Austeridade: livre opção da burguesia?

Eleutério F. S. Prado[1]

Esta nota tem uma tarefa ingrata, qual seja ela, fazer a crítica de um livro de grande sucesso no campo da esquerda, que sustenta uma tese relevante na esfera do pensamento crítico: Austeridade: uma ideia perigosa, de Mark Blyth (Autonomia Literária, 2020). Além disso, ele é endossado por economistas como Luiz G. M. Beluzzo, Laura Carvalho, Pedro Rossi dentre outros, consagrados combatentes na luta pela civilização no atual estágio de desenvolvimento regressivo do capitalismo. Entretanto, ela se faz necessária – crê-se aqui – para aprofundar a crítica contida no próprio livro de Blyth.

No prefácio da edição brasileira, esse último autor brasileiro resume um argumento central dos defensores da austeridade que – menciona – “dialoga com o senso comum”: o governo, assim como as pessoas e as famílias, tem de pagar as suas contas. Ora – adverte ele – “o apelo ao senso comum é uma falsificação da realidade: não existe uma conta a ser paga; a dívida pública não precisa ser reduzida. Papéis são pagos, outro serão emitidos. (…) dívida pública não se paga, se rola”.

Para comentar essa afirmação é preciso separar analiticamente as dívidas particulares e a dívida como um todo. É evidente, como diz o próprio Rossi, que as dívidas particulares do Estado, expressas em títulos detidos por agentes do setor privado, são pagas do mesmo modo que as dívidas particulares das pessoas e das famílias – e até mesmo com respeito mais firma aos prazos e com mais fidelidade à letra dos contratos.  

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Formas contemporâneas da subsunção do trabalho ao capital

Convidado para fazer uma apresentação sintética das conexões entre “dívida pública” a “subsunção do trabalho ao capital” na cena contemporânea, o autor desse blog preparou uma exposição sobre o tema por meio de uma apresentação em “powerpoint”. Como a exposição não pode ocorrer por falha deste blogueiro impenitente, ele publica aqui o original preparado para os eventuais interessados.

O material se encontra aqui: Formas contemporâneas da subsunção do trabalho ao capital

A grande onda das dívidas está chegando…

Neste post se apresenta um pequeno artigo do economista Kaushik Basu (publicado no Project Syndicate) que aponta mais uma vez que a atual estrutura do endividamento dos Estados Nacionais, considerados como um todo, é insustentável no médio prazo.

Note-se que a previsão de um possível e mesmo provável colapso no futuro próximo vem de alguém que tem um bom conhecimento do estado crítico da economia mundial. Ele já foi economista chefe no Banco Mundial e no conselho econômico do governo da Índia. Atualmente é professor da Universidade de Cornell e sênior adjunto do Instituto Brookings.

No entanto, a sua conclusão final é bem ingênua. A grande onda das dívidas está chegando…. Contudo, ele acredita, como em geral acontece com os macroeconomistas competentes, que uma política econômica bem conduzida pode evitar a crise. Ora, a sua competência é competência em economia vulgar – aquela que se resume em apreender as relações externas entre os fenômenos seja por meio de modelos teóricos seja por meio de modelos econométricos.

Como se sabe, desde Marx, “a verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital”. E que, portanto, as crises são inevitáveis. Se o Estado se endivida para conter o processo da crise ou as suas piores consequências num certo momento, o próprio crescimento de seu endividamento se torna uma nova barreira para a produção capitalista no momento seguinte.

No entanto, se as crises trazem consequências trágicas para as populações, especialmente para os trabalhadores que estão menos protegidos, ela são também o modo pelo o qual o capital supera as suas barreiras. “As crises” – é sempre bom lembrar – “são sempre apenas soluções momentâneas violentas das contradições existentes, irrupções violentas que reestabelecem o equilíbrio perturbado”.

Ora, o desequilíbrio permanente é próprio do modo de existência do capital. A expansão do capital se dá por meio de um processo de  realimentação positiva, um espírito animal intrinsecamente desmedido (Keynes), a qual implica num crescimento exponencial. E como todo crescimento exponencial real, ele gera catástrofes endogenamente de modo inexorável. E estas são necessárias para que a expansão possa ser retomada.

As crises nunca indicam por si só que o capitalismo vai acabar, ao contrário, elas mostram que a violência do capital não tem limites quando se trata de encontrar uma solução para as crises que engendra. Ao se autodestruir, ele destrói não apenas coisas, mas também vidas. O capital é um sujeito automático dotado de hybris que vai da realização ao funesto.

O seu artigo está aqui: A grande onda das dívidas está chegando