Reexame das fronteiras do capital

Resposta à Crítica da Razão Tecno-feudal de Morozov

Autor: Cédric Durand – NLR 136 – 2022

Evgeny Morozov forneceu uma crítica salutar das propostas recentes para conceituar as relações sociais da economia digital – os usuários da web estão supostamente presos como servos aos domínios inescapáveis dos barões da tecnologia – por analogia com os da era feudal. A sua “Crítica da Razão Tecno-feudal” oferece uma revisão sistemática do uso do termo feudal na teoria econômica contemporânea. Trata-se, para ele, de um pântano discursivo no qual, ele acusa, “a esquerda tem dificuldade em se diferenciar da direita” – de neoliberais como Glen Weyl e Eric Posner, assim como de neo-reacionários como Curtis Yarvin e do anti-ativista (anti-wokite) Joel Kostin. Esses autores articulam a mesma crítica “neo-” ou “tecno-feudal” tal como o fazem Yanis Varoufakis, Mariana Mazzucato, Robert Kuttner ou Jodi Dean.

Se os pensadores radicais abraçaram o imaginário feudal como um estratagema retórico, como um meme aceitável, Morozov argumenta que isso é uma prova não de argúcia, mas de fraqueza intelectual – a coisa se passa “como se a estrutura teórica da esquerda não pudesse mais dar sentido ao capitalismo sem mobilizar a linguagem moral da corrupção e da perversão”. Ao desviar sua atenção das relações capitalistas reais para as reminiscências do feudalismo, ela corre o risco de deixar sua presa real para perseguir uma sombra, desviando-se de seu ângulo de ataque mais original e eficaz que se remete às relações socioeconômicas de exploração – ou seja, ao seu sofisticado aparato político teórico anticapitalista.[1]

Continuar lendo

Eis aí a crise da dívida estagflacionária

Autor: Nouriel Roubini [1] – Site Project Syndicate – 3/10/2022

A Grande Moderação {N.T. período que vai de 1982 a 2008, caracterizado por baixa inflação e crescimento razoável] deu lugar à Grande Estagflação. Esta última está se diferenciando pela instabilidade e por uma confluência de choques de oferta negativos e em câmera lenta. Os mercados de ações nos EUA e no mundo já estão em baixa, mas a escala da crise que se espera ainda não foi totalmente precificada.

Há um ano venho argumentando que o aumento da inflação será persistente e que as suas causas incluem não apenas más políticas, mas também choques negativos de oferta; ora, a tentativa dos bancos centrais de combatê-la causará um pouso econômico duro e turbulento. Quando a recessão vier, avisei, será severa e prolongada, com dificuldades financeiras generalizadas e crises de dívida.

Apesar das falas agressivas, os banqueiros centrais, presos em uma armadilha de endividamento, ainda podem desistir desse combate, contentando-se então com uma inflação acima da meta. Devido à inflação mais alta e às expectativas excitadas de mais inflação, quaisquer carteiras de ações (com maiores riscos) ou de títulos de renda (com menores riscos) perderão dinheiro.

Continuar lendo

Desordem na economia mundial

Autor: C.P. Chandrasekhar; Fonte: Frontline Print – 01/05/2022  

Quando os líderes financeiros mundiais se reuniram em meados de abril em Washington para as reuniões anuais de primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, o clima era de melancolia. A economia mundial está em desordem e os líderes mundiais estão sem saber para onde ela está indo ou o que pode ser feito para evitar um possível colapso.

Na edição de abril de 2022 de seu World Economic Outlook, o FMI reduziu sua previsão de crescimento do PIB para 2022 de seis meses atrás em 1,3 ponto percentual, ou seja, para 3,6%; projeta ademais que o crescimento permaneça abaixo desse nível nos próximos dois anos. A inflação que surgiu como um problema em 2021 vem se acelerando nos últimos três meses; as expectativas de que os aumentos de preços seriam transitórios parecem agora totalmente equivocadas. E os níveis de oferta e as tendências de preços estão sinalizando crises iminentes nos mercados globais de energia e alimentos, com implicações humanitárias assustadoras para nações e populações vulneráveis.

Quatro fatores se combinaram para intensificar a incerteza econômica global.

O primeiro é que, em 2019, ficou claro que os esforços árduos destinados a transitar da Grande Recessão, desencadeada pela Crise Financeira Global de 2008, para um crescimento robusto tiveram, na melhor das hipóteses, sucesso pela metade. Não houve um único ano após 2010 e até 2019, em que o crescimento do PIB global (a preços constantes usando taxas de câmbio de mercado) tivesse se igualado aos níveis de 3,9 e 3,8 por cento atingidos em 2006 e 2007.

Continuar lendo