Do anarcocapitalismo à auteridade

Michael Roberts – The next recession blog – 15/04/2025

No dia 14 de abril, o FMI anunciou que concordou em emprestar ao governo argentino Milei mais US$ 20 bilhões (além das dívidas existentes contraídas no passado) para ajudar o governo a cumprir suas obrigações de dívida e restaurar as suas reservas cambiais em rápida queda. O acordo de empréstimo liberará US$ 12 bilhões iniciais, com mais US$ 3 bilhões chegando no final do ano.  

O governo diz que deve receber US$ 28 bilhões somente em 2025, incluindo US$ 15 bilhões de dinheiro do FMI, US$ 6 bilhões de outros credores multinacionais, US$ 2 bilhões de bancos globais e US$ 5 bilhões da extensão de um swap cambial com a China. Milei se gabou de que “o que o seu governo terá uma montanha de dólares“; eis que tema meta de dobrar as reservas cambiais brutas para US$ 50 bilhões.

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Desenvolvimento: avaliando as teorias concorrentes

Autor: Anwar Shaikh

FIDE, dezembro de 2018, pp. 142-153

Introdução

O debate sobre o melhor caminho para o desenvolvimento é tão antigo quanto o próprio capitalismo; vem da época em que a Inglaterra era o centro e a América do Norte era a periferia. A linha oficial propagada pelos livres cambistas que passaram a dominar a teoria econômica foi deixar o mercado fazer sua mágica: Laissez Faire, minimizar o Estado, adaptar a mentalidade ao mercado, ter fé no milagre que ele lhe fornecerá.

O catecismo começa com o treinamento padrão nos cursos de Economia, cujo objetivo é inculcar um apego reflexivo a uma visão celestial do capitalismo: conhecimento infinito, escolha hiper-racional, competição perfeita, resultados ótimos, equilíbrio geral, a empresa como servidora dos consumidores, o consumidor como rei, pleno emprego automático e uso otimizado de todos os recursos como algo garantido. A matemática, que tem seus usos próprios, aqui se torna uma língua litúrgica, o latim da Missa Solene. Tudo é melhor neste melhor dos mundos possíveis, neste mundo do irrealismo mágico.

A realidade sempre foi diferente. Desde o início, o desenvolvimento bem-sucedido andou de mãos dadas com o protecionismo comercial e a intervenção do Estado. Nos séculos XIV e XV, a Grã-Bretanha promoveu sua fabricação de artigos de lã taxando as exportações de lã bruta para seus concorrentes e atraindo seus trabalhadores. Do início do século XVIII até meados do século XIX, ela usou políticas comerciais e industriais para proteger suas indústrias até que sua própria vantagem competitiva global fosse grande o suficiente para começar a defender o livre comércio global.

Os concorrentes americanos da Grã-Bretanha não foram enganados: “os americanos sabiam exatamente qual era o jogo. Eles sabiam que a Grã-Bretanha chegou ao topo por meio de proteção e subsídios e, portanto, eles precisavam fazer a mesma coisa se quisessem chegar a algum lugar…

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Austeridade: livre opção da burguesia?

Eleutério F. S. Prado[1]

Esta nota tem uma tarefa ingrata, qual seja ela, fazer a crítica de um livro de grande sucesso no campo da esquerda, que sustenta uma tese relevante na esfera do pensamento crítico: Austeridade: uma ideia perigosa, de Mark Blyth (Autonomia Literária, 2020). Além disso, ele é endossado por economistas como Luiz G. M. Beluzzo, Laura Carvalho, Pedro Rossi dentre outros, consagrados combatentes na luta pela civilização no atual estágio de desenvolvimento regressivo do capitalismo. Entretanto, ela se faz necessária – crê-se aqui – para aprofundar a crítica contida no próprio livro de Blyth.

No prefácio da edição brasileira, esse último autor brasileiro resume um argumento central dos defensores da austeridade que – menciona – “dialoga com o senso comum”: o governo, assim como as pessoas e as famílias, tem de pagar as suas contas. Ora – adverte ele – “o apelo ao senso comum é uma falsificação da realidade: não existe uma conta a ser paga; a dívida pública não precisa ser reduzida. Papéis são pagos, outro serão emitidos. (…) dívida pública não se paga, se rola”.

Para comentar essa afirmação é preciso separar analiticamente as dívidas particulares e a dívida como um todo. É evidente, como diz o próprio Rossi, que as dívidas particulares do Estado, expressas em títulos detidos por agentes do setor privado, são pagas do mesmo modo que as dívidas particulares das pessoas e das famílias – e até mesmo com respeito mais firma aos prazos e com mais fidelidade à letra dos contratos.  

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Como arruinar um país em três décadas

Os leitores desse blog, lendo o título, devem imaginar que o post vai falar do Brasil. Não, ele não vai mencionar a economia capitalista instalada na terra brasilis. Vai discorrer sobre a situação precária da economia italiana no interior da zona do Euro. Entretanto, os leitores que, de fato, lerem a pertinente nota de Servaas Storm sobre o caso da economia capitalista na Itália, certamente pensarão que um texto muito semelhante poderia ser escrito sobre o Brasil.

Logo, ao lerem “Itália”, devem, portanto, pensar no Brasil.

Segundo o texto que esse autor apresenta, as políticas de austeridade defendidas e aplicadas pelos economistas neoliberais estão abrindo uma caixa de Pandora na Itália e na Europa em geral. Pode ser esta uma tese keynesiana típica já que recomenda uma atitude de acomodação diante da possibilidade da rebelião. Mas ela tem a sua verdade.

Ninguém pode dizer onde isso vai acabar. Os economistas (incluindo os italianos) carregam uma enorme responsabilidade em tudo isso, tanto porque são muito culpados pelo caos quanto porque não conseguem chegar a soluções estratégicas racionais para resolver as crises em curso. “Talvez”, escreveu John Maynard Keynes, “seja historicamente verdade que nenhuma ordem social pereça, salvo por sua própria mão” (Keynes, 1919). Economistas racionais têm que provar que o veredicto de Keynes está errado, começando na Itália – pelo menos porque a confusão do Brexit parece estar além da redenção.

Se a situação econômica de alguns países do Norte inspira esse tipo de alerta, o que a situação de alguns países do Sul não deveria suscitar? O Brasil se encontra quase estagnado desde a década dos anos 1990, com um pequeno surto de crescimento entre 2004 e 2010.

A partir de 2011 entrou no caminho da recessão devido a um aperto dos lucros e uma queda da demanda agregada, fatos que ocorreram no primeiro governo Dilma. A partir de 2015 entrou no rumo da depressão justamente em razão das políticas de austeridade implementadas por Levy, Meirelles e Guedes. Ora, essas políticas servem principalmente ao capital financeiro e não ao capital industrial. Como continua assim, é preciso também perguntar: onde isso vai acabar?

O texto se encontra aqui: Como arruinar um país em três décadas

A austeridade não se justifica nem teórica nem empiricamente

Neste post apresentamos uma nota curta de Robert Skidelsky, famoso historiador e economista que escreveu uma enorme e detalhada biografia de John M. Keynes, em três volumes. Nesse escrito, ele busca refutar a pretensão de cientificidade da teoria econômica que tenta promover a política de austeridade.

E o faz com extrema competência e simplicidade. A sua argumentação – é importante enfatizar – desenvolve inteiramente no campo da teoria econômica e da econometria. O seu argumento é que os defensores da austeridade – especialmente Alberto Alesina – vale-se de uma relação entre as taxas de crescimento e as variações do déficit público num certo conjunto de países para justificar a sua tese de que austeridade gera imediato crescimento. Mas, na verdade e de modo vulgar, toma uma correlação como se fosse uma relação de causalidade.

Neste blog já foi publicado um outro texto de John Milios que, entretanto, afirma a racionalidade da política de austeridade (em 14/11/2015). Segundo ele, austeridade é o modo por meio do qual é reforçada a disciplina do capital nas economias capitalistas contemporâneas. Ao implementá-la como política de Estado, visa-se, em última análise, a recuperação da lucratividade possível das empresas capitalistas. Mas os seus resultados podem ser ruins do ponto de vista macroeconômico, além de serem catastróficos para a grande maioria da população trabalhadora.

A nota crítica está aqui: A austeridade não se justifica nem teórica nem empiricamente

Do keynesianismo ainda

Publica-se nesse post a tradução para o português de uma terceira resenha do livro In the long run we are dead (No longo prazo estaremos todos mortos) de Geoff Mann que trata do keynesianismo e de sua importância histórica como posição diante do evolver inquieto do capitalismo.

Como se sabe, o keynesianismo se apresenta como uma alternativa de política econômica que se contrapõe às correntes liberais que minimizam ou pretendem minimizar o papel do Estado no provimento do emprego no sistema econômico como um todo.

Trata-se de uma resenha feita pelo historiador britânico Adam Toose que tem, como se sabe, uma enorme simpatia pelo keynesianismo. A grande interrogação que ele nos apresenta é a seguinte: “enquanto o mundo derrete diante de nossos olhos [devido às mudanças climáticas], o que o gerencialismo keynesiano tem a oferecer aos nossos filhos e netos?

De qualquer forma, ela aponta a China pós Mao como o país em que ainda estão sendo aplicadas as lições do keynesianismo, aliás, como enorme sucesso – ainda que esse sucesso não esteja isento de graves problemas ambientais, econômicos e sociais e que seja da modalidade autoritária.

A tradução se encontra aqui: Tempos tempestuosos

Austeridade em perspectiva histórica

O que é austeridade? Num post publicado em novembro de 2015 procurou-se responder a essa questão por meio da tradução de um escrito de John Milios intitulado “A austeridade não é irracional”.

Ao introduzir os leitores deste blog ao artigo deste importante crítico da economia política, mostrou-se que a “austeridade” é uma política de Estado que, em síntese, procura reforçar a disciplina do capital nas economias capitalistas contemporâneas.

Neste post, pretende-se expor como e porque a política de austeridade se tornou necessária e mesmo imperativa na gestão do capitalismo contemporâneo. Eis que o próprio desenvolvimento deste modo de produção, após a II Guerra Mundial, exigiu o crescimento dos gastos estatais (em particular, dos sociais), o qual acabou contribuindo para o rebaixamento da taxa de lucro e, assim, para produzir um sistema econômico frágil que tende à estagnação (ou seja, que não tem mais a capacidade de recuperação do capitalismo clássico).

Quer-se mostrar, ademais, rememorando a tese de Wolfgang Streeck em Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático, que a política de austeridade implica em primazia dos imperativos econômicos em relação as necessidades humanas, sociais e ambientais. E que ela leva, por isso, necessariamente, ao esvaziamento da democracia liberal, ou seja, da democracia formal que é possível no capitalismo.

Eis o post: iAusteridade em Perspectiva Histórica

 

A economia política da grande depressão

Neste post trazemos a tradução de um artigo recentemente produzido por Joseph Choonara e que foi publicado na revista eletrônica International Socialism (nº 158). Esse texto é aqui divulgado em português porque se trata de uma síntese muito boa – além de bem didática – da melhor interpretação marxista – e britânica –, sobre a grande depressão iniciada em 2008.

Mostra que esta decorreu, em última análise, da queda persistente, ainda que oscilante, da taxa de lucro após o término da II Guerra. E das respostas que foram dadas para enfrentá-la a partir da década dos anos 1980.  Mostra também que a globalização, assim como a financeirização, foram resposta sistêmicas – ainda que levadas a efeito por meio de decisões de política econômica – às dificuldades postas pela superacumulação de capital observada já no final dos anos 1960 e, em particular, nas crises do começo dos anos 1970. Nessa perspectiva, ademais, sustenta a contracorrente que a atual oscilação ascendente de recuperação da economia mundial é “fraca, frágil e incerta”.

O artigo traduzido, em pdf, encontra-se aqui:A economia política da grande depressão

Como este artigo repõe a necessidade de compreender melhor o processo recente de financeirização da economia capitalista, os dois próximos post voltaram a esse tema.

Impactos da austeridade

Pensando na economia capitalista no Brasil, aqui se vai fazer uma apresentação crítica dos impactos da política de austeridade examinando o caso recente da economia capitalista da Grécia. Para tanto, usa-se as informações e análises encontradas num artigo dos economistas gregos Nasos Koratzanis e Christos Pierros: Acessando os impactos da austeridade na economia grega (2017). Entretanto, como esses dois autores se mantêm numa perspectiva keynesiana, eles não levam a crítica ao seu horizonte. Para ver onde o sol se põe recorre-se à perspectiva desenvolvida pelo marxista grego, John Milios, no artigo A austeridade não é irracional (2015). Mostra-se, assim, que essa política, mesmo se se apresenta como tal, não visa a recuperação da produção mercantil. Ao contrário, busca continuar extraindo o maior volume possível de mais-valor na forma dos serviços das dívidas, mesmo se isto derruba e exaure o sistema econômico e, assim, produz uma catástrofe social.

O texto se encontra aqui: Impactos da austeridade na Grécia

O mergulho da galinha

O padrão de crescimento de longo prazo da economia capitalista no Brasil tem sido caracterizado como “voo de galinha”. Em postagem anterior, discutiu-se porque ela subiu no poleiro, voou mais alto e despencou. Nesta, questiona-se se ela mergulhou na lagoa dos patos por moto próprio ou porque foi malconduzida.

Como bem se sabe, ela se encontra quase-estagnada desde o começo dos anos 1980, quando se esgotou o empuxo dado pela industrialização por substituição de importações. Desde então, o seu ritmo de expansão tendeu ao medíocre, ao rastejante. Essa tendência, entretanto, foi aparentemente contrariada no período entre 2004 e 2010. O impulso para voar mais alto, entretanto, não durou…

Agora, ao final da segunda década do século XXI, está já claro que o padrão saltitante, às rés do chão, está sendo retomado – mesmo se este ainda demora, mesmo se a galinha está com enorme dificuldade de sair da depressão. Nesta postagem, discute-se um pouco mais sobre as causas do mergulho ocorrido a partir de 2010. O que explica, afinal, em primeiro lugar, a nova década perdida possível? O desequilíbrio orçamentário do governo ou a queda da taxa de lucro?

O artigo se encontra aqui: O mergulho da galinha – por si ou por causa dela?