Bem-vindo ao mundo da policrise

Autor: Romaric Godin [1]– Sinpermiso – 02/01/2024

O historiador Adam Tooze ressuscitou a noção de “policrise”, que se tornou um tema favorito das elites políticas e econômicas mundiais. Consideramos, abaixo, a ascensão e queda dessa noção da moda.

Bruno Le Maire, Ministro das Finanças de França desde 2017, não é um escritor prolixo. Mas, nas horas vagas, ele também é profeta. No outono de 2021, quando apresentou a Lei das Finanças de 2022, disse aos deputados que o seu orçamento era a primeira pedra de uma “grande década de crescimento sustentável”. Foi um momento de otimismo: a economia global parecia estar se recuperando rapidamente da crise sanitária. Os comentários de Le Maire ilustram a euforia generalizada que aflorou nos círculos empresariais e entre os principais economistas após a superação da crise sanitária.

No dia 1º de janeiro de 2021, quando as feridas da Covid ainda estavam abertas, um dos principais colunistas do Financial Times, jornal da City de Londres, Martin Sandbu, abriu o ano novo de então com um texto intitulado: “Adeus 2020, ano do vírus; olá ‘loucos anos vinte’.” O termo final da alocução (…) refere-se à década de 1920, que, pelo menos nos Estados Unidos, foi um período de forte crescimento e de nascimento da sociedade de consumo. A posição de Martin Sandbu parecia simples. Os consumidores, tentando esquecer a crise sanitária, tal como um século antes tinham tentado esquecer os horrores da guerra, embarcaram num frenesi de gastos, colocando a economia num círculo virtuoso, ou seja, “na maior prosperidade num século”.

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Blanchard: uma celeuma sobre a fonte da inflação

NT: Tem-se em sequência uma discussão muito instrutiva sobre o processo inflacionário, a qual foi suscitada por uma posição “inusitada” assumida pelo conhecido economista do sistema, Oliver Blanchard. Ele propõe enxergar o processo inflacionário atual como decorrente de um conflito distributivo entre salário e lucro – uma expressão econômica da luta de classes. O “erro” aparente que ele comete é que, atualmente, o poder de barganha dos trabalhadores é muito baixo. Logo, a inflação corrente se deve a um conflito distributivo que ocorre no processo da concorrência entre os próprios capitalistas; eis que eles lutam por margens de lucro superiores aumentando os preços. Mas o seu verdadeiro erro é que, do ponto de vista da crítica da economia política, essa teoria do conflito distributivo não passa de “economia vulgar”, uma teorização que fica nas aparências das coisas. Aqui está a postagem sobre isso.

Inflação e distributivo conflito . Além disso, uma resposta ao debate em torno desse tópico proposto por Blanchard.

Autor: Adam Toose – Chartbook #185

O ano de 2022 terminou com os dois principais bancos centrais do Ocidente novamente um pouco fora de sintonia. O Fed está diminuindo o ritmo dos aumentos de juros. Enquanto isso, os falcões do BCE estão sinalizando novos passos para um aperto severo, mesmo quando a inflação na Europa começa a esfriar.

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Policrise: pensando na corda bamba

Autor: Adam Tooze [1]

Chartbook nº 165 – 29/10/2022

Policrise é um termo que encontrei pela primeira vez quando estava terminando Crashed,[2] em 2017. Foi invocado por Jean-Claude Juncker para descrever a situação perigosa da Europa no período após 2014. No espírito do “Eurotrash” [3], entusiasmei-me com a ideia de passar a usar um “conceito” encontrado nessa fonte específica. Juncker confirma o maravilhoso retrato de Nick Mulder do “Homo Europus”. Descobriu-se que Juncker obteve a ideia do teórico francês da complexidade e do veterano da resistência, Edgar Morin, mas isso é uma outra história.

Entretanto, policrise surgiu também como um termo no subcampo dos estudos da arte na União Europeia, tendo sido retomado, entre outros, por Jonathan Zeitlin.

Considerei a ideia de policrise interessante e oportuna porque o prefixo “poli” chamava a atenção para a diversidade dos desafios, sem especificar uma única contradição dominante ou fonte de tensão ou disfunção.

O termo parecia ainda mais relevante diante do choque da COVID. Empreguei-o em Shutdown [4] para contrastar essa visão europeia bastante indeterminada da crise, por um lado, com a visão americana, mais compacta, para não dizer solipsista, de uma grande crise nacional centrada na figura de Donald Trump e, por outro, com a perspectiva de Chen Yixin, um dos principais pensadores do aparato de segurança de Xi Jinping.

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O que impulsiona a inflação?

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

A conta do padeiro?

Há várias teorias de inflação. Há também várias pseudoexplicações para o fenômeno inflacionário que vem acompanhando o desenvolvimento do capitalismo no pós-guerra. Pode-se dizer que uma inflação rastejante nunca mais abandonou o capitalismo quando os sistemas monetários perderam a âncora do padrão-ouro. Pode-se lembrar que houve todo um período na década dos anos 1970 do século passado em ocorreu não apenas inflação, mas estagflação.

Aqui vai-se fazer um comentário sobre uma explicação da inflação encontrada numa postagem do famoso historiador econômico inglês, Adam Toose. Apresenta-se, por isso, em sequência um longo trecho traduzido de seu escrito no Chartbook 122, de 17 de maio de 2022.

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Dilema energético: jogo de soma zero

Autor: Cédric Durand – 17/11/2021 – Blog Sidecar da NLR

Em minha recente intervenção no blog Sidecar, desenvolvi o argumento de que as perturbações econômicas desencadeadas pela alta dos preços de energia – especialmente no mercado de gás – podem estar conectadas às políticas climáticas dos governos. Adam Tooze, respondendo em seu Chartbook # 51 , desafia essa tese que chamei de “dilema energético”. O que Tooze rejeita sem ambiguidade é o mote de que as empresas de combustíveis fósseis ocidentais avaliaram a perspectiva de mudanças nas políticas relacionadas ao clima em seu comportamento de investimento e que isso contribuiu para as tensões no lado da oferta que vieram à tona neste outono. Embora eu concorde que evidências mais fortes são necessárias para chegar a uma conclusão definitiva, ainda assim tenho várias reservas sobre o ensaio de Tooze.

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Dilema energético: outra explicação

No texto em sequência Adam Toose contesta a tese de Cédric Durand de que uma contradição – a acumulação de capital requer elevação da oferta de energia, mas a crise climática opera para diminui-la – está presente na transição energética. Num poste a ser brevemente publicado, Cédric Durand fornece a sua resposta.

Autor: Adam Toose, 20/11/2021, Chartbook

Em 2021, os preços da energia em todo o mundo dispararam dando origem ao boato sobre a existência de uma “crise energética”.

Por que a oferta de carvão, petróleo e gás ficou tão aquém da demanda? Depois de um artigo no New Statesman e uma troca de ideias com Richard Seymour, volto à questão novamente. E não apenas porque a indústria de energia é complicada e fascinante, mas porque a resposta que dei é crucial para localizar onde se está na batalha pela transição energética.   

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Do keynesianismo ainda

Publica-se nesse post a tradução para o português de uma terceira resenha do livro In the long run we are dead (No longo prazo estaremos todos mortos) de Geoff Mann que trata do keynesianismo e de sua importância histórica como posição diante do evolver inquieto do capitalismo.

Como se sabe, o keynesianismo se apresenta como uma alternativa de política econômica que se contrapõe às correntes liberais que minimizam ou pretendem minimizar o papel do Estado no provimento do emprego no sistema econômico como um todo.

Trata-se de uma resenha feita pelo historiador britânico Adam Toose que tem, como se sabe, uma enorme simpatia pelo keynesianismo. A grande interrogação que ele nos apresenta é a seguinte: “enquanto o mundo derrete diante de nossos olhos [devido às mudanças climáticas], o que o gerencialismo keynesiano tem a oferecer aos nossos filhos e netos?

De qualquer forma, ela aponta a China pós Mao como o país em que ainda estão sendo aplicadas as lições do keynesianismo, aliás, como enorme sucesso – ainda que esse sucesso não esteja isento de graves problemas ambientais, econômicos e sociais e que seja da modalidade autoritária.

A tradução se encontra aqui: Tempos tempestuosos