Rumo à utopia ou ao desastre?

Os economistas do sistema não estão suportando psiquicamente ver para onde o capitalismo está levando a humanidade. E, por isso, estão caindo em alguma forma de “denegação” – um estado mental estudado por Sigmund Freud. Trata-se de um mecanismo de defesa em que o sujeito nega a realidade como um meio de proteção contra algo que pode gerar dor ou sofrimento. Quando a denegação é parcial, ela é quase sempre complementada por uma fantasia que encobre a perda.

No texto em sequência, Michael Roberts estuda (implicitamente) como essa patologia psicanalítica aparece, ainda que de uma forma mitigada, num livro recém-lançado por Bradford DeLong. Eis que este último autor julga que a utopia keynesiana ainda está no horizonte.

Autor: Michael Roberts – Blog: The next recession, 25/10/2022

Bradford DeLong é um dos economistas keynesianos mais proeminentes do mundo; é também historiador econômico, atuando como professor na Universidade da Califórnia, Berkeley. Serviu, ademais, como vice-secretário assistente do Departamento do Tesouro dos EUA, no governo Clinton, sob o comando de Lawrence Summers. Trata-se de um democrata liberal na política interna dos EUA e um keynesiano clássico na Economia.

Ele publicou um novo livro, intitulado Rumo à Utopia: uma história econômica do século XX. É um trabalho ambicioso que visa analisar e explicar o desenvolvimento da economia capitalista no que ele considera seu período de maior sucesso: o século XX.

Em particular, DeLong afirma que o capitalismo, enquanto uma força progressiva que vem resolver as carências da humanidade, só decolou em 1870; desde então passou a voar alto até a Grande Recessão de 2008-9, momento em que se completou o que ele chama de “longo século XX”. Quais foram as razões que permitiram ao capitalismo um crescimento econômico mais rápido, que produziram um salto quântico nos padrões de vida a partir de 1870? DeLong elenca as seguintes: “a tripla emergência da globalização, da pesquisa industrial e da corporação moderna”.

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Michael Roberts e a crítica do keynesianismo (I)

É sabido que Michael Roberts, o blogueiro marxista mais conhecido mundialmente, trava uma luta constantemente para diferenciar, mostrando a sua superioridade, o que ele chama de teoria econômica marxista das outras teorias econômicas, em particular, da que embasa o keynesianismo e o pós-keynesianismo.

Em 17 de junho de 2021, em publicou mais um texto nesse sentido: Os lucros dão o tom (ou seja, Profits call the tune). Como os seus argumentos apresentam alguns problemas, eles também podem ser criticados para que se tornem mais adequados. De início, reproduz-se o que ele disse de importante nessa postagem em seu blog The next recession.

A CRÍTICA DE ROBERTS (em suas palavras)

Argumentei em muitos posts que “os lucros dão o tom” no ritmo da acumulação capitalista. O que quero dizer é que as mudanças nos lucros (e na lucratividade) ao longo do tempo levarão a mudanças nos investimentos das empresas – e não vice-versa.

Os lucros são fundamentais para o investimento capitalista, não a “demanda efetiva” como argumentam os keynesianos, ou as mudanças nas taxas de juros ou na oferta de moeda, como argumentam os monetaristas e a escola austríaca. Discordo fortemente da visão pós-keynesiana de que os lucros são um “resíduo” gerado pelo investimento. Discordo do que disse o keynesiano-marxista Michal Kalecki quando afirmou que “os capitalistas ganham o que investem, enquanto os trabalhadores gastam o que ganham”.

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Pós-keynesianismo: uma crítica aos seus princípios

Michael Roberts – The next recession blog – 26/04/2021. Nota: na próxima segunda-feira publica-se um comentário extenso sobre as críticas de Roberts ao keynesianismo.

Tal como a economia marxista e a economia convencional, a economia keynesiana tem várias correntes. Há uma economia keynesiana que não escapa dos parâmetros da economia de equilíbrio geral. Nessa teoria, as variações nas receitas e nas despesas, no consumo e no investimento, nas taxas de juros e no emprego tenderão a um equilíbrio.  A ele corresponderá um certo nível de emprego – e inflação –, sempre que não haja “choques exógenos” que afetem a estase dos mercados. Se os salários e as taxas de juros caírem o suficiente, o pleno emprego e o crescimento do investimento serão alcançados.

Mas este é o ramo que Joan Robinson, uma seguidora de Keynes, chamou de “keynesianismo bastardo”. Trata-se de uma corrente que elimina todas as características radicais da economia de Keynes, que, para Robinson, uma autora politicamente quase maoísta, presumia que o pleno emprego não poderia ser alcançado automaticamente nas modernas “economias de mercado”. É mais provável que prevaleça um equilíbrio de subemprego já que, segundo ela, isso se deve à incerteza sobre o futuro dos capitalistas na tomada de decisões de investimento e à irracionalidade dos “agentes” econômicos sejam eles consumidores ou investidores.

Essa visão radical da economia keynesiana veio a ser chamada de pós-keynesianismo (PK). Os principais proponentes dessa corrente foram contemporâneos de Keynes, como Robinson e Michal Kalecki (marxista e keynesiano), assim como, mais tarde, Hyman Minsky (socialista e keynesiano). Agora existe toda uma escola de economia pós-keynesiana, com revistas, conferências e centros de pensamento (think tanks).

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A governança macroeconômica

A macroeconomia dominante não quer ser mais do que uma caixa de ferramentas para serem usadas na governança do capitalismo. E esse caráter está presente na maneira que tem sido apresentada. É isto o que mostra, por exemplo, um artigo recente em The Economist intitulado A pandemia da convid-19 está forçando um repensar da macroeconomia. Ora, a nota que se segue faz uma crítica desse saber: Macroeconomia

Como se sabe, o saber sobre o funcionamento do sistema econômico adotou esse nome depois que John Maynard Keynes publicou a sua Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936. Se esse autor não desprezou o caráter performativo da linguagem teórica criada, não se pode acusá-lo de falta de realismo científico, de despreocupação com a compreensão do capitalismo. Dada a urgência do momento histórico, julgou que era preciso apreender os processos econômicos reais. Aqui se quer mostrar, entretanto, que a macroeconomia contemporânea, pós-II Guerra Mundial, adquiriu um caráter centralmente manipulatório:  por um lado, pretendeu fornecer instrumentos de política econômica para a governança do sistema, por outro, quis conformar as mentes dos economistas para fazê-los pensar de um modo automático, adequado à realização de objetivos que lhes são prescritos. Alguns, poucos, resistem!

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A austeridade não se justifica nem teórica nem empiricamente

Neste post apresentamos uma nota curta de Robert Skidelsky, famoso historiador e economista que escreveu uma enorme e detalhada biografia de John M. Keynes, em três volumes. Nesse escrito, ele busca refutar a pretensão de cientificidade da teoria econômica que tenta promover a política de austeridade.

E o faz com extrema competência e simplicidade. A sua argumentação – é importante enfatizar – desenvolve inteiramente no campo da teoria econômica e da econometria. O seu argumento é que os defensores da austeridade – especialmente Alberto Alesina – vale-se de uma relação entre as taxas de crescimento e as variações do déficit público num certo conjunto de países para justificar a sua tese de que austeridade gera imediato crescimento. Mas, na verdade e de modo vulgar, toma uma correlação como se fosse uma relação de causalidade.

Neste blog já foi publicado um outro texto de John Milios que, entretanto, afirma a racionalidade da política de austeridade (em 14/11/2015). Segundo ele, austeridade é o modo por meio do qual é reforçada a disciplina do capital nas economias capitalistas contemporâneas. Ao implementá-la como política de Estado, visa-se, em última análise, a recuperação da lucratividade possível das empresas capitalistas. Mas os seus resultados podem ser ruins do ponto de vista macroeconômico, além de serem catastróficos para a grande maioria da população trabalhadora.

A nota crítica está aqui: A austeridade não se justifica nem teórica nem empiricamente

A “morte” do capitalismo segundo Keynes

Neste post apresenta-se uma nota escrita por uma extraordinária economista britânica que também se orgulha de ser professora de música, assim como de sua independência das correntes teóricas existentes. Seu nome: Frances Coppola. É assim que ela se apresenta em seu blog chamado Coppola Comment:

No passado, trabalhei para bancos… agora eu escrevo sobre eles. Na verdade, escrevo sobre finanças e economia em geral. E sobre qualquer outra coisa que me interessa – então você pode ocasionalmente encontrar posts neste site que não tenham nada a ver com serviços bancários, economia ou finanças.

No post aqui traduzido, ela discute uma tese de John Maynard Keynes sobre o futuro do capitalismo. Como se sabe, no capítulo 24 da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, ele sugeriu que esse sistema morreria de morte natural – e não de morte violenta – já que o seu desenvolvimento espontâneo levaria necessariamente à eutanásia do rentista. Ou seja, a própria acumulação de capital produziria, devido a sua abundância cada vez maior, a “eutanásia do poder cumulativo de opressão do capitalista” (que, no contexto, não se deve ser confundido com o empreendedor capitalista!).

Como não foi isto o que aconteceu, mas o inverso ao quadrado, vale ler o seu irônico comentário. Sem deixar de lembrar que ela escreve 83 anos depois de Keynes ter legado à posteridade essa magnífica previsão. A sua nota, que é também bem-humorada, encontra-se aqui:

Keynes e a morte do capitalismo

Uma crítica metodológica à Michael Roberts

Como se sabe, manipulando as identidades da contabilidade nacional é possível, sob a hipótese de que os salários são gastos e que todo lucro é poupado, chegar à conclusão de que os lucros, numa economia fechada e sem governo, são exatamente iguais aos investimentos.

Ora, em sequência, é possível também perguntar quem determina quem? Qual o sentido da causação: dos lucros para os investimentos ou dos investimentos para os lucros?

Neste post se argumenta que esse modo de pensar envolve um grande equívoco metodológico. No qual se cai porque se quer apreender apenas as relações externas entre os fenômenos e, ao fazê-lo, passa-se a empregar “naturalmente” um raciocínio mecânico.

No post se argumenta que o raciocínio mecânico não convém a um objeto complexo como o sistema econômico. E que o modo de pensar correto nessa situação é trabalhar com a categoria de ação recíproca. A produção determina a oferta agregada, mas apenas torna possível a demanda agregada. E esta pode se retrair ou ser impulsionada por moto próprio ou por ação governamental, aproveitando, assim, menos ou mais a capacidade de produção.

O texto se encontra aqui: Uma critica a Michael Roberts em seu questionamento da Teoria Monetária Moderna

Ainda sobre o keynesianismo

Como o postO que é keynesianismo?” foi bem recebido pelo círculo de leitores desse blog, publica-se outro sobre o mesmo tema. Trata-se da tradução de uma resenha que também apresenta o livro de Geoff Mann antes aqui discutido, No longo prazo todos estaremos mortos. Esta foi feita por Mike Beggs da Universidade de Sydney, tendo sido publicada no sítio do Jacobin. Ela examina as teses de Mann do ponto de vista da política transformadora possível nos países ricos do centro do sistema capitalista mundial. Na interpretação do autor deste post, ao fim e ao cabo, ela sugere que demandas keynesianas sejam agora retomadas pelos partidos de esquerda, não para manter o capitalismo, mas para criar as condições necessárias para superá-lo. É uma proposta num momento em que faltam propostas...

O texto se encontra aqui: A contra-revolução keynesiana

O que é keynesianismo?

Aqui, o keynesianismo é caracterizado como uma doutrina econômica e política – e não estritamente como uma teoria econômica – que se encontra fortemente comprometida com a sobrevivência do capitalismo. Trata-se nesse sentido, ao fim e ao cabo, de um liberalismo iliberal. 

A nota é baseada no livro recém-publicado de Geoff Mann cujo título rememora uma famosa frase de John M. Keynes: no longo prazo estaremos todos mortos. Segundo esse autor, essa assertiva indica iniludivelmente que esse modo de pensar e atuar se encontra atravessado por uma profunda ansiedade histórica. Eis que expressa algo mais profundo, isto é, que o keynesianismo é movido por esperança e medo em relação as turbulências econômicas e as inquietações sociais do capitalismo. Afigura, assim, o futuro como enigmático e incerto e, por isso, contenta-se em ser uma doutrina pragmática, praticamente otimista no presente, que tem por objetivo ir salvando o capitalismo de si mesmo – não em geral, mas particularmente no mundo euro-americano.

A nota se encontra aqui:O que é keynesianismo?