A extrema-direita como expressão do declínio do Ocidente

Autor: Alejandro Pérez Polo [1]

1. O crash de 2008: aqui começou tudo

O ano era 2012. A crise económica resultante da Grande Recessão estava a grassar na Europa. As mobilizações populares em Espanha (15M e a greve geral de março de 2012) e os protestos violentos na Grécia tinham infetado todo o mundo ocidental. Chegaram ao coração do império: em Nova Iorque, os cidadãos manifestavam-se em Wall Street através de Occupy. Não havia quase vestígios da extrema-direita em lado nenhum. Nem mesmo em França a estreante Marine Le Pen lograva chegar à segunda volta das eleições presidenciais, que haveriam ser decididas entre Sarkozy e Hollande, com uma vitória socialista.

Estava em curso uma fase de decomposição ideológica e orgânica do neoliberalismo. Os consensos económicos da globalização, após a queda da U.R.S.S., tinham sido estilhaçados para sempre. A lua-de-mel que durou de 1991 a 2008, na qual o capitalismo desenfreado conseguiu incorporar na sua lógica todos os países da ex-União Soviética, terminou. Uma subsunção formal e material de todo o globo chegara ao seu fim.

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Fim da hegemonia das finanças?

Introdução: Eleutério F. S. Prado

Cédric Durand, o economista francês de esquerda (marxista) em ascensão, sustenta que a hegemonia das finanças está terminando. Essa tese conflita com a tese que o autor deste blog vem propondo segundo a qual a financeirização é apenas a aparência do processo de socialização do capital. Este último, iniciado já em meados do século XIX, atingira já no final do século XX ao seu amadurecimento. Daí em diante, o grande capital industrial se torna constrangido a obter lucros para servir o capital financeiro, ou seja, os detentores de ações e fundos de vários tipos.  Essa tese concerne, pois, às tendências inerentes ao desenvolvimento da relação de capital e não fica apenas na análise dos fenômenos econômicos (algo que permeia em geral as análises da financeirização).  

Em minha opinião a sua argumentação é fraca, muito fraca.  Afirma que após duas crises supostamente financeiras, a hegemonia das finanças se tornou irracional e que, portanto, aqueles que estão no cimo da política econômica – e que comandam o sistema – tomarão providências para salvá-lo, voltando, provavelmente, à hegemonia do capital industrial. Que, dada a competição geopolítica, o Estado possa passar a intervir mais fortemente no desenvolvimento industrial, essa possibilidade, no entanto, é bem real. Ele vê a desfinanceirização uma como tendência possível, mas parece duvidar que essa transformação se dê de forma bem rápida. Ora, duvidoso mesmo é que o termo “hegemonia” faça sentido para tratar da relação entre o capital financeiro e o capital industrial: eis que são momentos conjugados da produção capitalista; a relação entre eles muda historicamente com a socialização do capital e a crise estrutural da acumulação de capital.

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O dólar num mundo multipolar

Autor: Michael Roberts – Blog: The next recession – 22/04/2023

Contestadores da atual ordem mundial? Ler até o fim.

Christine Lagarde, chefe do Banco Central Europeu (BCE), na forma de “keynote”, fez um importante discurso na semana passada no Conselho de Relações Exteriores dos EUA, em Nova York.

Foi importante porque ela analisou os recentes desenvolvimentos no comércio e investimento globais e avaliou as implicações do afastamento em relação ao domínio hegemônico da economia dos EUA e do dólar na economia mundial e, assim, o movimento em direção a uma economia mundial “fragmentada” e “multipolar” – onde nenhuma potência econômica ou mesmo o atual bloco imperialista do G7-plus conseguirá dominar o comércio global, o investimento e o fluxo do dinheiro.

Lagarde explicou: “A economia global vem passando por um período de mudanças transformadoras. Após a pandemia, a guerra injustificada da Rússia contra a Ucrânia, a transformação da energia em arma, a súbita aceleração da inflação, bem como uma crescente rivalidade entre os Estados Unidos e a China, as placas tectônicas da geopolítica estão mudando mais rapidamente”.

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Capital no século XXI – entre a estagnação e a guerra

Autor: Domenico Moro [1]

A realidade geopolítica do início do século XXI deve ser estudada a partir da categoria de modo de produção. Esta categoria define os mecanismos de funcionamento do capital em geral, abstraindo de economias e estados individuais. Por esta razão, devemos inter-relacionar a categoria do modo de produção com a da formação económico-social historicamente determinada, o que nos dá a imagem de estados individuais e as relações entre eles num dado momento.

Além disso, a nossa abordagem deve ser dialética, ou seja, baseada na análise das tendências da realidade económica e política. Estas tendências não são lineares, mas estão muitas vezes em contradição com outras tendências. Só o estudo das várias tendências conflituantes pode permitir-nos delinear possíveis cenários futuros.

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Compulsão muda

Como um sistema econômico tão hostil à vida perdura por séculos?

Autor: Peter Dolack[1]

Quando conceituamos o poder que mantém o capitalismo, o tema da violência e da ideologia prontamente vêm à mente. Apesar da vasta desigualdade, da exploração grotesca, do desprezo pela vida e pelo meio ambiente, da instabilidade crônica e das rebeliões que surgem repetidamente e, às vezes, tomam o poder, o capitalismo parece mais firme na sela do que nunca, lançando as suas flechas mortíferas para praticamente todos os lugares da Terra.

“Como é possível que uma ordem social tão volátil e hostil à vida possa persistir por séculos?” – pergunta Søren Mau na introdução de seu livro Mute Compulsion: A Marxist Theory of the Economic Power of Capital. A violência tem estado com o capitalismo desde o seu início – de fato, o capitalismo não poderia ter se enraizado sem a coerção maciça por meio da violência, leis draconianas, escravidão e colonialismo. As construções ideológicas que mantêm tantos escravizados tornam-se cada vez mais sofisticadas, com um vasto aparato de meios de comunicação de massa, “think tanks” e outras instituições, as reforçam os mantras burgueses, complementados por escolas, militares, locais de trabalho e outros aplicadores do condicionamento social.

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Pulsão, resistência e capitalismo

Samo Tomšič [1]

A mudança [3] para além da estreita questão psicológica sobre “quem resiste?” para a questão “de onde vem a resistência?” – a sua descentralização e afastamento do indivíduo psicológico e de sua consciência –, revelaram a Freud a onipresença da resistência. Disso resultou a fundamentação das estruturas libidinais e sociais numa ação constitutiva de resistência, a qual ele chamou de Urverdrängung, ou seja, repressão primária:

Temos motivos para assumir que existe uma repressão primária, uma primeira fase de repressão, que consiste em negar entrada na consciência do representante psíquico (ideia) da pulsão. Com isso, uma fixação é estabelecida; o representante em questão persiste inalterado a partir de então e a pulsão permanece presa a ele… O segundo estágio de repressão, repressão propriamente dita, afeta os derivados mentais do representante reprimido ou as sequência de pensamento que originaram outros lugares, entrando em conexão associativa com ele.

Por causa dessa associação, essas ideias experimentam o mesmo destino do que foi reprimido primeiramente. A repressão propriamente dita, portanto, é na verdade uma pós-pressão. Além disso, é um erro enfatizar apenas a repulsão, que opera a partir do consciente em direção ao que deve ser reprimido; tão importante é a atração exercida pelo que foi reprimido principalmente sobre tudo com o qual ela pode estabelecer uma conexão. Provavelmente, a tendência para a repressão falharia em seu propósito se essas duas forças não cooperassem, se não houvesse algo reprimido anteriormente para receber o que é repelido pelo consciente.

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A crise do capitalismo formalmente democrático

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 12/02/2022

Em seu último livro, o colunista do FT e guru keynesiano Martin Wolf parte da premissa de que capitalismo e democracia andam juntos como uma mão em uma luva. Mas ele está preocupado: “vivemos em uma época em que as falhas econômicas abalaram a fé no capitalismo global. Alguns agora argumentam que o capitalismo é melhor sem democracia; outros que a democracia é melhor sem o capitalismo”.

No entanto, em seu livro, Wolf afirma que, embora “o casamento entre o capitalismo e a democracia tenha se tornado preocupante”, qualquer “divórcio seria uma calamidade quase inimaginável”. Apesar dos passos vacilantes do capitalismo no século XXI: desaceleração do crescimento, aumento da desigualdade, desilusão popular generalizada, o “capitalismo democrático“, como ele chama o sistema da relação de capital, “embora inerentemente frágil, continua sendo o melhor sistema que conhecemos para o florescimento humano”.

Wolf define “democracia” como “sufrágio universal, democracia representativa, eleições livres e justas; participação ativa das pessoas, como cidadãos, na vida cívica; proteção dos direitos civis e humanos de todos os cidadãos igualmente; e um estado de direito que vincula igualmente todos os cidadãos”. Por capitalismo, “quero dizer uma economia na qual os mercados, a competição, a iniciativa econômica privada e a propriedade privada desempenham papéis centrais”.

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