O espectro da crise ronda o capitalismo

Stavros Mavroudeas[1]

Em 10/3, o Silicon Valley Bank (SVB), com sede na Califórnia, tornou-se o maior banco a falir desde a crise financeira de 2008. Chegou a ser o 16º maior banco comercial dos EUA. Especializou-se em transações com empresas de tecnologia e saúde e, particularmente, em investimentos em empresas iniciantes.

A falência da SVB foi desencadeada por perdas significativas em títulos corporativos aos quais havia emprestado. A fim de diminuir as perdas, o SVB comprou títulos da dívida do estado dos EUA. No entanto, a política do Fed de aumentar as taxas de juros diminuiu o valor de mercado desses títulos. SVB ficou então em um corner. Tentou cobrir as perdas com um aumento de capital, mas isso causou pânico entre as principais empresas de tecnologia da Califórnia que mantinham o seu caixa na SVB.

O resultado foi que, em vez de levantar capital, o SVB enfrentou uma corrida bancária típica. Suas ações entraram em colapso, arrastando as de outros bancos para baixo. A negociação de suas ações foi interrompida e os esforços para levantar capital ou encontrar um comprador falharam, levando a Corporação Federal de Seguro de Depósitos dos EUA (FDIC) a assumir o seu controle. Este último é uma agência governamental independente que assegura depósitos bancários e supervisiona instituições financeiras. Liquidará os ativos do banco para reembolsar os seus clientes, incluindo depositantes e credores.

Continuar lendo

Acabou o impulso de globalização?

Autor: Michael Roberts

Fonte: The next recession blog – 27/04/2022

Além da inflação e da guerra, o que atrai o pensamento econômico atual é o aparente fracasso do que a teoria econômica mainstream aprecia chamar de “globalização”. O que ela quer dizer com esse termo? Refere-se à expansão livre do comércio e do fluxo de capital através das fronteiras. Em 2000, o FMI identificou quatro aspectos básicos da globalização: comércio e transações, movimentos de capitais e investimentos, migração e circulação de pessoas e disseminação do conhecimento. O seu perfil atualmente se apresenta assim:

Todos esses componentes aparentemente se expandiram a partir do início da década de 1980 como parte da reversão neoliberal das políticas nacionais de macrogestão anteriormente seguidas. Ditas keynesianos, elas eram adotadas por governos no ambiente da ordem econômica mundial de Bretton Woods (isto é, sob a hegemonia dos EUA). A nova regra agora era quebrar as barreiras tarifárias, cotas e outras restrições comerciais, permitindo assim que as multinacionais negociassem “livremente” e transferissem os seus investimentos no exterior, ou seja, para áreas de mão de obra barata, com a finalidade de aumentar a lucratividade. Isso levaria à expansão global e ao desenvolvimento harmonioso das forças produtivas e ao crescimento dos recursos do mundo – pelo menos era o que se afirmava então.

Não havia nada de novo nesse fenômeno. Desde que o capitalismo se tornou o modo de produção dominante nas principais economias, já em meados do século XIX, houve períodos de aumento do comércio internacional e de exportação crescente de capital. Em 1848, os autores do Manifesto Comunista notaram o aumento no nível de interdependência nacional trazido pelo capitalismo e previram o caráter universal da sociedade mundial moderna:

Continuar lendo

Não há luz no túnel da longa depressão

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 13/03/2022

Uma das minhas teses básicas sobre o capitalismo moderno é que, desde 2008, as principais economias capitalistas estão no que chamo de “longa depressão”. No meu livro de 2016 com este mesmo nome, distingo entre o que os economistas chamam de recessões (quedas na produção, investimento e emprego) e depressões.

Sob o modo de produção capitalista (isto é, a produção social voltada lucro; este provém do trabalho humano e apropriado por um pequeno grupo de proprietários dos meios de produção), tem havido quedas regulares e recorrentes a cada 8-10 anos desde o início do século XIX. Após cada queda, a produção capitalista revive e se expande por vários anos, antes de retornar a uma nova queda.

No entanto, as depressões são diferentes. Em vez de sair após um tempo da recessão, as economias capitalistas permanecem deprimidas por longo tempo, com menor produção, investimento e crescimento do emprego.

A depressão não é uma novidade. Ela ocorreu por três vezes na história do capitalismo:

Continuar lendo

Mais sobre uma taxa de lucro mundial

Artigo original de Michael Roberts, publicado em seu blog The next recession blog, em 20/09/2020

No post anterior, apresentei uma nova abordagem para calcular a taxa de lucro mundial. Não vou repassar aqui os argumentos lá apresentados, pois aquele post, assim como os anteriores sobre o assunto, está disponível no blog original (e numa tradução antes apresentada na semana passada). Mas naquela publicação, disse que apresentaria uma decomposição da taxa de lucro mundial nos fatores que a determinam.

Ademais, disse que iria relacionar a mudança na taxa de lucro à regularidade e intensidade das crises no modo de produção capitalista. Ademais ainda, consideraria a questão de saber, dada à tendência para a taxa de lucro cair (algo bem é consistente com a argumentação de Marx), se ela poderia chegar a zero eventualmente? E se isso vier a ocorrer, o que isso significa sobre o próprio capitalismo? Vou responder partes dessas questões neste post.

Primeiro, vou reapresentar os resultados da medição da taxa de lucro mundial tal como apareceu na postagem de julho. Com base nos dados agora disponíveis no Penn World Tables 9.1 (série IRR original), calculei a taxa média (ponderada) de lucro sobre ativos fixos para as principais economias do G20 de 1950 a 2017 (último ano disponível).

O artigo completo está aqui: Mais sobre uma taxa de lucro mundial

Estimativas da taxa de lucro mundial

 Artigo de Michael Roberts, publicado no blog The next recession blog, em 25 de julho de 2020.

O modelo de capitalismo de Marx pressupõe uma economia mundial. Ademais, ele começou o seu estudo pelo “capital em geral”. Foi nesse nível de abstração que Marx desenvolveu o seu modelo das leis do movimento do capitalismo e, em particular, o que ele considerava como a mais importante lei do movimento do processo de produção capitalista, a lei da tendência de queda da taxa de lucro.

Em consequência, a taxa de lucro é o melhor indicador da ‘saúde’ de uma economia capitalista. Ele fornece um previsor significativo sobre o investimento futuro e a probabilidade de recessão ou crise econômica. Portanto, o andamento, o nível e a direção da taxa de lucro mundial pode ser um guia importante para predizer o desenvolvimento futuro da economia capitalista como um todo.

No entanto, no mundo real, existem muitos capitais particulares. Ademais, não há apenas um estado capitalista mundial, mas muitos estados capitalistas nacionais. Portanto, existem barreiras para o estabelecimento de uma economia mundial e uma taxa mundial de lucro. O comércio e as restrições de capital tentam preservar e proteger os mercados nacionais e regionais do fluxo de capital global. Mesmo assim, o modo de produção capitalista agora se espalhou por todos os cantos do globo e a “globalização” do comércio e dos fluxos de capital torna o conceito de medida de uma taxa mundial de lucro mais realista. Parece, pois, fazer sentido.

O artigo completo está aqui: Uma taxa de lucro mundial

O voo de Ícaro da economia norte-americana

A economia capitalista nos Estados Unidos da América do Norte, pelo critério do PIB, cresceu 2,2% no primeiro, 4,2% no segundo e 3,4 no terceiro trimestre de 2018. Por meio do do grau de desemprego vê-se que está quase na situação de ótimo, pois este chegou a 3,7% da força de trabalho em outubro de 2018, um valor expressivo e bem abaixo da média histórica de 5,7% entre 1948 e 2018. Teria ela, finalmente, superado a “grande recessão” – uma recuperação muito lenta que se seguiu à supercrise de 2008? Esta não parece ser a opinião de um conjunto expressivo de economistas ortodoxos que escreveram pequenos artigos no portal Project Syndicate. Como o que dizem se mostra bem interessante, apresenta-se um resumo interpretativo do conteúdo desses textos que se caracterizam por se manterem na tradição macroeconômica dominante.

O post se encontra aqui: O voo de Ícaro da economia norte-americana

Taxa de lucro e financeirização

Na bibliografia marxista que interpreta a Crise de 2008 – assim como a Grande Depressão que adveio depois dela – é comum aparecer oposição entre explicação que privilegia a queda tendencial da taxa de lucro e explicação que privilegia a financeirização.

Entretanto, como enfatizou recentemente Alan Freeman, não se pode compreender bem a teoria da crise proposta por Marx quando se faz abstração do papel do dinheiro e das finanças. Ao contrário, se este é o objetivo, deve-se integrar essas duas componentes na compreensão em geral processo de acumulação de capital. Pois, é no evolver da taxa de lucro e do capital à juros que a crise acontece.

Como o dinheiro é a forma por excelência do capital, a esfera do capital de finanças em que o valor circula sob formas diversas não pode deixar de estar profundamente imbricada na esfera do capital industrial em que se produz o valor. E elas interagem no boom e na crise, na prosperidade, na recessão e quando uma se interverte na outra.

Traz-se aqui, por meio deste post, um texto em que essa imbricação é mostrada teórica e empiricamente. Trata-se do excelente artigo de Lucas Rodrigues e de Marcelo Milan que está sendo publicado na lista dos artigos aceitos para o próximo ENEP (Niterói, 12-15 de junho, na UFF). Neste artigo, estes dois autores examinam o comportamento da taxa de lucro na economia dos EUA, entre 1960 e 2014, mostrando o impacto que recebeu do processo de financeirização a partir de meados dos anos 1970.

O artigo se encontra aqui: Financeirização e mensuração da taxa de lucro nos EUA.

Voo nominal e voo real

Na postagem anterior, Voou mais alto e despencou, mostrou-se que o movimento descendente da economia capitalista no Brasil a partir de 2011 – e que, ao cabo de três atribulados anos, resultou numa depressão – podia ser explicado pela lei geral da acumulação capitalista de Karl Marx. Ora, essa depressão, que se tornou patente a partir de 2014, aprofundou-se tanto que, estando em maio de 2017, ainda não se sabe bem quando vai terminar. Na postagem que aqui se apresenta, Voo nominal e voo real: a galinha em ação, faz-se um esforço preliminar para explicar o comportamento do nível de preços no período entre 2000 e 2016. Em particular, quer-se explicar a ascensão da inflação a partir de 2006 e seu acelerar a partir de 2010. Para atingir esse objetivo, emprega-se a teoria de inflação proposta por Anwar Shaikh em sua obra magna, Capitalism. Diferente de outras teorias mais conhecidas, a teoria de inflação formulada por esse autor está fortemente inspirada na economia política clássica e na crítica da economia política de Marx.

A nota está aqui: Voo nominal e voo real – A galinha em ação

Voou mais alto e despencou

            Nos anos 1990, alguns economistas passaram a empregar o termo “voo da galinha” para indicar o padrão de crescimento da economia capitalista no Brasil. Entretanto, entre 2004 e 2010 pareceu que esse padrão havia mudado de modo radical; pareceu que não podia ser mais visto como o voejo de uma galinha comum, mas como o adejo de uma galinha de angola. Pois, esta última é capaz de subir mais, ficar mais no alto e, assim, ir bem mais longe.

           Na verdade, o padrão de crescimento mudara apenas temporariamente. Por assim dizer, a ave que cisca no quintal do capitalismo mundial aproveitara uma oportunidade, subira no poleiro para daí poder se lançar um pouco além…. Porém, após um animado voo que não durou tanto assim, despencou rumo ao chão; de fato, como bem se sabe, caiu na lagoa dos patos e afundou. Agora, ela luta para voltar ao velho terreiro e se tornar novamente capaz de voos provavelmente tão rasos e intermitentes como aqueles que foram observados entre 1990 e 2003.

Para ler uma nota que procura uma explicação para o voo mais longo da economia capitalista entre 2000 e 2016 clique aqui: Subiu no poleiro, voou mais alto e despencou

Lei de Marx: pura lógica? lei empírica?

marx e criseApresenta-se nesta nota, em primeiro lugar, um resumo do debate recente entre Michael Heinrich e Michael Roberts sobre a validade da lei da queda tendencial da taxa de lucro. O primeiro autor, dando continuidade à tradição marxista contestadora, veio mais uma vez afirmar que ela não é nem empiricamente testável nem logicamente coerente. O segundo, na tradição marxista defensora, rebateu outra vez esses argumentos sustentando justamente o contrário. Em sequência, a nota procurar mostrar que ambas essas posições polares estão equivocadas. Pois, a lei de Marx não é nem uma proposição empírica vulgar nem uma tese puramente lógica. Ao contrário, vem a ser uma afirmação transfactual que expressa uma possibilidade real – uma necessidade relativa -, a qual apenas pode ser compreendida como momento expositivo no interior da dialética da acumulação de capital.

Para ler a nota chique aqui: Lei de Marx – Texto II