Inflação produzida por aumento dos lucros

Autor: Michael Roberts

Título original: Custo de vida e lucros – – The next recession blog – 12/07/2023

O último relatório de emprego da OCDE é um revelador da crise do custo de vida. Eis que permite saber se os aumentos salariais ou os lucros deram a maior contribuição para o aumento da inflação. Sobre os salários, a OCDE constata que os salários reais caíram em média 3,8% no último ano na OCDE. Pois, o relatório afirma: “Os mercados de trabalho elevaram os salários nominais, mas menos do que a inflação, levando a uma queda dos salários reais em quase todas as indústrias e países da OCDE.”

As quedas variaram consideravelmente de país para cada país da OCDE.  As maiores quedas foram na Escandinávia e no Leste Europeu, onde os preços da energia subiram mais devido à perda de petróleo e gás russos, enquanto a queda dos EUA é uma das mais baixas, já que os preços da energia, embora subindo, não dispararam tanto.  A Europa teve que mudar da energia de gasodutos da Rússia para passar a receber gás natural liquefeito (GNL), muito mais caro por causa do transporte.

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A moral jansenista e a compulsão do capitalismo (I)

Autor Samo Tomšič

Renúncia à vida e mais-valor

No XVI Seminário, Jacques Lacan afirmou: “O que o senhor vive é uma vida, mas não a sua própria, mas a vida do escravo. É por isso que, sempre que uma aposta na vida está em jogo, o mestre fala. Pascal é um mestre e, como todos sabem, um pioneiro do capitalismo.”[1]

Sabe-se mesmo que Pascal foi um pioneiro do capitalismo? A conexão não é evidente, embora Lacan apoie sua afirmação com a lembrança de que Pascal inventou o ônibus e a primeira calculadora mecânica (machine arythmétique). Essas invenções de natureza técnica podem sugerir certa compatibilidade do espírito científico de Pascal com a proverbial capacidade de inovação do sistema capitalista; no entanto, elas não justificam uma tese tão forte quanto aquela formulada por Lacan.

Como a citação inicial faz referência não apenas às invenções de Pascal, mas também à notória aposta – o argumento probabilístico de Pascal para a existência de Deus –, uma questão se impõe.

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Socialismo do capital

Autor: Eleutério F. S. Prado

Muitos na esquerda estão preocupados: o espectro da crise e das perdas econômicas vultuosas paira mais uma vez sobre as economias capitalistas, principalmente no Ocidente. Mas os capitalistas, sempre no centro, na direita e mesmo na extrema-direita, estão mais ou menos tranquilos. Por quê?

Michael Roberts escreveu recentemente um artigo – Risco moral ou destruição criativa? – em que compara a política econômica nas grandes crises de 1929 e de 2008. Eis que, como se sabe, mas é sempre bom lembrar, ela mudou entre uma e outra de pouca água para muito vinho… e da melhor qualidade. 

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Fim da hegemonia financeira? (II)

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Este artigo fornece uma resposta mais ampla à tese de Cédric Durand que se encontra resumida numa postagem anterior.

Bem, esse é o título, traduzido para o português, de um artigo escrito por Cédric Durand e publicado no número 138 (nov./dez. de 2022) na New Left Review. Por que copiá-lo sem qualquer dissimulação? Ora, para assim iniciar uma contestação à tese que avança na forma de uma conjectura. Eis que é na perspectiva de uma mudança importante que tenta pensar a atual conjuntura macroeconômica nos países do centro do sistema capitalista – ainda globalizado, mas fraturado doravante por um conflito imperialista aberto.

Para isso, em primeiro lugar, é preciso apresentar resumidamente os seus argumentos, os quais pretendem sustentar essa previsão momentosa que, aliás, não é dada como certa, mas apenas como bem provável. Segundo ele “há sinais inconfundíveis de que um novo regime macroeconômico está tomando forma” nos países centrais. Mas o que de fato sinaliza à política econômica dominante que ela tem de mudar? Eis o que diz sobre a conjuntura:

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Decrescimento ou duas Terras!

O autor do artigo que se segue, Stan Cox, sugere que há uma alternativa para o futuro da humanidade (se assim se puder chamar a população do mundo como um todo). Mas a escolha a que se refere é de fato uma “escolha”, pois se dá entre uma utopia em sentido forte e uma impossibilidade.

Para o autor do escrito parece que a única opção é o decrescimento planejado como ficará claro em sua leitura. Mas há outra possibilidade: o decrescimento caótico. Não seria este o caminho mais provável para o eventual progresso da vida humana na face da Terra?

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A “mudança criativa” vai mudar o mundo?!

Autor: Stavros Mavroudeas[1]

Num artigo recente (muito divulgado pelos círculos sistêmicos, assim como outros), Yanis Varoufakis, referindo-se à atual turbulência bancária internacional, proferiu o slogan supostamente radical “deixem os bancos queimarem”. É claro que esse autor não é famoso pela coerência das suas análises econômicas. Como ele mesmo se descreveu, é um criador de contos de fadas que se passa por um economista. O referido artigo se enquadra totalmente nesta categoria.

Além disso, as visões políticas de Varoufakis variam – muitas vezes simultaneamente – de radicais (mas nunca realmente de esquerda) a descaradamente conservadoras. Recentemente, por razões eleitorais puramente oportunistas, ele professou dar uma virada à “esquerda”. Em sua recente máscara, ele encontrou apenas alguns cúmplices dispostos e igualmente oportunistas, mas seu sucesso eleitoral ainda está em jogo. É claro que, como em suas análises científicas, a “ambiguidade criativa” (que é sinônimo de oportunismo e falta de confiabilidade) é a marca de sua virada política supostamente radical.

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A crise do capitalismo formalmente democrático

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 12/02/2022

Em seu último livro, o colunista do FT e guru keynesiano Martin Wolf parte da premissa de que capitalismo e democracia andam juntos como uma mão em uma luva. Mas ele está preocupado: “vivemos em uma época em que as falhas econômicas abalaram a fé no capitalismo global. Alguns agora argumentam que o capitalismo é melhor sem democracia; outros que a democracia é melhor sem o capitalismo”.

No entanto, em seu livro, Wolf afirma que, embora “o casamento entre o capitalismo e a democracia tenha se tornado preocupante”, qualquer “divórcio seria uma calamidade quase inimaginável”. Apesar dos passos vacilantes do capitalismo no século XXI: desaceleração do crescimento, aumento da desigualdade, desilusão popular generalizada, o “capitalismo democrático“, como ele chama o sistema da relação de capital, “embora inerentemente frágil, continua sendo o melhor sistema que conhecemos para o florescimento humano”.

Wolf define “democracia” como “sufrágio universal, democracia representativa, eleições livres e justas; participação ativa das pessoas, como cidadãos, na vida cívica; proteção dos direitos civis e humanos de todos os cidadãos igualmente; e um estado de direito que vincula igualmente todos os cidadãos”. Por capitalismo, “quero dizer uma economia na qual os mercados, a competição, a iniciativa econômica privada e a propriedade privada desempenham papéis centrais”.

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O espectro da crise ronda o capitalismo

Stavros Mavroudeas[1]

Em 10/3, o Silicon Valley Bank (SVB), com sede na Califórnia, tornou-se o maior banco a falir desde a crise financeira de 2008. Chegou a ser o 16º maior banco comercial dos EUA. Especializou-se em transações com empresas de tecnologia e saúde e, particularmente, em investimentos em empresas iniciantes.

A falência da SVB foi desencadeada por perdas significativas em títulos corporativos aos quais havia emprestado. A fim de diminuir as perdas, o SVB comprou títulos da dívida do estado dos EUA. No entanto, a política do Fed de aumentar as taxas de juros diminuiu o valor de mercado desses títulos. SVB ficou então em um corner. Tentou cobrir as perdas com um aumento de capital, mas isso causou pânico entre as principais empresas de tecnologia da Califórnia que mantinham o seu caixa na SVB.

O resultado foi que, em vez de levantar capital, o SVB enfrentou uma corrida bancária típica. Suas ações entraram em colapso, arrastando as de outros bancos para baixo. A negociação de suas ações foi interrompida e os esforços para levantar capital ou encontrar um comprador falharam, levando a Corporação Federal de Seguro de Depósitos dos EUA (FDIC) a assumir o seu controle. Este último é uma agência governamental independente que assegura depósitos bancários e supervisiona instituições financeiras. Liquidará os ativos do banco para reembolsar os seus clientes, incluindo depositantes e credores.

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Para estudar a alienação em Marx

Autor: Juan Dal Maso,

Left Voice – Outras Palavras – Tradução: Maurício Ayer

O livro Karl Marx’s Writings on Alienation, editado e introduzido por Marcello Musto, publicado este ano pela editora britânica Palgrave Macmillan, reúne uma seleção de textos de Marx sobre a temática da alienação.

O tema parece particularmente pertinente em um contexto em que a precarização das condições de vida e a generalização do teletrabalho durante a pandemia voltaram a pôr em discussão os efeitos do processo de produção (em sentido amplo, não só industrial) tem sobre a vida da classe trabalhadora em seus múltiplos aspectos, começando pelo impacto sobre o tempo livre. O fenômeno da “great resignation” ou “Big Quit” — ou seja, a renúncia em massa aos trabalhos mal pagos e que não asseguram condições básicas de segurança e higiene, nos Estados Unidos — também é parte deste panorama, a que se soma a onda de greves conhecida como “Striketober”, e outros processos de luta da classe trabalhadora em todo o mundo.

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A sociabilidade canibal

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Não se está a falar das sociedades que se costuma chamar de primitivas. Não, de modo algum. Está-se a falar do capitalismo. “Capitalism is back” – diz a autora que cunhou o termo “cannibal capitalism”, tendo por referência os Estados Unidos da América do Norte.    

Karl Marx, como se sabe, empregou a metáfora do “vampiro” para caracterizar a relação de capital, ou seja, o capital, porque ele suga o mais-valor dos trabalhadores, afirmando, ademais, que vem a ser um sujeito insaciável. Anselm Jappe denotou o capitalismo como uma sociedade autofágica para ressaltar que, se parece racional e é assim apreendido pelos economistas apologéticos, tende na verdade à desmedida e à autodestruição. Nancy Fraser, num livro recém-publicado, diz que o capitalismo é canibal pois ele, que atravessa agora o seu ocaso, está devorando a democracia, os cuidados reprodutivos, assim como as pessoas e o próprio planeta.

Em Cannibal capitalism (Verso, 2022), ela quer descobrir as fontes sociais desse destino infausto e aparentemente inesperado. Busca, assim, encontrar uma melhor caracterização do capitalismo contemporâneo que assoma como gerador de insegurança e desesperança, pois mantém e agrava uma coleção de impasses humanitários: dívidas impagáveis, empregos extenuantes, trabalho precário, violência racial e de gênero, pandemias assassinas, extremos climáticos etc., negando na prática o que fora prometido há pelos menos dois séculos e meio passados por meio do progresso e do iluminismo. Capitalismo canibal – diz a professora e filósofa da New School for Social Research de Nova York – “é o meu termo para designar um sistema social que nos trouxe a esse ponto”.

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