Realizando a filosofia: Marx, Lucáks e a escola de Frankfurt

Autor: André Feenberg [1]

Resumo

Este artigo[2]explica a filosofia da práxis de quatro pensadores marxistas, os primeiros Marx e Lukács, e os filósofos da Escola de Frankfurt, Adorno e Marcuse. A filosofia da práxis sustenta que os problemas filosóficos fundamentais são, na realidade, problemas sociais concebidos abstratamente. Esse argumento tem duas implicações: por um lado, os problemas filosóficos são significativos na medida em que refletem contradições sociais reais; por outro lado, a filosofia não pode resolver os problemas que identifica já que só a revolução social pode eliminar as suas causas sociais.

Eu chamo isso de argumento “metacrítico”. Argumento que a metacrítica, nesse sentido, subjaz à filosofia da práxis, podendo ainda informar o nosso pensamento sobre a transformação social e filosófica. As várias projeções de tais transformações distinguem os quatro filósofos discutidos neste artigo. Eles também diferem no caminho para a mudança social. Eles desenvolveram o argumento metacrítico sob as condições históricas específicas em que se encontravam. As diferenças nessas condições explicam grande parte da diferença entre as teses, especialmente porque a filosofia da práxis está ancorada na circunstância histórica – daí decorre a resolução revolucionária mais ou menos plausível dos problemas quando estão escrevendo.

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Mais escuro? Quer um mundo mais escuro?

 Três temas entrelaçados: uma sociedade doente, os adoradores de Trump e o triângulo dramático

Bruce E. Levine [1]  – Counterpunch – 20/03/2024

Em 3 de março de 2024, a pesquisa New York Times/Siena informou: “Donald Trump lidera em relação a Joe Biden; obteve 48% a 43% entre os eleitores registrados”. Alguns milhões de americanos estão horrorizados com o fato de que outros milhões de americanos estão prontos para eleger como presidente não apenas um canalha, mas um canalha que não disfarça a sua canalhice.

Eis, pois, que uma pergunta apavorada sobrevém: o que será necessário para que os apoiadores de Trump finalmente fiquem horrorizados com ele? Quanto de fraude financeira? Quanto de interferência eleitoral? Quanta incitação a novas insurreições? Quantas obstruções da Justiça? Quantos furtos mais de documentos de defesa nacional? Quantas empreiteiras mais entrarão em falências? Quantas agressões sexuais? Quantos comentários sobre “agarrar na xoxota”?

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Da noção de capital financeiro

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

O capital financeiro e a financeirização são fenômenos conexos que se manifestaram no século XX, sem terem nascido ab ovo nem de novas hegemonias de classe nem de grandes mudanças de política econômica, historicamente datadas. Não podem, portanto, serem vistos como desvios sociais, políticos ou econômicos que não existiriam em um capitalismo alternativo e melhor, tal como costuma pensar certas correntes do marxismo vulgar e do keynesianismo crítico.

Eis que são processos inerentes ou próprios da lógica de desenvolvimento do capital, os quais não podem ser anulados ou revertidos ao bel-prazer de políticas econômicas alternativas. Ainda que estas em geral possam condicioná-los ou modificá-los, respondem, com graus de liberdade, às exigências estruturais e às crises do próprio capitalismo. Para entender tais fenômenos intrínsecos ao devir histórico desse sistema é preciso voltar à apresentação dialética em que consiste O capital. Contudo, é justo começar discutindo escritos do autor que examinou essa questão exaustivamente.

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Tocar os corpos, mudar o mundo

IHU: Vivemos um tempo de mal-estar generalizado. Paradoxalmente, o mesmo sistema que o provoca nos oferece os remédios. No entanto, estes anestésicos ou alívios imediatos prometidos nos impedem de formular as perguntas necessárias para mudar desde a raiz as condições de vida daninhas. Como sair desta espiral catastrófica?

Em Capitalismo libidinal (Ned Ediciones, 2024), Amador Fernández-Savater nos propõe, de forma machadiana, trilhar um novo caminho para estar no mundo de uma forma diferente, reapropriando o nosso próprio mal-estar como energia de mudança e transformação. Chama este caminho de “políticas do desejo”. Eis que “As ideias que não tocam os corpos deixam o mundo igual”.

Spinoza dizia que a essência do ser humano é desejar, o que chamava de apetites naturais. Contudo, quando essas necessidades biológicas se tornam desejos socialmente construídos, e que demandam algo que não precisamos, tornam-se capitalismo.

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Felicidade subversiva

A felicidade talvez tenha sido a maneira ocidental de discutir o que hoje é chamado de “bem viver” ou de “vida bem gostosa”. Ou seja, discutir a própria definição da vida boa

Amador Fernández-Savater[1] – 20/05/2023 – CTXT

Abraçando a nova direção / Acácio Puig

“Povos felizes não têm história”

A felicidade, hoje, pressiona negativamente o pensamento crítico. Eis que é considerada como uma ilusão. Mas também, soe ser pensada como um mandato obrigatório, como um sonho complicado da classe média: “seja feliz!”.

Postei no Facebook uma citação de Pasolini a favor da felicidade e alguém imediatamente respondeu: “Pasolini capacitista! – a felicidade está cancelada”.

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O mau estado do bom capitalismo – é isso?

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 28/03/2024

O livro The State of Capitalism: Economy, Society, and Hegemony – em português, O Estado do Capitalismo: economia, sociedade e hegemonia – (Verso, 2023), é uma obra ambiciosa.  Foi escrito por um grupo autodenominado de Coletivo, sob a liderança do professor Costas Lapavitsas, da Universidade SOAS, de Londres. A obra busca analisar todos os aspectos do capitalismo no século XXI a partir de uma perspectiva marxista.  Foi amplamente elogiado por nomes como Yanis Varoufakis e Grace Blakeley, estrelas luminosas entre os economistas de esquerda.

Segundo os autores, o livro “é o resultado de uma escrita coletiva que combina diferentes tipos de conhecimento e experiência”.  Eis que, durante vários anos, a Rede Europeia de Investigação em Política Social e Econômica (cuja sigla em inglês é EReNSEP) tem sustentado um esforço voluntário por parte de seus membros…. A escrita é coletiva, mas expressa uma voz comum.”

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Do “homem”, talvez, ao homem (sujeito)

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

No pequeno texto que se segue faz-se um comentário sobre o escrito de Ian H. Angus, A dissolução do humanismo marxista (Angus, 2018) publicado neste blog (aqui e aqui), com o objetivo de mais bem compreendê-lo. Esse filósofo norte-americano parte da constatação de que, nos anos sessenta do século passado, o marxismo relevante – para além do marxismo soviético que dominava nos partidos comunistas influenciados pelo estalinismo – veio a ser um “humanismo marxista” ou, o que seria o mesmo, um “marxismo existencial”.

Para essa corrente, que prosperou às margens da corrente principal bem mais volumosa, haveria uma essência humana, mas ela estaria perdida por enquanto nas formas de vida social existentes e que existiram no passado. Se está assim negada pelas condições históricas prevalecentes até a atualidade, pode ser recuperada eventualmente por meio de uma luta contra essas condições, visando mudá-las.  

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Finança e capital industrial

Autores: Scott Sehon e Stephen Maher[1]

Tradução: Sofia Schurig (Jacobina, 5/04/2024).

Hoje, é praticamente dado como certo por figuras políticas desde Hillary Clinton até Bernie Sanders que o aumento da finança nas últimas décadas ocorreu às custas da indústria. Essas opiniões também são amplamente difundidas entre os economistas políticos críticos, talvez o mais proeminente deles seja Robert Brenner e Cédric Durand. Seu surgimento, diz Durand, está “enraizado no esgotamento da dinâmica produtiva nas economias avançadas e na reorientação do capital para longe do investimento produtivo doméstico”. Segundo essa visão, o capital industrial “real” foi superado pelas atividades “fictícias” da finança. O aumento desta última é um sintoma de uma “fase tardia” do capitalismo, um prenúncio da disfunção e declínio do sistema.

Para Brenner e Durand, o aumento deste setor financeiro corrosivo dependeu crucialmente de sua capacidade de capturar o estado – levando à formação do que Brenner e Dylan Riley chegaram a chamar de uma nova forma de capitalismo, “capitalismo político”. Segundo esses teóricos, isso tem sido talvez acima de tudo evidente na política de flexibilização quantitativa (QE) do Federal Reserve ao longo de décadas: “infusões monetárias ininterruptas dos bancos centrais”, que Durand vê como resultado de “chantagem” por parte de um setor financeiro corrosivo.

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A dissolução do marxismo humanista (II)

Autor: Ian H. Angus

Publica-se agora a segunda parte do artigo de Ian H. Angus. A primeira foi publicada e está aqui. Em sequência se publicará uma nota do autor deste blogue:

3. A dissolução do marxismo humanista

Sugeri que a filosofia dos anos sessenta deveria ser entendida como um espaço discursivo próprio e não como uma doutrina específica. Agora quero me concentrar em certos aspectos problemáticos do humanismo marxista, os quais provocaram reações e desenvolvimentos subsequentes que levaram à sua dissolução. Usando a terminologia em uso no discurso filosófico contemporâneo, esses desenvolvimentos constituíram o campo do “pós-estruturalismo”. Podem, assim, ser explicados com referência a várias obras altamente influentes de Michel Foucault e Jacques Derrida. Abrindo um parêntese, pode-se dizer o discurso anglófono foi assim marcado por uma mudança na referência primária já que se transladou da filosofia alemã para a francesa. E essa dissolução começou já no auge do humanismo marxista.

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A entropia requer o decrescimento

Autor: Crelis Rammel[1]

Introdução

Uma fera voraz devora o equivalente a um monte Everest inteiro de recursos a cada 20 meses. Também acelera o seu metabolismo, pois vai reduzir esse prazo para apenas 10 meses nas próximas duas décadas.[2] Ao encher a barriga, a fera esgota seu ambiente e o sobrecarrega com resíduos, interrompendo os sistemas naturais de renovação de recursos e gestão de resíduos. Em última análise, aniquila seu próprio habitat. Refiro-me, naturalmente, ao capitalismo global.

Esse sistema exige acumulação contínua de capital e vacila quando se vê prejudicado nesse processo. A resposta típica à crise ecológica não consiste, portanto, em restringir o crescimento econômico, mas em depositar toda a esperança na eficiência, circularidade, desmaterialização, descarbonização e outras inovações verdes orientadas para o lucro dentro do capitalismo.

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