistema, mesmo tendo de aparecer como sujeitos autônomos, precisam se comportar como atributos e personificações das coisas – não como sujeitos, portanto.

Mesmo se a questão investigada tem uma abrangência maior na história, essa nota se preocupa somente com essas relações na sociedade moderna e de modo restrito. A nota que aqui vai tem a pretensão de ser apenas um ensaio modesto que traz algum esclarecimento.

Nessa perspectiva, Parker começa examinando o mundo do trabalho no capitalismo. Convém que uma contradição caracteriza sobretudo os indivíduos sociais nesse modo de produção: por um lado, eles têm de produzir valor para o capital, mas, por outro, têm de bem realizar os processos de trabalho que são necessários para a reprodução da sociedade. E isso tem consequências para a sua subjetividade.

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Economia libidinal em Karatani (III)

Autor: Daniel Tutt[1]

(continuação da parte II)

Freud oferece uma resposta liberal para a questão maior de como a civilização gerencia as agressões coletivas encravadas e os ressentimentos gerais. Na conclusão de Civilization and Its Discontents, ele argumenta que o próprio reinado da propriedade privada é o melhor meio de inibir a pulsão agressiva.  Para Freud, parece que a própria persistência do modo C e o reinado da propriedade privada fornecem uma saída, juntamente com a cultura, para a agressão. Assim, há um grau de ressentimento que uma sociedade baseada na propriedade privada perpetua, que Freud parece lançar como necessário para manter um grau de repressão.

Lembramo-nos novamente da ambígua adesão de Freud à era progressista da Europa do pós-guerra e da insistência simultânea de que algo do sintoma da velha ordem permaneça dentro da nova. Essa posição coloca Freud em desacordo com a insistência de Karatani de que uma ordem social regida pela troca de mercadorias limita a liberdade. Nesse ponto de contraste, entra em foco o princípio invariante da natureza situado no núcleo da subjetividade – o que elaboramos acima como modo D – ou uma internalização da pulsão agressiva não determinada pela consciência. Karatani está utilizando o aparato freudiano de forma diferente do que o próprio Freud o fez e com objetivos políticos diferentes.

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Economia libidinal em Karatani (II)

Autor: Daniel Tutt[1]

(continuação da parte I)

Há, portanto, uma teleologia na lógica Karatani dos modos de troca, na medida em que a lógica do modo D realiza a troca de presentes com base nos outros modos. Em vários momentos, Karatani discute a lógica de movimento do modo D como “religião”. E por “religião” ele quer se referir a uma forma semelhante à “religião” de Kant, a qual se realiza supostamente numa república mundial que aboliu o Estado e o capital. Em outros momentos, ele se refere ao modo D como se fosse provocado pela repressão e pela pulsão de morte no sentido freudiano do conceito. 

Em geral, enquanto um modo político de mudança histórica, Karatani teoriza o comunismo como um “modo D”; trata-se, para ele, de uma demanda repetitiva para romper com o modo C de troca de mercadorias e retornar à troca recíproca em cada modo de troca. Nesse relato da história e da práxis, podemos tomar o exemplo da Revolução Francesa e dos períodos revolucionários subsequentes como encenações do modo D. A Revolução Francesa veio de uma demanda coletiva por um retorno a arranjos mais fundamentais de liberdade, igualdade e fraternidade. Essas demandas coletivas também foram pensadas como um levante libidinal. Essa lógica se repete na história como uma forma de negação que busca romper modos opressores que dominam as relações sociais.

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Economia libidinal em Karatani (I)

Autor: Daniel Tutt[1]

O filósofo japonês Kojin Karatani desenvolveu uma sofisticada teoria da história e da práxis, oferecendo uma leitura em “paralaxe” de Kant e Marx que alinha o sistema ético kantiano com uma crítica imanente da troca de mercadorias tal como Marx se desenvolve em O Capital.

As reflexões éticas de Kant não são a-históricas e meramente abstratas, como apontam Marx e muitos marxistas. Pelo contrário, a dimensão universal da ética de Kant não pode ser realizada num arranjo social qualquer. Karatani argumenta que, para o “reino dos fins” kantiano possa acontecer, é preciso uma modificação materialista do modo de troca das coisas (os bens em geral).

 Kant torna-se, assim, um interlocutor necessário no âmbito da práxis marxiana. Karatani mostra que, mesmo para o próprio Kant, a troca de mercadorias que dominava no seu próprio tempo – o capitalismo mercantil – tinha que ser transcendida como pré-condição para qualquer promulgação da ética kantiana. Essa ética, portanto, é pensável junta não apenas com a crítica de Marx ao fetichismo da mercadoria e ao capitalismo, mas a teoria ética kantiana informa a práxis tal como pensada por Marx, oferecendo um relato utópico da revolução mundial.

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Marx e Adorno: dialética negativa e crítica da economia política

Autores: Werner Bonefeld [1] e Chris O’Kane [2]

O título do livro aqui apresentado, Adorno and Marx: Negative dialectics and the critique of political Economy (Bloomsbury Academic, 2022), resume uma história intelectual recente do desenvolvimento da crítica da economia política enquanto uma teoria social crítica. Ela surgiu no contexto da nova esquerda do final dos anos 1960 e, desde então, foi elaborada por sucessivas gerações de estudiosos críticos em diferentes instituições institucionais. A influência da Escola de Frankfurt foi de particular importância para o seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, está ligada à Nova Leitura de Marx, inspirada em Adorno, na então Alemanha Ocidental.[3]

No Reino Unido, surgiu como a análise da “forma social” no interior da estrutura da Conferência de Economistas Socialistas.[4] Essas novas leituras da crítica da economia política como uma teoria social crítica desenvolveram-se ainda mais na interseção entre a teoria crítica inicial da Escola de Frankfurt – principalmente Adorno, Horkheimer e Marcuse –, a Nova Leitura de Marx da Alemanha Ocidental e a análise da “forma social” sob a rubrica de “marxismo aberto”.[5]

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A “mudança criativa” vai mudar o mundo?!

Autor: Stavros Mavroudeas[1]

Num artigo recente (muito divulgado pelos círculos sistêmicos, assim como outros), Yanis Varoufakis, referindo-se à atual turbulência bancária internacional, proferiu o slogan supostamente radical “deixem os bancos queimarem”. É claro que esse autor não é famoso pela coerência das suas análises econômicas. Como ele mesmo se descreveu, é um criador de contos de fadas que se passa por um economista. O referido artigo se enquadra totalmente nesta categoria.

Além disso, as visões políticas de Varoufakis variam – muitas vezes simultaneamente – de radicais (mas nunca realmente de esquerda) a descaradamente conservadoras. Recentemente, por razões eleitorais puramente oportunistas, ele professou dar uma virada à “esquerda”. Em sua recente máscara, ele encontrou apenas alguns cúmplices dispostos e igualmente oportunistas, mas seu sucesso eleitoral ainda está em jogo. É claro que, como em suas análises científicas, a “ambiguidade criativa” (que é sinônimo de oportunismo e falta de confiabilidade) é a marca de sua virada política supostamente radical.

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Compulsão muda

Como um sistema econômico tão hostil à vida perdura por séculos?

Autor: Peter Dolack[1]

Quando conceituamos o poder que mantém o capitalismo, o tema da violência e da ideologia prontamente vêm à mente. Apesar da vasta desigualdade, da exploração grotesca, do desprezo pela vida e pelo meio ambiente, da instabilidade crônica e das rebeliões que surgem repetidamente e, às vezes, tomam o poder, o capitalismo parece mais firme na sela do que nunca, lançando as suas flechas mortíferas para praticamente todos os lugares da Terra.

“Como é possível que uma ordem social tão volátil e hostil à vida possa persistir por séculos?” – pergunta Søren Mau na introdução de seu livro Mute Compulsion: A Marxist Theory of the Economic Power of Capital. A violência tem estado com o capitalismo desde o seu início – de fato, o capitalismo não poderia ter se enraizado sem a coerção maciça por meio da violência, leis draconianas, escravidão e colonialismo. As construções ideológicas que mantêm tantos escravizados tornam-se cada vez mais sofisticadas, com um vasto aparato de meios de comunicação de massa, “think tanks” e outras instituições, as reforçam os mantras burgueses, complementados por escolas, militares, locais de trabalho e outros aplicadores do condicionamento social.

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Acabou a crise bancária?

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 27/03/2023

Os preços das ações dos bancos se estabilizaram no início desta semana. E todos os principais funcionários do Federal Reserve, do Tesouro dos EUA e do Banco Central Europeu estão assegurando aos investidores que a crise acabou. Na semana passada, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que o sistema bancário dos EUA era “forte e resiliente” e não havia risco de um colapso bancário como em 2008-9.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, por sua vez, disse que o setor bancário dos EUA estava “se estabilizando”. Afirmou que o sistema bancário dos EUA era forte. Além disso, o presidente do BCE, Christiane Lagarde, disse repetidamente a investidores e analistas que “não havia oposição” entre combater a inflação aumentando as taxas de juros e preservar a estabilidade financeira.

Portanto, tudo está bem ou pelo menos logo estará. E isso supostamente se deve ao maciço apoio à liquidez que o Fed e outros órgãos de empréstimo do governo dos EUA estão oferecendo. Além disso, os bancos mais fortes intervieram para comprar os bancos em colapso (SVB e Credit Suisse) ou investir dinheiro em bancos falidos (First Republic).

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Marx e Keynes: os limites da política econômica

Note-se uma certa candura ideológica dos atuais economistas que propugnam por reformas do sistema, mudanças institucionais e regulação econômica, que melhorariam supostamente a vida dos trabalhadores. O texto do autor progressista abaixo traduzido ignora totalmente a questão da socialização do capital – vista como financeirização e/ou dominância financeira. Ele discute a política econômica de um modo até interessante, mas anacrônico porque não compreende bem o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo.

Note-se: mesmo se a taxa de ganho do capital financeiro fica menor do que a taxa de lucro do capital industrial, se o volume de capital financeiro é muitas vezes maior do que o volume de capital industrial operando no sistema econômico, a necessidade de drenar recursos do segundo para alimentar o primeiro impede uma política econômica até mesmo em prol do crescimento. Logo, impede também uma política distributivamente progressista.

O texto abaixo – muito bem escrito e muito instrutivo – julga ainda que o desenvolvimentismo é possível num mundo estruturado de modo não desenvolvimentista. A sua marca não é o crescimento, mas a austeridade. É até mesmo anacrônico ser progressista num mundo regressista em que ocorre ocaso do capitalismo.

eLEUTERIO f s pRADO

Limites das variações salariais

Autor: Nick Johnson – Blog: The political economy of development – Data: 21/09/2022

Marx é muito claro na afirmação de que o trabalho é explorado e que um salário mais alto tornaria a vida dos trabalhadores menos miserável, mesmo se isso não elimina a exploração em si mesma. Mas ele não acredita, porém, que um salário mais alto possa fazer com que o sistema funcione melhor ou mesmo que melhore a situação dos trabalhadores como um todo.

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