Uma análise da estagnação das economias europeias

Autores: Ozan Mutlu [1] e Lefteris Tsoufidis [2]

Introdução

Este estudo tem como objetivo medir empiricamente as principais variáveis consideradas pela economia política clássica e marxista em países europeus — França, Alemanha e Reino Unido[3] — abrangendo o período 1995-2023. Ao fazê-lo, procura explicar as causas do fraco desempenho do crescimento desde a grande recessão de 2008-2009.

Como essas economias são significativas na economia global, examinar as suas trajetórias é essencial não apenas para entender, em particular, as suas atuais situações econômica, mas também para apreender as suas tendências globais mais amplas. Eis que o resto do mundo, com exceções, experimentou também um crescimento fraco desde 2007. As projeções para os próximos anos, de acordo como o FMI, continuam apontando para tendências de lentidão.  

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Bem-vindo ao mundo da policrise

Autor: Romaric Godin [1]– Sinpermiso – 02/01/2024

O historiador Adam Tooze ressuscitou a noção de “policrise”, que se tornou um tema favorito das elites políticas e econômicas mundiais. Consideramos, abaixo, a ascensão e queda dessa noção da moda.

Bruno Le Maire, Ministro das Finanças de França desde 2017, não é um escritor prolixo. Mas, nas horas vagas, ele também é profeta. No outono de 2021, quando apresentou a Lei das Finanças de 2022, disse aos deputados que o seu orçamento era a primeira pedra de uma “grande década de crescimento sustentável”. Foi um momento de otimismo: a economia global parecia estar se recuperando rapidamente da crise sanitária. Os comentários de Le Maire ilustram a euforia generalizada que aflorou nos círculos empresariais e entre os principais economistas após a superação da crise sanitária.

No dia 1º de janeiro de 2021, quando as feridas da Covid ainda estavam abertas, um dos principais colunistas do Financial Times, jornal da City de Londres, Martin Sandbu, abriu o ano novo de então com um texto intitulado: “Adeus 2020, ano do vírus; olá ‘loucos anos vinte’.” O termo final da alocução (…) refere-se à década de 1920, que, pelo menos nos Estados Unidos, foi um período de forte crescimento e de nascimento da sociedade de consumo. A posição de Martin Sandbu parecia simples. Os consumidores, tentando esquecer a crise sanitária, tal como um século antes tinham tentado esquecer os horrores da guerra, embarcaram num frenesi de gastos, colocando a economia num círculo virtuoso, ou seja, “na maior prosperidade num século”.

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A crise argentina: uma perspectiva de longo prazo

Autor: Rolando Astarita [1]

A crise atual faz parte de uma longa história de quedas recorrentes do PIB, como mostra a tabela a seguir (Figura 1), que registra as variações anuais do PIB desde 1961 até o presente.  Tomamos como referência a crise de 1975, pois foi a última crise a ocorrer no âmbito da industrialização por substituição de importações (ISI), ou seja, do programa de desenvolvimento da industrialização baseado no mercado interno.

Figura 1

Após essa data, ao longo destes 50 anos, houve nada menos do que por 13 vezes houve “crescimentos negativos” do PIB, totalizando 20 anos ao todo. Em 1981-1982, 1988-1990, 1999-2002 e em 2019-2020, as quedas foram superiores a 10%. Embora os contratempos combinem com anos de crescimento e até mesmo, mais do que compensatoriamente, de alto crescimento. Eis agora como se comportou a inflação no período (Figura 2):  

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Um buraco negro? Crises econômica, bancária e financeira no horizonte

Autor: Jacques Sapir[1] – El viejo topo – 9/06/2023

Uma nova crise econômica internacional está claramente na perspectiva de muitos comentaristas.[2] Problemas crescentes nos sistemas bancários de vários países, nos Estados Unidos com o Silicon Valley Bank e depois com o First Republic Bank, na Suíça com o resgate do Credit Suisse, e na Alemanha com o Deutsch Bank, reavivaram os temores de uma grande crise financeira, como em 2008-2009. Mas há outros problemas no horizonte, como o crescimento lento nos países da União Europeia combinado com o aumento da dívida pública, assim como forte desaceleração da economia dos EUA.

Isso ocorre em um momento em que as economias ainda não se recuperaram totalmente da crise da Covid-19 e estão lutando contra uma inflação não vista desde os anos setenta. Por fim, a progressiva fragmentação das relações comerciais internacionais, processo que se arrasta desde o fim da crise financeira de 2008-2009, mas que se acelerou acentuadamente com as sanções adotadas pelos países ocidentais contra a Rússia, preocupa tanto as organizações internacionais quanto os economistas.[3]

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Criação destrutiva ou risco moral?

Michael Roberts – The next recession blog – 15/03/2022

Enquanto escrevo, os preços das ações e títulos dos bancos regionais dos EUA estão caindo. E um grande banco suíço internacional, o Credit Suisse, está à beira da falência. Uma crise financeira não vista desde a crise financeira global de 2008 parece estar se desenrolando. Qual será a resposta das autoridades monetárias e financeiras?

Em 1928, o então secretário do tesouro e banqueiro dos EUA, Andrew Mellon, pressionou por taxas de juros mais altas para controlar a inflação e o crédito alimentou a especulação no mercado de ações. Sob seu legado, o Federal Reserve Board começou a aumentar as taxas de juros e, em agosto de 1929, o Fed elevou a taxa a um novo patamar. Apenas dois meses depois, em outubro de 1929, a Bolsa de Valores de Nova York sofreu o pior crash de sua história no que foi chamado de “Terça-feira Negra ”. A história se repete, como a velha destruição criativa ou como um novo episódio de risco moral?

Em 1929, Mellon não se intimidou. Ele aconselhou o então presidente Hoover a “liquidar a mão-de-obra, liquidar as ações, liquidar os fazendeiros, liquidar os imóveis… isso eliminará a podridão do sistema. Os altos custos de vida e a alta qualidade de vida cairão. As pessoas vão trabalhar mais, viver uma vida mais moral. Os valores serão ajustados e as pessoas empreendedoras aprenderão com as pessoas menos competentes.”Além disso, ele defendeu a eliminação de bancos “fracos” como um pré-requisito, ainda que difícil, mas necessário, para a recuperação do sistema bancário. Essa “eliminação” seria realizada por meio da recusa de emprestar dinheiro aos bancos (tomando empréstimos e outros investimentos como garantia) e recusando-se a colocar mais dinheiro em circulação. A Grande Depressão da década de 1930 seguiu-se a um grande colapso bancário.

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A taxa de lucro nos EUA com dados de 2021

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 17/12/2022

Todos os anos, analiso a taxa de lucro do capital nos Estados Unidos. Isso ocorre porque os dados dos EUA são os melhores e mais abrangentes e porque os EUA são a economia capitalista mais importante. Muitas vezes, ela prepara o cenário para as tendências do capitalismo global. Agora temos os dados nacionais oficiais para 2021.

Existem muitas maneiras de medir a taxa de lucro à la Marx – ver http://pinguet.free.fr/basu2012.pdf ). Prefiro medir a taxa de lucro observando o mais-valor total de uma economia em relação ao capital privado total empregado na produção. Assim, julgo ficar o mais próximo possível da fórmula original de Marx de s/(C+v), onde s = mais-valia; C = capital constante – que deve incluir tanto o ativo fixo (máquinas etc.) quanto o capital circulante (matérias-primas e componentes intermediários); e v = salários ou custos da força de trabalho. Meus cálculos podem ser replicados e verificados consultando o excelente manual que explica meu método, gentilmente compilado por Anders Axelsson, da Suécia.  

Chamo meu cálculo de medida de ‘economia total’, pois se baseia na renda nacional total após a depreciação e após a remuneração da força de trabalho para calcular o(s) valor(es) excedente(s); ativos fixos privados não residenciais líquidos para capital constante (portanto, isso exclui governo, habitação e imóveis) (C); e remuneração dos empregados por capital variável (v).

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Haverá uma queda no PIB global?

Os economistas estão indecisos. O PIB global só caiu por duas vezes abaixo de zero (em 2008 e 2020) nos últimos 70 anos, ou seja, desde o fim da II Guerra Mundial. No entanto, haverá certamente uma recessão na economia global; o PIB global deverá se situar na casa dos 2%, mas haverá queda do PIB em alguns países importantes da Europa (Alemanha entre elas); uma redução forte do crescimento da economia capitalista nos EUA e na China está também prevista. O gráfico que se segue apresenta um indicador que costuma acertar na vinda de recessões.

Um artigo de Michael Roberts reporta as discussões havidas no encontro anual de banqueiros centrais norte-americanos na vila de Jackson Hole, nos Estados Unidos.

Lá no vale de Jackson Hole

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 27/08/2022

Jay Powell, presidente do Federal Reserve dos EUA, fez um discurso no simpósio anual de verão dos banqueiros centrais em Jackson Hole, Wyoming, EUA. Ele foi observado de perto por investidores financeiros e economistas para ver se apoiaria a estratégia de um “pivô do Fed” na política de taxas de juros. O pivô funcionaria como um abrandamento na atual alta agressiva da taxa básica de juros do Fed.

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Desordem na economia mundial

Autor: C.P. Chandrasekhar; Fonte: Frontline Print – 01/05/2022  

Quando os líderes financeiros mundiais se reuniram em meados de abril em Washington para as reuniões anuais de primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, o clima era de melancolia. A economia mundial está em desordem e os líderes mundiais estão sem saber para onde ela está indo ou o que pode ser feito para evitar um possível colapso.

Na edição de abril de 2022 de seu World Economic Outlook, o FMI reduziu sua previsão de crescimento do PIB para 2022 de seis meses atrás em 1,3 ponto percentual, ou seja, para 3,6%; projeta ademais que o crescimento permaneça abaixo desse nível nos próximos dois anos. A inflação que surgiu como um problema em 2021 vem se acelerando nos últimos três meses; as expectativas de que os aumentos de preços seriam transitórios parecem agora totalmente equivocadas. E os níveis de oferta e as tendências de preços estão sinalizando crises iminentes nos mercados globais de energia e alimentos, com implicações humanitárias assustadoras para nações e populações vulneráveis.

Quatro fatores se combinaram para intensificar a incerteza econômica global.

O primeiro é que, em 2019, ficou claro que os esforços árduos destinados a transitar da Grande Recessão, desencadeada pela Crise Financeira Global de 2008, para um crescimento robusto tiveram, na melhor das hipóteses, sucesso pela metade. Não houve um único ano após 2010 e até 2019, em que o crescimento do PIB global (a preços constantes usando taxas de câmbio de mercado) tivesse se igualado aos níveis de 3,9 e 3,8 por cento atingidos em 2006 e 2007.

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O todo da tempestade: dinheiro, dívida e crise na atual longa depressão

Apresenta-se nessa postagem um artigo muito de Alan Freeman que este blogueiro traduziu já há dois anos para ser publicado numa revista de esquerda que tem a questão da crise capitalista como um tema importante. Infelizmente, por falta de periódico que publica traduções, ele permaneceu guardado no computador durante todo esse tempo. Agora, ele está sendo publicado no próprio blog Economia e Complexidade. Mesmo se perdeu um pouco a atualidade, o texto é muito instrutivo no que respeita à compreensão da crise da perspectiva de Karl Marx.

O artigo investiga os mecanismos e as causas das recessões e depressões. Investiga também a relação destas últimas com as crises financeiras mais espetaculares que as anunciam. Demonstra como o conceito de “expressão monetária do tempo de trabalho” permite entender o aspecto mais difícil dessa relação, a saber, como o dinheiro adquire valor e, assim, torna-se capaz de funcionar como “valor auto expansível”. Em consequência, permite compreender, nas condições específicas que caracterizam as recessões e depressões, porque ele funciona como alternativa ao emprego de capital na produção.

Para lê-lo, é preciso baixar o artigo em pdf.

Do futuro da economia mundial

A economia do mundo como um todo decresceu -3,5% em 2020 em decorrência da crise provocada pelo novo coronavírus; entretanto, segundo estimativas recentes da OCDE, crescerá 5,8% em 2021 e provavelmente algo em torno de 4,4% em 2022. Essa perspectiva tem trazido esperança e até um pouco de euforia para os agentes econômicos que dão suporte ao capital e que se beneficiam de seu processo de valorização: o mundo, segundo eles, vai recuperar o caminho de prosperidade – mesmo, porém, se desconfiam racionalmente dessa predição, é isso o que mais desejam.  Mas, o que esperar de fato da economia mundial na próxima década – e mesmo depois dela?

Fonte: Banco Mundial

Uma primeira resposta a essa pergunta pode ser encontrada examinando simplesmente a evolução da economia mundial nas últimas décadas. A figura acima mostra de forma iniludível que as taxas de crescimento do PIB global têm caído tendencialmente desde o fim da II Guerra Mundial. Se entre 1961 e 1970, esse indicador avançou segundo uma taxa média de 5,4% ano, nas décadas seguintes, essa taxa foi caindo até chegar à média de 2,2% ao ano entre 2011 e 2020.

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