Estagflação renitente

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Uma das contradições que sustentam a tese do ocaso do capitalismo se encontra na geopolítica do capital ou, o que é o mesmo, nas relações de concorrência – cooperação e competição – dos estados nacionais que formam a atual economia globalizada. O desenvolvimento das “forças produtivas” – diz Murray Smith em Invisible Leviathan[2] – “extrapolou os confins do sistema de estados-nações, mas são ainda as nações individuais que enfrentam os graves problemas”, isto é, os problemas causados pelo próprio processo contraditório de acumulação de capital.  

Eis alguns deles: a emergência climática, as pandemias, a poluição dos oceanos, a manutenção das cadeias da produção de mercadorias, a inflação global etc. Nesta nota quer-se tratar apenas do processo de estagflação que aparece agora como um fenômeno renitente e duradouro da produção capitalista. Baixo crescimento com inflação está aí como um novo “normal” que vai continuar assombrando o futuro das economias capitalistas em geral. Mas, para fazê-lo, é preciso dar dois passos iniciais com a finalidade de enquadrar esse fenômeno em suas condições objetivas.

O primeiro deles consiste em apresentar o atual estágio do processo de expansão da mundialização do capital. Um indicador desse processo histórico se encontra na figura abaixo; ele mostra graficamente a evolução da razão entre as exportações mundiais totais e o PIB mundial. Aparecem nesse perfil, notoriamente, três ondas de globalização que marcam a história do capitalismo: entre 1870 e 1914, entre 1945 e 1980 e entre 1980 e 2008; assim como, também, um período de desglobalização entre 1914 e 1945. Em adição, o gráfico indica o surgimento de um novo período de contração do comércio internacional, o qual ocorre após a grande crise de 2008.

Continuar lendo

Morbidez capitalista e a crise global

Murray Smith, Jonah Butovsky e Josh Watterton[1]

A convulsão social de 2020-21 pode muito bem marcar uma virada importante na história mundial. A emergência global de saúde pública trazida pela Covid-19 e a crise econômica associada produziram efeitos sociais e políticos extremamente disruptivos e de longo alcance.  Mesmo antes do início da pandemia – note-se –, a economia mundial já estava à beira de uma recessão severa, titubeando após uma prolongada – e notavelmente morna – recuperação da Grande Recessão de 2008-09. Foi só isso o que era capaz de apresentar após várias décadas decrescimento lento, austeridade e problemas persistentes de lucratividade na esfera do capital industrial, em que se produz o valor e o mais-valor.  A recessão, então, foi grandemente ampliada por bloqueios (totais ou parciais) impostos pelos estados nacionais às indústrias, serviços governamentais e pequenas empresas. Como resultado desse processo, chegou-se a níveis de desemprego e de contração econômica que rivalizam com aqueles observados na Grande Depressão da década de 1930.

Como se deve encarar essa crise global “combinada” ocorrida entre 2020 e 2021?  Com poucas exceções, a resposta da mídia corporativa, dos estratos gerenciais profissionais, das elites políticas e de muitos economistas são notavelmente uniformes.  Consistente com a maioria das avaliações convencionais sobre os atuais problemas da humanidade, vê-se essa ocorrência como um fenômeno natural: eis que, súbita e “misteriosamente”, surgiu um vírus invulgarmente infeccioso e furtivo… Diante dessa emergência, fala-se muito então das decisões consciente e das ações de indivíduos (profissionais de saúde, políticos, líderes empresariais e jornalistas da grande mídia) em reação a ele. Assim, minimiza-se o papel decisivo desempenhado por poderosas forças sociais estruturais que instigam, exploram e determinam a forma e a magnitude da crise.

Continuar lendo

Crise estrutural no ocaso do capitalismo

Eis como Murray Smith apresenta o livro O invisível leviatã.

O capitalismo global, com a inclusão da humanidade, enfrenta agora uma crise tripla:

Um aprofundamento da contradição estrutural do modo de produção capitalista, que se manifesta como uma crise multidimensional de “valorização”, isto é, uma crise na produção de “mais-valor”, o elemento vital dos lucros;

Uma crise grave das relações internacionais derivada do fato de que as forças produtivas globais estão rompendo os limites do sistema de estados nacionais; assim, as nações continuam abordando os seus graves problemas de forma principalmente “nacional”;

Uma crescente “crise metabólica” decorrente da contradição entre a civilização humana e as “condições naturais de produção”, isto é, entre o seu modo de apropriação da natureza e os fundamentos ecológicos da sustentabilidade das sociedades.

Juntas, essas três crises inter-relacionadas sugerem que se entrou agora na era do crepúsculo do capitalismo – uma era em que a humanidade terá de encontrar uma ordem social e de organização econômica superior e mais racional ou o capitalismo decadente trará a destruição da civilização humana.

Uma apresentação do livro feita pelo responsável pelo blog se encontra aqui: Crise estrutural no ocaso do capitalismo