O sítio publica artigos de Eleutério F S Prado. Divulga, também, textos importantes sobre economia política e sobre o tema da complexidade. Tem como princípio fundamental que a única boa alternativa para resolver os problemas da humanidade é a democracia.
É muito fácil ser antifascista no nível molar sem nem mesmo ver o fascista que existe dentro de você mesmo, o fascista que você mesmo sustenta, nutre e estima com moléculas tanto pessoais quanto coletivas. Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs [2].
I.
O fascismo, como Robert O. Paxton escreve em sua convincente história,[3] torna-se uma força histórica quando enfrenta “uma sensação de crise avassaladora além do alcance de quaisquer soluções tradicionais”. O livro, que aqui chega ao fim,[4] aponta para num paradoxo: as crises reais estão proliferando, mas o nacionalismo de desastre está se nutrindo de crises inteiramente fictícias.
O autor do artigo que se segue, Stan Cox, sugere que há uma alternativa para o futuro da humanidade (se assim se puder chamar a população do mundo como um todo). Mas a escolha a que se refere é de fato uma “escolha”, pois se dá entre uma utopia em sentido forte e uma impossibilidade.
Para o autor do escrito parece que a única opção é o decrescimento planejado como ficará claro em sua leitura. Mas há outra possibilidade: o decrescimento caótico. Não seria este o caminho mais provável para o eventual progresso da vida humana na face da Terra?
Autor: José Eustáquio Diniz Alves – IHU – 11/04/23 [1]
Eis a epígrafe
“Presta atenção, querida
De cada amor, tu herdarás só o cinismo
Quando notares, estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés”
Cartola (1908-1980), O mundo
Eis o. resumo:
A ultrapassagem do limite de 1,5 graus Celsius em relação ao período pré-industrial pode levar a uma série de consequências negativas para a sociedade e o meio ambiente.
Eis o artigo:
O mundo está à beira de um aquecimento global catastrófico, em função do aumento das atividades antrópicas que geram danos profundos nos ecossistemas e no clima. O ser humano tem sido egoísta e tem apresentado uma avareza sem limites pelo domínio das riquezas naturais. Com uma soberba sem igual tem desprezado as demais espécies vivas do Planeta e provocado uma degradação em larga escala na biosfera. A civilização está à beira de um abismo climático e ambiental e, como alertou Cartola (1908-1980), é uma situação auto infringida: “Abismo que cavaste com teus pés”.
Não há dúvida, o capitalismo é globalmente hegemônico. Em quase todos os países que conformam o mundo atual domina o modo de produção histórico que se orienta pela acumulação de capital. Em todos eles, por isso, o crescimento econômico figura como um imperativo socialmente cristalizado. Em consequência, a expansão da produção como riqueza efetiva e da riqueza fictícia na forma de dívidas empapeladas (ou digitalizadas) não pode ser desafiada de modo eficaz. O decrescimento, assim, aparece como uma má utopia.
No entanto, acumulam-se já nos sítios da internet e nas prateleiras das bibliotecas artigos e livros que defendem o decrescimento como uma necessidade imperiosa e mesmo definitiva para o caso de que a humanidade deseje sobreviver nas próximas décadas deste e do próximo século pelo menos. Como se sabe, a razão imediata do surgimento dessa ansiedade teórica – e mesmo prática – advém da preocupação crescente com as mudanças climática enquanto uma mega-ameaça à existência de vida altamente organizada na face da Terra.
Autor: Michael Roberts, The next recession blog, 05/05/2023
“Policrise” é, no momento, a palavra da moda na esquerda. A palavra expressa o encontro e o entrelaçamento de várias crises simultâneas: econômica (inflação e recessão); ambiental (clima e pandemia); e geopolítica (guerra e divisões internacionais). Na verdade, uma ideia semelhante foi apresentada neste blog (The next recession blog) no início do ano passado.
Portanto, não é surpresa que o último Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da ONU seja tão chocante. De acordo com ele, o mundo está mais pessimista do que em qualquer ponto da história moderna, ou seja, desde antes da Primeira Guerra Mundial.
O RDH apresentou uma análise das tendências linguísticas presentes em textos literários nos últimos 125 anos. Revelou assim que ocorreu um aumento acentuado nas expressões que refletem “distorções cognitivas associadas à depressão e outras formas de sofrimento mental”. Nas últimas duas décadas, a linguagem que reflete percepções excessivamente negativas sobre o mundo e sobre seu futuro se expandiu. De fato, os níveis de angústia atuais não têm precedentes, pois superam o que ocorreu em todos os eventos traumáticos do passado.
Autores: Sandrine Aumercier [1] e Frank Grohmann [2]
Fonte: Blog Grundrisse – Psychanalyse et capitalisme
Durante os últimos anos, não se passou um dia sem que a mídia nos falasse sobre a crise climática. Temperaturas sem precedentes, estado de emergência no norte da Itália, incêndios incontroláveis, seca de rios e estresse hídrico, agricultura seriamente afetada, aumento da fome no mundo etc. É agora normal nos atormentar com o catálogo dos desastres climáticos; até mesmo os céticos do clima estão expostos a essa punição normalizada.
Ora, até quando ainda vamos aceitar essa forma de terror, que apresenta quase como um fato consumado a destruição das bases da vida? Até quando será “possível” viver sem estremecer sob a ameaça da eclosão de um conflito nuclear?
Ao mesmo tempo, à direita ou à esquerda, todos se gabam de um aumento da “consciência climática” e voluntariamente acrescentam sua voz ao coro das lamentações e das recomendações. Os patrões franceses das empresas fornecedoras de energia estão até se dividindo: enquanto uns apelam para cortar o consumo privado, outros castigam seus lucros; os governos nesse entretempo estão buscando algum tipo de equilíbrio.
Ao mesmo tempo, a invasão russa da Ucrânia levanta a questão da “independência energética”. Não passa um dia sem que este tema apareça também nas manchetes. Anuncia-se a moralização direcionada dos suprimentos, grandes mudanças na política energética e incitações hipócritas à sobriedade. As propagandas de sorvete devem ser acompanhadas, como se sabe, de uma recomendação de consumo de “cinco frutas e verduras por dia”. Do mesmo modo, não está longe o momento em que todo incentivo ao consumo será acompanhado de um incentivo à sobriedade no consumo.
No texto em sequência Adam Toose contesta a tese de Cédric Durand de que uma contradição – a acumulação de capital requer elevação da oferta de energia, mas a crise climática opera para diminui-la – está presente na transição energética. Num poste a ser brevemente publicado, Cédric Durand fornece a sua resposta.
Autor: Adam Toose, 20/11/2021, Chartbook
Em 2021, os preços da energia em todo o mundo dispararam dando origem ao boato sobre a existência de uma “crise energética”.
Por que a oferta de carvão, petróleo e gás ficou tão aquém da demanda? Depois de um artigo no New Statesman e uma troca de ideias com Richard Seymour, volto à questão novamente. E não apenas porque a indústria de energia é complicada e fascinante, mas porque a resposta que dei é crucial para localizar onde se está na batalha pela transição energética.
A pandemia do COVID-19 está sendo rapidamente absorvida em nossa consciência coletiva, refazendo a tessitura de nossas vidas. De repente, milhões estão se abrigando em algum lugar, estranhos começaram a se desejar boa sorte na saída dos supermercados, as pessoas pararam de tocar os seus próprios rostos e as prateleiras que estocam normalmente água sanitária e desinfetante para as mãos estão vazias.
Para muitos, a sensação de pavor iminente é o novo normal.
“Algumas vezes por dia, eu me distraio o suficiente para esquecer que tudo mudou, muito provavelmente de uma forma que não será revertida quando a pandemia retroceder”, escreveu Amanda Mull, jornalista que escreve na revista The Atlantic, dos EUA. “Então me lembro e recaio numa vertigem psicológica, tentando reprimir uma mistura de ansiedade, terror e desorientação, algo tão profundo que mal consigo me lembrar do que devo fazer de um minuto para o outro. O medo da peste nunca me abandona por muito tempo.”
Mas, para aqueles que vivem com uma consciência aguda da realidade da crise climática, o estado atual de pandemia parece terrivelmente familiar – trata-se apenas uma versão mais imediata do pavor sobre as consequências das mudanças climáticas, que estamos sentindo há anos.
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