Desordem na economia mundial

Autor: C.P. Chandrasekhar; Fonte: Frontline Print – 01/05/2022  

Quando os líderes financeiros mundiais se reuniram em meados de abril em Washington para as reuniões anuais de primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, o clima era de melancolia. A economia mundial está em desordem e os líderes mundiais estão sem saber para onde ela está indo ou o que pode ser feito para evitar um possível colapso.

Na edição de abril de 2022 de seu World Economic Outlook, o FMI reduziu sua previsão de crescimento do PIB para 2022 de seis meses atrás em 1,3 ponto percentual, ou seja, para 3,6%; projeta ademais que o crescimento permaneça abaixo desse nível nos próximos dois anos. A inflação que surgiu como um problema em 2021 vem se acelerando nos últimos três meses; as expectativas de que os aumentos de preços seriam transitórios parecem agora totalmente equivocadas. E os níveis de oferta e as tendências de preços estão sinalizando crises iminentes nos mercados globais de energia e alimentos, com implicações humanitárias assustadoras para nações e populações vulneráveis.

Quatro fatores se combinaram para intensificar a incerteza econômica global.

O primeiro é que, em 2019, ficou claro que os esforços árduos destinados a transitar da Grande Recessão, desencadeada pela Crise Financeira Global de 2008, para um crescimento robusto tiveram, na melhor das hipóteses, sucesso pela metade. Não houve um único ano após 2010 e até 2019, em que o crescimento do PIB global (a preços constantes usando taxas de câmbio de mercado) tivesse se igualado aos níveis de 3,9 e 3,8 por cento atingidos em 2006 e 2007.

O segundo foi o início da pandemia de COVID-19 em 2020. A rápida transmissão e a gravidade da difusão da infecção demandaram respostas de governos e estas precipitaram paradas repentinas na atividade econômica. Assim que surgiam sinais de recuperação, logo eles eram embaçados pela perspectiva de outra onda da pandemia.

Terceiro, quando uma recuperação modesta e desigual começou em 2021, à medida que a pandemia diminuiu de intensidade e as restrições à atividade econômica foram relaxadas, o renascimento da demanda por muitos bens e serviços enfrentou obstruções na restauração da oferta. A produção global permaneceu bloqueada em alguns pontos importantes. O resultado foi a volta da inflação em um contexto de demanda reprimida e crescimento lento.

Finalmente, enquanto os líderes de todas as nações lutavam para tirar suas economias do novo normal de crescimento baixo, a guerra eclodiu na Ucrânia. E com ela vieram reduções na produção e sanções econômicas contra a Rússia, o que reduziu ainda mais certos suprimentos, incluindo petróleo, gás e alimentos. O resultado foi uma aceleração da inflação.

O desarranjo econômico em curso não termina aí. Mesmo antes da invasão da Ucrânia, o retorno da inflação colocou os bancos centrais dos países avançados em um dilema. Os dois principais princípios da política macroeconômica neoliberal são os seguintes:

  • a política fiscal deve ser adaptada para garantir que os gastos do governo sejam mantidos sob controle para evitar déficits excessivos nos orçamentos do governo que são financiados com empréstimos; e
  • a principal preocupação da política monetária deve ser o controle da inflação; as alavancas monetárias devem permanecer ajustadas para manter as taxas de inflação dentro de uma determinada meta.

Nos últimos anos, devido à Grande Moderação (o longo período de baixa inflação após o início da década dos anos 1980), os bancos centrais estavam sintonizados para a adoção de um regime de política monetária frouxa, com grandes infusões de liquidez barata no sistema que deveriam combater os efeitos deprimentes do conservadorismo fiscal. Com a adoção global do neoliberalismo na década de 1980, esse regime de política monetária expansionista tornou-se o elemento definidor de uma ação macroeconômica proativa. Embora menos eficaz que o expansionismo fiscal, ela forneceu um verniz de comando estatal sobre o processo de crescimento.

Mais recentemente, tudo isso produziu um dilema. Pelas razões mencionadas anteriormente, o crescimento desacelerou consideravelmente, exigindo que os governos viessem a fornecer um novo estímulo para impulsionar o crescimento. Mas a inflação em alta exige que se repense as políticas monetárias “não convencionais” a serem eventualmente adotadas pelos bancos centrais. Estes mantiveram as taxas de juros próximas de zero e desviaram grandes volumes de liquidez por meio de “flexibilização quantitativa”, ou seja, para a compra de títulos em grande escala.

Como resultado do “medo da inflação”, a compra de títulos parou. E, embora as taxas de juros ainda estejam baixas, espera-se que elas subam acentuadamente ao longo deste ano, com a taxa dos fundos federais dos EUA prevista para subir de menos de 0,5% para 2,5%. Isso deixa as nações avançadas sem alavanca para impulsionar o crescimento enquanto o sistema desliza para outra recessão.

O recuo das políticas monetárias não convencionais também afeta negativamente os mercados financeiros. A disponibilidade de liquidez barata encorajou os especuladores a buscar de retornos rápidos e altos, tomando empréstimos baratos e investindo os recursos nos mercados financeiros. Estes, como se sabe, atingiram alturas vertiginosas nos anos em que a economia real estava, na melhor das hipóteses, lenta. Quando choques como a pandemia do COVID-19 ocorreram, os governos se comprometeram a confiar em estímulos monetários injetados em volumes maiores de liquidez barata, alimentando o boom especulativo nos mercados financeiros.

Embora o boom financeiro tenha levado a uma falsa sensação de confiança entre os detentores de riqueza, também aumentou a vulnerabilidade do sistema. Se, por algum motivo, os bancos centrais tivessem que retirar as medidas de flexibilização quantitativa e/ou aumentar as taxas de juros, os investidores especulativos privados que se nutrem de capital barato seriam forçados a desfazer suas exposições.

Se isso ocorrer, os mercados perderão impulso e até entrarão em colapso. A fuga de capitais de algumas nações pode causar a desvalorização das moedas. As empresas com grandes exposições em moeda estrangeira, algo que cresceu durante a era do dinheiro barato, terão seus custos de juros subindo. O equivalente em moeda doméstica de seus investimentos gera um aumento dos recursos destinados ao serviço da dívida externa. A inadimplência generalizada e a falência são perigos reais.

Em uma virada paradoxal, enquanto a crise desencadeada por esses fatores de médio e curto prazo vem abalando o consenso da política econômica mundial, a invasão da Ucrânia, que intensificou a crise, caiu como um raio na economia mundial. O evento está sendo usado agora para desviar a atenção das fraquezas internas do capitalismo neoliberal que impediu a recuperação total da Grande Recessão e aumentou a vulnerabilidade a choques como o causado pela pandemia do COVID-19.

O World Economic Outlook do FMI reflete a tendência de atribuir grande parte da culpa pela atual situação da economia mundial à invasão da Ucrânia. Em suas palavras: “A guerra na Ucrânia levou a extensa perda de vidas, desencadeou a maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial e atrasou severamente a recuperação global”. No entanto, as evidências sugerem que, apesar da recuperação em 2021, a economia mundial quase conseguiu recuperar o nível em que estaria se continuasse a crescer às taxas registradas em 2018 nos próximos três anos. E poucas economias do mundo se beneficiaram desse retorno à ‘normalidade’.

As economias mais vulneráveis são os países em desenvolvimento e os chamados mercados emergentes como a Índia. Para começar, as condições globais deprimidas significaram que o crescimento das exportações foi por muito tempo contido nessas economias, com o balanço de pagamentos permanecendo administrável apenas porque as importações também caíram, pois o crescimento permaneceu baixo. Em segundo lugar, tanto os países em desenvolvimento pobres quanto os não tão pobres foram os alvos do fluxo de financiamento em busca de rendimento durante os anos de dinheiro barato.

Os países mais pobres puderam acessar os mercados de títulos soberanos por causa das altas taxas de juros que ofereciam para atrair investidores especulativos. E o mercado emergente não tão pobre viu capital livre em busca de altos retornos fluindo para seus mercados de ações e títulos. À medida que as circunstâncias em mudança nos países desenvolvidos limitam a disponibilidade de financiamento barato, os investidores financeiros estão saindo, agitando os mercados de ações e títulos e desencadeando a depreciação da moeda.

Essas tendências foram acentuadas pelas consequências econômicas da guerra na Ucrânia, que fez com que os preços da energia e dos alimentos disparassem e a depreciação da moeda se acelerasse. De acordo com o FMI, cerca de um em cada quatro países de mercados emergentes que acessaram os mercados financeiros internacionais já enfrenta problemas de dívida.

Essa vulnerabilidade financeira tem uma outra dimensão bem ruim: é possível que ocorra um aumento acentuado das taxas de juros domésticas. Os bancos centrais dos países emergentes e dos países pobres, com pouca margem fiscal por conta do conservadorismo ou da imposição da austeridade, ficam apenas com as alavancas monetárias para lidar com a inflação. Essa elevação dos preços vem dos aumentos dos custos da energia e da queda de valor da moeda doméstica (pois se elevam os custos dos insumos importados e dos produtos acabados).

Isso levou à adoção de medidas de aperto monetário e taxas de juros mais altas em meio a uma recessão. Para piorar a situação, há o medo de que os investidores estrangeiros nos mercados de títulos possam optar por fugir dos mercados menores. Por causa dessas circunstâncias econômicas, aumenta a pressão para aumentar as taxas de juros para agradar os investidores com spreads atraentes. De acordo com o FMI, a dívida de mercados emergentes em dificuldades está sendo negociada nos mercados a taxas que refletem spreads de 1.000 pontos base (ou 10 pontos percentuais) em relação aos títulos do Tesouro dos EUA. As taxas de juros assim elevadas apenas deprimem ainda mais a atividade econômica.

Tudo isso sugere que mesmo as projeções de crescimento pessimistas do FMI podem se tornar otimistas, já que os mercados emergentes arrastam a economia global para baixo. Não ajuda nada o fato de que a China tenha escolhido manter sua política de tolerância zero e recorrer a bloqueios brutais após a recorrência de infecções por COVID em cidades como Xangai e Pequim.

Espera-se que isso reduza drasticamente o crescimento em um país que ajudou a sustentar as taxas de crescimento global no passado. Enquanto isso, os governos dos países avançados não sabem o que fazer. A alta inflação, o conservadorismo fiscal e a oposição das finanças impedem a adoção de uma política fiscal expansionista. E quando a inflação é alta, as políticas de dinheiro fácil e as baixas taxas de juros projetadas não são uma opção. Em meio a uma crise cada vez mais intensa, os governos dos países desenvolvidos ficam sem opções so