A crise do capitalismo formalmente democrático

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 12/02/2022

Em seu último livro, o colunista do FT e guru keynesiano Martin Wolf parte da premissa de que capitalismo e democracia andam juntos como uma mão em uma luva. Mas ele está preocupado: “vivemos em uma época em que as falhas econômicas abalaram a fé no capitalismo global. Alguns agora argumentam que o capitalismo é melhor sem democracia; outros que a democracia é melhor sem o capitalismo”.

No entanto, em seu livro, Wolf afirma que, embora “o casamento entre o capitalismo e a democracia tenha se tornado preocupante”, qualquer “divórcio seria uma calamidade quase inimaginável”. Apesar dos passos vacilantes do capitalismo no século XXI: desaceleração do crescimento, aumento da desigualdade, desilusão popular generalizada, o “capitalismo democrático“, como ele chama o sistema da relação de capital, “embora inerentemente frágil, continua sendo o melhor sistema que conhecemos para o florescimento humano”.

Wolf define “democracia” como “sufrágio universal, democracia representativa, eleições livres e justas; participação ativa das pessoas, como cidadãos, na vida cívica; proteção dos direitos civis e humanos de todos os cidadãos igualmente; e um estado de direito que vincula igualmente todos os cidadãos”. Por capitalismo, “quero dizer uma economia na qual os mercados, a competição, a iniciativa econômica privada e a propriedade privada desempenham papéis centrais”.

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Acabou a crise bancária?

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 27/03/2023

Os preços das ações dos bancos se estabilizaram no início desta semana. E todos os principais funcionários do Federal Reserve, do Tesouro dos EUA e do Banco Central Europeu estão assegurando aos investidores que a crise acabou. Na semana passada, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que o sistema bancário dos EUA era “forte e resiliente” e não havia risco de um colapso bancário como em 2008-9.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, por sua vez, disse que o setor bancário dos EUA estava “se estabilizando”. Afirmou que o sistema bancário dos EUA era forte. Além disso, o presidente do BCE, Christiane Lagarde, disse repetidamente a investidores e analistas que “não havia oposição” entre combater a inflação aumentando as taxas de juros e preservar a estabilidade financeira.

Portanto, tudo está bem ou pelo menos logo estará. E isso supostamente se deve ao maciço apoio à liquidez que o Fed e outros órgãos de empréstimo do governo dos EUA estão oferecendo. Além disso, os bancos mais fortes intervieram para comprar os bancos em colapso (SVB e Credit Suisse) ou investir dinheiro em bancos falidos (First Republic).

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Criação destrutiva ou risco moral?

Michael Roberts – The next recession blog – 15/03/2022

Enquanto escrevo, os preços das ações e títulos dos bancos regionais dos EUA estão caindo. E um grande banco suíço internacional, o Credit Suisse, está à beira da falência. Uma crise financeira não vista desde a crise financeira global de 2008 parece estar se desenrolando. Qual será a resposta das autoridades monetárias e financeiras?

Em 1928, o então secretário do tesouro e banqueiro dos EUA, Andrew Mellon, pressionou por taxas de juros mais altas para controlar a inflação e o crédito alimentou a especulação no mercado de ações. Sob seu legado, o Federal Reserve Board começou a aumentar as taxas de juros e, em agosto de 1929, o Fed elevou a taxa a um novo patamar. Apenas dois meses depois, em outubro de 1929, a Bolsa de Valores de Nova York sofreu o pior crash de sua história no que foi chamado de “Terça-feira Negra ”. A história se repete, como a velha destruição criativa ou como um novo episódio de risco moral?

Em 1929, Mellon não se intimidou. Ele aconselhou o então presidente Hoover a “liquidar a mão-de-obra, liquidar as ações, liquidar os fazendeiros, liquidar os imóveis… isso eliminará a podridão do sistema. Os altos custos de vida e a alta qualidade de vida cairão. As pessoas vão trabalhar mais, viver uma vida mais moral. Os valores serão ajustados e as pessoas empreendedoras aprenderão com as pessoas menos competentes.”Além disso, ele defendeu a eliminação de bancos “fracos” como um pré-requisito, ainda que difícil, mas necessário, para a recuperação do sistema bancário. Essa “eliminação” seria realizada por meio da recusa de emprestar dinheiro aos bancos (tomando empréstimos e outros investimentos como garantia) e recusando-se a colocar mais dinheiro em circulação. A Grande Depressão da década de 1930 seguiu-se a um grande colapso bancário.

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As causas da inflação atual

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 27/02/2023

A Eastern Economics Association (EEA) realizou sua conferência anual no último final de semana. Ela não é tão grande quanto a enorme conferência anual da American Economic Association (ASSA), mas incorpora apresentações de teses econômicas muito mais heterodoxas e radicais do que a ASSA.

Foram centenas de trabalhos apresentados. Vou me concentrar em apenas alguns trabalhos das sessões organizadas pela Union of Radical Political Economics (URPE), os quais me foram gentilmente enviados por seus autores.

Nesta primeira de duas postagens sobre temas da conferência, examinarei a palestra de abertura de Joseph Stiglitz. O professor Stiglitz é ganhador do prêmio Nobel (Riksbank) em Economia, ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-presidente da EEA; agora, é economista-chefe do centro de pesquisa Roosevelt Institute (nome este que indica já a sua orientação política). Stiglitz tem sido um dos principais críticos da economia neoclássica dominante; também se apresenta como defensor de um capitalismo que funciona para muitos – não para poucos.

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Davos 2023: enrolação

Autor: Michael Roberts – The Next Recession Blog – 15/12/2023

Esta semana, o acampamento da rica elite global do Fórum Econômico Mundial (WEF em inglês) começou novamente após o interregno da pandemia da COVID. Os principais líderes políticos e empresariais voaram em seus jatos particulares para discutir as mudanças climáticas e o aquecimento global, bem como a iminente crise econômica global, a crise do custo de vida e a guerra na Ucrânia.

O humor reinante é aparentemente pessimista. Dois terços dos principais economistas entrevistados pelo WEF acreditam que é provável que haja uma recessão global em 2023; quase um em cada cinco dizem que é extremamente provável que ela ocorra. Os líderes corporativos também estão ansiosos; 73% dos CEOs em todo o mundo avaliam que o crescimento econômico global diminuirá nos próximos 12 meses. Essa é a perspectiva mais pessimista desde que a pesquisa do WEF foi feita pela primeira vez há 12 anos.

Sob neve, pouco antes do início do Fórum na exclusiva estação de esqui de Davos, na Suíça, o WEF publicou seu Relatório de Risco Global.  Nele consta uma leitura chocante sobre o estado do capitalismo global na década de 2020.

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Rumo à utopia ou ao desastre?

Os economistas do sistema não estão suportando psiquicamente ver para onde o capitalismo está levando a humanidade. E, por isso, estão caindo em alguma forma de “denegação” – um estado mental estudado por Sigmund Freud. Trata-se de um mecanismo de defesa em que o sujeito nega a realidade como um meio de proteção contra algo que pode gerar dor ou sofrimento. Quando a denegação é parcial, ela é quase sempre complementada por uma fantasia que encobre a perda.

No texto em sequência, Michael Roberts estuda (implicitamente) como essa patologia psicanalítica aparece, ainda que de uma forma mitigada, num livro recém-lançado por Bradford DeLong. Eis que este último autor julga que a utopia keynesiana ainda está no horizonte.

Autor: Michael Roberts – Blog: The next recession, 25/10/2022

Bradford DeLong é um dos economistas keynesianos mais proeminentes do mundo; é também historiador econômico, atuando como professor na Universidade da Califórnia, Berkeley. Serviu, ademais, como vice-secretário assistente do Departamento do Tesouro dos EUA, no governo Clinton, sob o comando de Lawrence Summers. Trata-se de um democrata liberal na política interna dos EUA e um keynesiano clássico na Economia.

Ele publicou um novo livro, intitulado Rumo à Utopia: uma história econômica do século XX. É um trabalho ambicioso que visa analisar e explicar o desenvolvimento da economia capitalista no que ele considera seu período de maior sucesso: o século XX.

Em particular, DeLong afirma que o capitalismo, enquanto uma força progressiva que vem resolver as carências da humanidade, só decolou em 1870; desde então passou a voar alto até a Grande Recessão de 2008-9, momento em que se completou o que ele chama de “longo século XX”. Quais foram as razões que permitiram ao capitalismo um crescimento econômico mais rápido, que produziram um salto quântico nos padrões de vida a partir de 1870? DeLong elenca as seguintes: “a tripla emergência da globalização, da pesquisa industrial e da corporação moderna”.

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Da teoria vulgar da espiral salários/preços

Autor: Michael Roberts, The next recession blog – 20/11/22

Os aumentos salariais “excessivos” levam ao aumento da inflação e, assim, levam as economias a uma espiral de preços e salários? Em 1865, na Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx debateu esse tópico com o membro do Conselho dessa Associação, Thomas Weston. Weston, um líder do sindicato dos carpinteiros, argumentou que pedir aumento de salário era inútil porque tudo o que aconteceria seria que os empregadores aumentariam seus preços para manter seus lucros e, portanto, a inflação consumiria rapidamente o poder de compra elevado; os salários reais estagnariam e os trabalhadores voltariam à estaca zero por causa de uma espiral preço/salário.

Marx respondeu ao argumento de Weston com firmeza. A sua resposta, que acabou sendo publicada em um panfleto, Valor, Preço e Lucro, foi basicamente a que segue. Em primeiro lugar, “os aumentos salariais geralmente acontecem na esteira dos aumentos de preços anteriores” – a demanda por aumento do salário é uma tentativa de recuperação; não se deve, portanto, a demandas ‘excessivas’ e irrealistas por salários mais altos por parte dos trabalhadores. Em segundo lugar, não são os aumentos salariais que causam o aumento da inflação. Muitas outras coisas afetam as mudanças de preços – argumentou Marx: a saber: “a quantidade de produção (taxas de crescimento – MR), as forças produtivas do trabalho (crescimento da produtividade – MR), o valor do dinheiro (crescimento da oferta monetária – MR), flutuações do mercado preços (fixação de preços – MR) e diferentes fases do ciclo industrial” (boom ou recessão – MR).

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Terapia de choque na economia mundial

Autor: Michael Roberts

Blog The next recession – 10/10/2022

O termo “terapia de choque” foi usado para descrever a mudança drástica de uma economia planejada, baseada na propriedade estatal, existente na antiga União Soviética, para um modo de produção capitalista integral, em 1990. Eis que produziu uma grande queda nos padrões de vida, por uma década.

O termo “doutrina do choque” foi usado por Naomi Klein para descrever a destruição dos serviços públicos e do estado de bem-estar pelos governos a partir da década de 1980. Agora, os principais bancos centrais estão aplicando uma “terapia de choque” na economia mundial: estão aumentando as taxas de juros com a intenção de controlar a inflação, mesmo se há uma crescente evidência de que isso levará a uma recessão global no próximo ano.

Veja-se o que dizem alguns de seus porta-vozes. Chris Waller, membro do conselho do Federal Reserve deixou bem claro essa intenção ao afirmar que “não estou pensando em desacelerar ou interromper os aumentos das taxas devido a preocupações com a estabilidade financeira”. Portanto, mesmo que o aumento das taxas de juros comece a abrir fissuras nas instituições financeiras e em seus ativos especulativos, isso não importa.

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A liquidez e o afogamento

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 29/09/22

“Se não houvesse intervenção hoje, nesta manhã, os rendimentos dos títulos do governo britânico poderiam ter subido de 4,5% para 7-8%; nessa situação, cerca de 90% dos fundos de pensão do Reino Unido teriam ficado sem garantias colaterais… Eles teriam sido varridos do mercado”. Eis o que disse ontem um operador de títulos do Reino Unido.

Uma crise de liquidez eclodiu nos mercados de títulos britânicos após o anúncio do novo governo conservador de que gastaria até 60 bilhões de libras para manter um teto no preço da energia para famílias por até dois anos, para subsidiar os custos energéticos das empresas, assim como, também, para cortar os impostos sobre as rendas das famílias e das empresas.

O impacto total dessa grande generosidade (concedida principalmente para os ricos) no nível da dívida pública do Reino Unido nos próximos anos foi estimado em mais de 400 bilhões de libras ou quase 20% do PIB. Com a dívida pública do Reino Unido já se encontra em 100% do PIB, esse aviso soou como um alarme; caiu a confiança e os preços dos títulos do Reino Unido caíram. Pois, as taxas de juros (isto é, os rendimentos dos títulos) subiram vertiginosamente (veja-se isso no gráfico em sequência).

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Haverá uma queda no PIB global?

Os economistas estão indecisos. O PIB global só caiu por duas vezes abaixo de zero (em 2008 e 2020) nos últimos 70 anos, ou seja, desde o fim da II Guerra Mundial. No entanto, haverá certamente uma recessão na economia global; o PIB global deverá se situar na casa dos 2%, mas haverá queda do PIB em alguns países importantes da Europa (Alemanha entre elas); uma redução forte do crescimento da economia capitalista nos EUA e na China está também prevista. O gráfico que se segue apresenta um indicador que costuma acertar na vinda de recessões.

Um artigo de Michael Roberts reporta as discussões havidas no encontro anual de banqueiros centrais norte-americanos na vila de Jackson Hole, nos Estados Unidos.

Lá no vale de Jackson Hole

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 27/08/2022

Jay Powell, presidente do Federal Reserve dos EUA, fez um discurso no simpósio anual de verão dos banqueiros centrais em Jackson Hole, Wyoming, EUA. Ele foi observado de perto por investidores financeiros e economistas para ver se apoiaria a estratégia de um “pivô do Fed” na política de taxas de juros. O pivô funcionaria como um abrandamento na atual alta agressiva da taxa básica de juros do Fed.

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