Um futuro estagflacionário: por quê?

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Nouriel Roubini é um singular economista do sistema. Se possui fama internacional, costuma ser olhado com irônica desconfiança. Eis que os seus pares o consideram como um “profeta da desgraça”.  No entanto, tudo o que diz tem enorme plausibilidade. Ele tem sustentado agora uma previsão nuviosa sobre a situação econômica nas próximas décadas do século XXI: o capitalismo em nível global sofrerá de estagflação renitente e essa será a sua condição normal doravante.  

Eis como Roubini, em seus próprios termos, apresenta essa antevisão:

Economias avançadas e mercados emergentes estão cada vez mais envolvidos em “guerras” necessárias. O futuro será estagflacionário e a única questão é quão ruim isso será. A inflação aumentou acentuadamente ao longo de 2022 nas economias avançadas e nos mercados emergentes. As tendências estruturais sugerem que o problema será secular – e não transitório.

Haverá, pois, guerras necessárias contra as novas pandemias, os efeitos do aquecimento global, as imigrações maciças, as pobrezas escandalosas etc.; haverá, inclusive, conflitos bélicos reais como o atual entre os Estados Unidos (atrás do palco), a Ucrânia e a Rússia (no próprio palco em que ocorrem efetivamente as batalhas). Como esses dois tipos de “guerras” atuarão seja para elevar a demanda agregada seja para contrair a oferta agregada, eles criarão as condições objetivas para a normalização do fenômeno “estagflação”. Os seus dois escritos em que essas “previsões” aparecem se encontram aqui e aqui.

Continuar lendo

Mais “guerra” significa “mais inflação”

Autor: Nouriel Roubini[1] – Project Syndicate – 30/12/2022

As economias avançadas e os mercados emergentes estão cada vez mais envolvidos em “guerras” inevitáveis. Por isso, o futuro será estagflacionário. E a única questão é saber quão ruim ele será.

A inflação aumentou acentuadamente ao longo de 2022 nas economias avançadas e nos mercados emergentes. As tendências estruturais sugerem que o problema será secular – e não transitório. Especificamente, muitos países estão agora envolvidos em várias “guerras” – algumas reais, outras metafóricas – que levarão a déficits fiscais ainda maiores, mais monetização da dívida e inflação mais alta no futuro.

O mundo está passando por uma forma de “depressão geopolítica” coroada por uma crescente rivalidade entre o Ocidente e potências revisionistas alinhadas entre si (se não aliadas), como China, Rússia, Irã, Coréia do Norte e Paquistão. As guerras frias e quentes estão em ascensão. A brutal invasão da Ucrânia pela Rússia ainda pode se expandir e envolver a OTAN. Israel – e, portanto, os Estados Unidos – está em rota de colisão com o Irã, que está prestes a se tornar um estado com armas nucleares. O Oriente Médio, de modo amplo, é um barril de pólvora. E os EUA e a China estão se enfrentando sobre quem dominará a Ásia e se Taiwan será reunificada à força ou não com a China continental.

Continuar lendo

A grande crise é inevitável

Autor: Nouriel Roubini,

Project Syndicate – Tradução: Antônio Martins

A economia mundial está caminhando para uma confluência sem precedentes de crises econômicas, financeiras e de dívida, após a explosão de déficits, empréstimos e alavancagem.

No setor privado, a montanha de dívidas inclui famílias (endividadas em hipotecas, cartões de crédito, empréstimos para automóveis, empréstimos estudantis, empréstimos pessoais), empresas e corporações (empréstimos bancários, títulos de dívida e dívida privada) e o setor financeiro (passivo de instituições bancárias e não bancárias). No setor público, estão os títulos dos governos centrais, subnacionais e locais, além de outros passivos formais e dívidas implícitas – como passivos não financiados dos sistemas de pensão por repartição e de atendimento à saúde. Tudo isso continuará a crescer à medida que as sociedades envelhecem.

Olhando apenas para as dívidas explícitas, os números são impressionantes. Globalmente, a dívida total dos setores público e privado como parcela do PIB aumentou de 200% em 1999 para 350% em 2021. A proporção é agora de 420% nas economias avançadas e de 330% na China. Nos Estados Unidos, é 420%, maior do que durante a Grande Depressão e após a Segunda Guerra Mundial.

Continuar lendo

Nouriel Roubini diz mais sobre as mega-ameaças

N. T.: Nouriel Roubini não se apresenta como um pensador dialético, mas ele é capaz de apreender muitas contradições que estão por trás dos impasses da civilização. Daí que os seus textos sejam muito interessantes. Entretanto, como bom tecnocrata, pensa em termos de problemas e soluções sem jamais questionar o próprio sistema econômico do capital. Pois, como bem sabe, é somente assim, ou seja, mantendo uma perspectiva de crítica da economia política, que é possível compreender que a acumulação de capital, atualmente, cria barreira para si mesma, as quais não consegue superar. A intervenção do Estado em prol e em complemento da lógica do sistema econômico também se mostra insuficiente para criar as condições para uma acumulação de capital desenvolta. A crise estrutural parece, assim, não ter limites.

Entrevista publicada em Project Syndicate (PS) – 15/11/2022

Esta semana, PS conversa com Nouriel Roubini, professor emérito de economia da Stern School of Business da Universidade de Nova York, economista-chefe da Atlas Capital Team, CEO da Roubini Macro Associates, cofundador da TheBoomBust.com e autor de Mega threats: Ten dangerous trends that imperil our future and how to survive them.

PS: Em seu último comentário neste portal, você reafirmou a sua expectativa de que os esforços das autoridades monetárias para conter a inflação “causarão um colapso econômico e financeiro” e que “independentemente de suas mensagens duras”, os bancos centrais “sentirão imensas pressões” para reverter o aperto monetário” assim que uma ameaça de crash se materialize. Qual seria o impacto de tal reversão? Os formuladores de política monetária nos Estados Unidos e na Europa têm eventualmente boas opções – ou menos ruins?

Continuar lendo

A nova era catastrófica e as suas “mega-ameaças”

Autor: Nouriel Roubini [1] Project Syndicate – 04/11/2022

Por quatro décadas após a Segunda Guerra Mundial, as mudanças climáticas e a inteligência artificial destruidora de empregos não estiveram na mente de ninguém; termos como “desglobalização” e “guerra comercial” não tinham guarida. Mas, agora, estamos entrando em uma nova era que se assemelhará mais às décadas tumultuadas e sombrias entre 1914 e 1945.

Graves mega-ameaças estão colocando em risco nosso futuro – não apenas nossos empregos, renda, riqueza e economia global, mas também a relativa paz, prosperidade e progresso alcançados nos últimos 75 anos. Muitas dessas ameaças nem estavam em nosso radar durante a próspera era após a Segunda Guerra Mundial. Cresci no Oriente Médio e na Europa do final dos anos 1950 ao início dos anos 1980 e nunca me preocupei com a possibilidade de que as mudanças climáticas pudessem destruir o planeta. A maioria de nós mal tinha ouvido falar do problema, pois as emissões de gases de efeito estufa ainda eram relativamente baixas, em comparação com o que ocorreu depois.

Além disso, depois da colaboração entre os EUA e a União Soviética e da visita do presidente americano Richard Nixon à China, no início dos anos 1970, nunca mais me preocupei com outra guerra entre grandes potências, muito menos nuclear. O termo “pandemia” também não estava registrado na minha consciência, porque a última grande ocorrera em 1918. E eu não imaginava que a inteligência artificial pudesse um dia destruir a maioria dos empregos e tornar o homo sapiens obsoleto, porque aqueles eram os anos do longo “inverno da inteligência artificial (IA)”.

Continuar lendo

Eis aí a crise da dívida estagflacionária

Autor: Nouriel Roubini [1] – Site Project Syndicate – 3/10/2022

A Grande Moderação {N.T. período que vai de 1982 a 2008, caracterizado por baixa inflação e crescimento razoável] deu lugar à Grande Estagflação. Esta última está se diferenciando pela instabilidade e por uma confluência de choques de oferta negativos e em câmera lenta. Os mercados de ações nos EUA e no mundo já estão em baixa, mas a escala da crise que se espera ainda não foi totalmente precificada.

Há um ano venho argumentando que o aumento da inflação será persistente e que as suas causas incluem não apenas más políticas, mas também choques negativos de oferta; ora, a tentativa dos bancos centrais de combatê-la causará um pouso econômico duro e turbulento. Quando a recessão vier, avisei, será severa e prolongada, com dificuldades financeiras generalizadas e crises de dívida.

Apesar das falas agressivas, os banqueiros centrais, presos em uma armadilha de endividamento, ainda podem desistir desse combate, contentando-se então com uma inflação acima da meta. Devido à inflação mais alta e às expectativas excitadas de mais inflação, quaisquer carteiras de ações (com maiores riscos) ou de títulos de renda (com menores riscos) perderão dinheiro.

Continuar lendo

A ameaça da estagflação

Autor: Eleutério F. S. Prado[1]

Nouriel Roubini[2], um conhecido analista macroeconômico que opera nos EUA, tendo por referência os países ricos, pensa que a ameaça da estagflação se mostra cada vez mais fidedigna. A política econômica atual, que combina expansão monetária e creditícia, assim como impulsos fiscais, tendo em vista estimular a demanda, com respostas insuficientes da oferta, vai produzir, segundo ele, um aquecimento inflacionário. “Combinadas, tais dinâmicas de oferta e demanda” – afirma – “pode gerar estagflação, um aumento geral dos preços e recessão, ao estilo do que ocorreu na década dos anos 1970”. Mesmo uma crise severa das dívidas tal como sobreveio na naquela década pode, potencialmente, ocorrer. Eis como caracteriza a ameaça da estagflação:

Enquanto esses persistentes choques negativos de oferta ameaçam reduzir o potencial de crescimento, a continuidade das políticas monetárias e fiscais frouxas pode desancorar as expectativas inflacionárias. Uma espiral preços-salários pode então sobrevir num ambiente caracterizado por uma tendência recessiva pior do que aquela dos anos 70 do século passado – quando as razões dívida/PIB eram bem menores do que são agora.[3] 

Jayati Ghosh[4], uma notória analista da economia mundial, julga que a estagflação é também uma ameaça, mas agora para os países não desenvolvidos, cujos mercados são ditos emergentes. A interdependência global se acentuou nas últimas décadas de tal modo que essas nações estão sob riscos devidos às consequências das políticas macroeconômicas implementadas pelos países ricos. Nota-se que muitos desses países estão sofrendo com os aumentos dos preços mesmo quando os níveis da atividade econômica e do emprego permanecem baixos e mesmo em declínio. Eis como caracteriza o risco de que essa situação possa perdurar:

Continuar lendo

Para 2020: sombras e sombrios

Neste post apresenta-se criticamente um pequeno artigo bombástico – e, talvez, por isso mesmo – muito lido por pessoas interessadas em economia política internacional e/ou nos rumos da economia norte-americana ou ainda no sistema econômico mundial. Ele foi escrito por Nouriel Roubini, no caso em parceria com Brunello Rosa. Eis o seu título: Os elementos causadores de uma recessão e crise financeira em 2020.

O folheto de somente três páginas contém muitas sombras, sombrios e assombrações. Foi publicado no portal Project Syndicate, em 13 de setembro de 2018. Nele, esses dois autores fazem uma previsão para a economia capitalista mundial que ainda está centrada nos Estados Unidos.  Segundo eles, sobrevirá inexoravelmente uma forte crise – ou mesmo uma crise catastrófica – em 2020, ano da próxima eleição presidencial na norte-américa. 

Roubini ficou mais conhecido depois que antecipou com boa precisão a crise que eclodiu no mercado imobiliário dos Estados Unidos, em 2008.  Ele foi capaz de mostrar a sua extensão e a sua gravidade mesmo antes que a bolha de crédito estourasse e espalhasse o seu poder destruidor para o resto do mundo. No entanto, no post que aqui se publica, sem deixar de reconhecer os seus méritos como economista e como marqueteiro de si mesmo, faz-se primeiro uma crítica ao seu estilo de fazer previsões. Eis que elas se destinam ao mercado consumidor de projeções econômicas e, por isso, está escrita num estilo excessivamente afirmativo. Ora, nesse caso, como em muito outros, como se sabe, a fama vale dinheiro.

A nota se encontra aqui: Para 2020 – sombras e sombrios