Acabou o impulso de globalização?

Autor: Michael Roberts

Fonte: The next recession blog – 27/04/2022

Além da inflação e da guerra, o que atrai o pensamento econômico atual é o aparente fracasso do que a teoria econômica mainstream aprecia chamar de “globalização”. O que ela quer dizer com esse termo? Refere-se à expansão livre do comércio e do fluxo de capital através das fronteiras. Em 2000, o FMI identificou quatro aspectos básicos da globalização: comércio e transações, movimentos de capitais e investimentos, migração e circulação de pessoas e disseminação do conhecimento. O seu perfil atualmente se apresenta assim:

Todos esses componentes aparentemente se expandiram a partir do início da década de 1980 como parte da reversão neoliberal das políticas nacionais de macrogestão anteriormente seguidas. Ditas keynesianos, elas eram adotadas por governos no ambiente da ordem econômica mundial de Bretton Woods (isto é, sob a hegemonia dos EUA). A nova regra agora era quebrar as barreiras tarifárias, cotas e outras restrições comerciais, permitindo assim que as multinacionais negociassem “livremente” e transferissem os seus investimentos no exterior, ou seja, para áreas de mão de obra barata, com a finalidade de aumentar a lucratividade. Isso levaria à expansão global e ao desenvolvimento harmonioso das forças produtivas e ao crescimento dos recursos do mundo – pelo menos era o que se afirmava então.

Não havia nada de novo nesse fenômeno. Desde que o capitalismo se tornou o modo de produção dominante nas principais economias, já em meados do século XIX, houve períodos de aumento do comércio internacional e de exportação crescente de capital. Em 1848, os autores do Manifesto Comunista notaram o aumento no nível de interdependência nacional trazido pelo capitalismo e previram o caráter universal da sociedade mundial moderna:

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Estagflação renitente

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Uma das contradições que sustentam a tese do ocaso do capitalismo se encontra na geopolítica do capital ou, o que é o mesmo, nas relações de concorrência – cooperação e competição – dos estados nacionais que formam a atual economia globalizada. O desenvolvimento das “forças produtivas” – diz Murray Smith em Invisible Leviathan[2] – “extrapolou os confins do sistema de estados-nações, mas são ainda as nações individuais que enfrentam os graves problemas”, isto é, os problemas causados pelo próprio processo contraditório de acumulação de capital.  

Eis alguns deles: a emergência climática, as pandemias, a poluição dos oceanos, a manutenção das cadeias da produção de mercadorias, a inflação global etc. Nesta nota quer-se tratar apenas do processo de estagflação que aparece agora como um fenômeno renitente e duradouro da produção capitalista. Baixo crescimento com inflação está aí como um novo “normal” que vai continuar assombrando o futuro das economias capitalistas em geral. Mas, para fazê-lo, é preciso dar dois passos iniciais com a finalidade de enquadrar esse fenômeno em suas condições objetivas.

O primeiro deles consiste em apresentar o atual estágio do processo de expansão da mundialização do capital. Um indicador desse processo histórico se encontra na figura abaixo; ele mostra graficamente a evolução da razão entre as exportações mundiais totais e o PIB mundial. Aparecem nesse perfil, notoriamente, três ondas de globalização que marcam a história do capitalismo: entre 1870 e 1914, entre 1945 e 1980 e entre 1980 e 2008; assim como, também, um período de desglobalização entre 1914 e 1945. Em adição, o gráfico indica o surgimento de um novo período de contração do comércio internacional, o qual ocorre após a grande crise de 2008.

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