Economia excepcional

Autor: MichaelRoberts – The next recession blog – 14/01/2025

Na próxima semana, o presidente dos EUA, Joe Biden, termina seu mandato, para ser substituído pelo Donald. Biden teria sido extremamente popular entre os norte-americano e provavelmente teria concorrido e conseguido um segundo mandato como presidente, se o PIB real dos EUA tivesse aumentado 4,5-5,0% em 2024, e se durante todo o seu mandato desde o final de 2020, o PIB real tivesse subido 23%; e se o PIB per capita real tivesse aumentado 26% nesses quatro anos. E ele teria sido parabenizado se a taxa de mortalidade por Covid durante a pandemia de 2020-21 tivesse sido uma das mais baixas do mundo e a economia evitasse a queda pandêmica na produção.

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Nacionalismo de desastre

Richard Seymour [1]

É muito fácil ser antifascista no nível molar sem nem mesmo ver o fascista que existe dentro de você mesmo, o fascista que você mesmo sustenta, nutre e estima com moléculas tanto pessoais quanto coletivas. Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs [2].

I.

O fascismo, como Robert O. Paxton escreve em sua convincente história,[3] torna-se uma força histórica quando enfrenta “uma sensação de crise avassaladora além do alcance de quaisquer soluções tradicionais”. O livro, que aqui chega ao fim,[4] aponta para num paradoxo: as crises reais estão proliferando, mas o nacionalismo de desastre está se nutrindo de crises inteiramente fictícias.

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Sociabilidade associal: de Bentham a Sade

Autor: Samo Tomšič – Continuação de temática abordada em outro texto antes publicado neste blogue.

Marx, em O capital, criticou o liberalismo como a filosofia política que se assenta na aparência do modo de produção capitalista e que se constrói com base em ilusões que veem harmonia onde prevalece desarmonia. Eis o que escreveu ao final do capitulo 4 do livro I de sua magna obra:

A esfera da circulação ou da troca de mercadorias, em cujos limites se move a compra e a venda da força de trabalho, é, de fato, um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem. Ela é o reino exclusivo da liberdade, da igualdade, da propriedade e de Bentham. Liberdade, pois os compradores e vendedores de uma mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são movidos apenas por seu livre-arbítrio. Eles contratam como pessoas livres, dotadas dos mesmos direitos. O contrato é o resultado, em que suas vontades recebem uma expressão legal comum a ambas as partes. Igualdade, pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um dispõe apenas do que é seu. Bentham, pois cada um olha somente para si mesmo. A única força que os une e os põe em relação mútua é a de sua utilidade própria, de sua vantagem pessoal, de seus interesses privados. E é justamente porque cada um se preocupa apenas consigo mesmo e nenhum se preocupa com o outro que todos, em consequência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma providência todo-astuciosa, realizam em conjunto a obra de sua vantagem mútua, da utilidade comum, do interesse geral.

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A onda reacionária e a pulsão de morte

Autor: Amador Fernández-Savater [1] – CTXT – 24/06/2023

O clima físico e afetivo hoje é revanchista, desigual, sacrificial para com os mais fracos. É aí que as mensagens da direita pegam. Não tanto por causa de sua força de convicção, persuasão ou sedução, mas porque ressoam com corpos tensos

  “Só o amor nos permite escapar da repetição” (Jorge Luis Borges)

O que significa a “onda reacionária” globalmente, aqui na Espanha [e na América Latina]? Como entender esse fenômeno complexo e multifacetado para melhor combatê-lo?

Proponho esta interpretação: a onda reacionária está tentando sustentar um mundo em crise, um modelo que está vazando para todos os lados.

O que hoje se chama de “policrise” (a combinação das crises climática, energética, alimentar, econômica etc.) refere-se fundamentalmente a uma “crise de presença”, entendida como a crise do modo de vida ocidental baseado no constante impulso de expansão, crescimento e conquista. Uma crise civilizacional de alcance planetário.

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Bem-vindo ao mundo da policrise

Autor: Romaric Godin [1]– Sinpermiso – 02/01/2024

O historiador Adam Tooze ressuscitou a noção de “policrise”, que se tornou um tema favorito das elites políticas e econômicas mundiais. Consideramos, abaixo, a ascensão e queda dessa noção da moda.

Bruno Le Maire, Ministro das Finanças de França desde 2017, não é um escritor prolixo. Mas, nas horas vagas, ele também é profeta. No outono de 2021, quando apresentou a Lei das Finanças de 2022, disse aos deputados que o seu orçamento era a primeira pedra de uma “grande década de crescimento sustentável”. Foi um momento de otimismo: a economia global parecia estar se recuperando rapidamente da crise sanitária. Os comentários de Le Maire ilustram a euforia generalizada que aflorou nos círculos empresariais e entre os principais economistas após a superação da crise sanitária.

No dia 1º de janeiro de 2021, quando as feridas da Covid ainda estavam abertas, um dos principais colunistas do Financial Times, jornal da City de Londres, Martin Sandbu, abriu o ano novo de então com um texto intitulado: “Adeus 2020, ano do vírus; olá ‘loucos anos vinte’.” O termo final da alocução (…) refere-se à década de 1920, que, pelo menos nos Estados Unidos, foi um período de forte crescimento e de nascimento da sociedade de consumo. A posição de Martin Sandbu parecia simples. Os consumidores, tentando esquecer a crise sanitária, tal como um século antes tinham tentado esquecer os horrores da guerra, embarcaram num frenesi de gastos, colocando a economia num círculo virtuoso, ou seja, “na maior prosperidade num século”.

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Choque de impérios: uma conversa com Ho-Fung Hung

Author: Hong Zhang[1] e Ho-fung Hung[2] – Global China Impulse – 11/07/2022

A ascensão da “China Global” é resultado da globalização econômica nas últimas décadas, que foi sustentada por uma relação geralmente positiva entre a China e os Estados Unidos. Desde o momento decisivo da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, as economias chinesa e norte-americana tornaram-se cada vez mais interdependentes. Ora, isso era motivo de costumeiro otimismo na gestão dos vários conflitos que surgiram entre os dois países. No entanto, essa convergência foi posta em causa na sequência dos anos tumultuados em que a administração Trump procurou corrigir o desequilíbrio comercial com a China, bem como devido à nova pandemia da Covid-19.

Em seu livro, Clash of empires: from ‘chimerica’ to the ‘new cold war’ (Cambridge University Press, 2022), Ho-fung Hung oferece uma análise da mudança na relação EUA-China e uma crítica da economia política global. Desafiando os argumentos ideológicos, Hung afirma que a integração da China na economia global facilitada pelos Estados Unidos, ocorrida nas décadas de 1990 e 2000, foi impulsionada principalmente pelos seus próprios interesses corporativos, os quais procuravam se beneficiar do acesso ao mercado chinês e à mão-de-obra barata chineses.

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Alimentos, comércio e recessão

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 10/08/2023

A última medida de preços ao consumidor dos EUA, referente a julho de 2023, mostrou um aumento na taxa anual de inflação; foi 3,2% frente a 3% em junho. Esse resultado adveio principalmente da comparação (efeitos de base, como são chamados) com uma queda na taxa em julho passado em relação ao pico em junho.  O núcleo da inflação, que exclui alimentos e energia, permaneceu muito mais alto, em 4,7% ao ano.

É bom lembrar aqui, que mesmo se a inflação caísse ainda mais e ficasse próxima de zero, os preços desde o fim da queda da pandemia de COVID subiram de 10% a 15% na maioria das economias do G7.  Sim, a taxa de inflação está desacelerando, mas os preços ao consumidor dos EUA estão 17% mais altos do que no início de 2021.

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Socialismo do capital

Autor: Eleutério F. S. Prado

Muitos na esquerda estão preocupados: o espectro da crise e das perdas econômicas vultuosas paira mais uma vez sobre as economias capitalistas, principalmente no Ocidente. Mas os capitalistas, sempre no centro, na direita e mesmo na extrema-direita, estão mais ou menos tranquilos. Por quê?

Michael Roberts escreveu recentemente um artigo – Risco moral ou destruição criativa? – em que compara a política econômica nas grandes crises de 1929 e de 2008. Eis que, como se sabe, mas é sempre bom lembrar, ela mudou entre uma e outra de pouca água para muito vinho… e da melhor qualidade. 

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Acabou a crise bancária?

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 27/03/2023

Os preços das ações dos bancos se estabilizaram no início desta semana. E todos os principais funcionários do Federal Reserve, do Tesouro dos EUA e do Banco Central Europeu estão assegurando aos investidores que a crise acabou. Na semana passada, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que o sistema bancário dos EUA era “forte e resiliente” e não havia risco de um colapso bancário como em 2008-9.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, por sua vez, disse que o setor bancário dos EUA estava “se estabilizando”. Afirmou que o sistema bancário dos EUA era forte. Além disso, o presidente do BCE, Christiane Lagarde, disse repetidamente a investidores e analistas que “não havia oposição” entre combater a inflação aumentando as taxas de juros e preservar a estabilidade financeira.

Portanto, tudo está bem ou pelo menos logo estará. E isso supostamente se deve ao maciço apoio à liquidez que o Fed e outros órgãos de empréstimo do governo dos EUA estão oferecendo. Além disso, os bancos mais fortes intervieram para comprar os bancos em colapso (SVB e Credit Suisse) ou investir dinheiro em bancos falidos (First Republic).

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Marx e Keynes: os limites da política econômica

Note-se uma certa candura ideológica dos atuais economistas que propugnam por reformas do sistema, mudanças institucionais e regulação econômica, que melhorariam supostamente a vida dos trabalhadores. O texto do autor progressista abaixo traduzido ignora totalmente a questão da socialização do capital – vista como financeirização e/ou dominância financeira. Ele discute a política econômica de um modo até interessante, mas anacrônico porque não compreende bem o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo.

Note-se: mesmo se a taxa de ganho do capital financeiro fica menor do que a taxa de lucro do capital industrial, se o volume de capital financeiro é muitas vezes maior do que o volume de capital industrial operando no sistema econômico, a necessidade de drenar recursos do segundo para alimentar o primeiro impede uma política econômica até mesmo em prol do crescimento. Logo, impede também uma política distributivamente progressista.

O texto abaixo – muito bem escrito e muito instrutivo – julga ainda que o desenvolvimentismo é possível num mundo estruturado de modo não desenvolvimentista. A sua marca não é o crescimento, mas a austeridade. É até mesmo anacrônico ser progressista num mundo regressista em que ocorre ocaso do capitalismo.

eLEUTERIO f s pRADO

Limites das variações salariais

Autor: Nick Johnson – Blog: The political economy of development – Data: 21/09/2022

Marx é muito claro na afirmação de que o trabalho é explorado e que um salário mais alto tornaria a vida dos trabalhadores menos miserável, mesmo se isso não elimina a exploração em si mesma. Mas ele não acredita, porém, que um salário mais alto possa fazer com que o sistema funcione melhor ou mesmo que melhore a situação dos trabalhadores como um todo.

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