O sítio publica artigos de Eleutério F S Prado. Divulga, também, textos importantes sobre economia política e sobre o tema da complexidade. Tem como princípio fundamental que a única boa alternativa para resolver os problemas da humanidade é a democracia.
Para entender a metapsicologia de Sigmund Freud é preciso fazê-lo metodologicamente. Eis que ele pensa o homem social do seu tempo partindo do homem animal que ainda, supostamente, mora dentro dele, apesar de ter sido já transformado pela civilização. Ora, esse homem animal é para ele, essencialmente, um ser pulsional.
Antes de apresentá-lo como tal, é preciso começar lembrando que a existência humana percorre ciclos sucessivos de atividade e inatividade e que eles acontecem num tempo de vida limitado. Como se sabe, essa ciclicidade se inicia no útero e termina na morte.
O clima físico e afetivo hoje é revanchista, desigual, sacrificial para com os mais fracos. É aí que as mensagens da direita pegam. Não tanto por causa de sua força de convicção, persuasão ou sedução, mas porque ressoam com corpos tensos
“Só o amor nos permite escapar da repetição” (Jorge Luis Borges)
O que significa a “onda reacionária” globalmente, aqui na Espanha [e na América Latina]? Como entender esse fenômeno complexo e multifacetado para melhor combatê-lo?
Proponho esta interpretação: a onda reacionária está tentando sustentar um mundo em crise, um modelo que está vazando para todos os lados.
O que hoje se chama de “policrise” (a combinação das crises climática, energética, alimentar, econômica etc.) refere-se fundamentalmente a uma “crise de presença”, entendida como a crise do modo de vida ocidental baseado no constante impulso de expansão, crescimento e conquista. Uma crise civilizacional de alcance planetário.
A mudança [3] para além da estreita questão psicológica sobre “quem resiste?” para a questão “de onde vem a resistência?” – a sua descentralização e afastamento do indivíduo psicológico e de sua consciência –, revelaram a Freud a onipresença da resistência. Disso resultou a fundamentação das estruturas libidinais e sociais numa ação constitutiva de resistência, a qual ele chamou de Urverdrängung, ou seja, repressão primária:
Temos motivos para assumir que existe uma repressão primária, uma primeira fase de repressão, que consiste em negar entrada na consciência do representante psíquico (ideia) da pulsão. Com isso, uma fixação é estabelecida; o representante em questão persiste inalterado a partir de então e a pulsão permanece presa a ele… O segundo estágio de repressão, repressão propriamente dita, afeta os derivados mentais do representante reprimido ou as sequência de pensamento que originaram outros lugares, entrando em conexão associativa com ele.
Por causa dessa associação, essas ideias experimentam o mesmo destino do que foi reprimido primeiramente. A repressão propriamente dita, portanto, é na verdade uma pós-pressão. Além disso, é um erro enfatizar apenas a repulsão, que opera a partir do consciente em direção ao que deve ser reprimido; tão importante é a atração exercida pelo que foi reprimido principalmente sobre tudo com o qual ela pode estabelecer uma conexão. Provavelmente, a tendência para a repressão falharia em seu propósito se essas duas forças não cooperassem, se não houvesse algo reprimido anteriormente para receber o que é repelido pelo consciente.
O axioma político-ontológico de Thatcher implica que a soma dos indivíduos (e suas famílias) de forma alguma excede suas partes, que não há excedente social sobre a organização da subjetividade (individualidade) e parentesco (família). Insistir, ao contrário, que existe algo como a sociedade implicaria que o “ser-com” ou o ser social excede e constitui o indivíduo e, consequentemente, que a individualidade não implica indivisibilidade. Eis o que ela disse:
Eles [os fracos, os carentes e os ressentidos] jogam os seus problemas para a sociedade, mas quem é a sociedade? Não existe tal coisa! Existem homens e mulheres individuais e famílias, e nenhum governo pode fazer nada exceto por meio das pessoas e as pessoas olham primeiro para si mesmas
Resumo: As pulsões sexuais põem a vida num corpo (vivo por isso), o qual sem elas estaria morto; por isso mesmo a pulsão de morte, a morte pulsional melhor dizendo está pressuposta nas manifestações da vida.
Autora: Alenka Zupančič
Para os filósofos lacanianos a noção de pulsão de morte tem uma função muito importante e persistente, pois aparece geralmente em pontos cruciais de vários argumentos conceituais. Apesar de haver esclarecimentos (e exemplos) do que essa noção nomeia e se refere, há ainda muita confusão a esse respeito. Pode ser que essa confusão venha do fato maior de que essa noção está e permanece em processo de construção no interior da psicanálise.
Não que as outras noções freudianas estejam simples e totalmente estabelecidas e fixadas, sem possibilidade de que possam ter ainda uma vida conceitual mais longa, mas a pulsão de morte parece carecer particularmente de algum tipo de ancoragem inicial ou fundamental. A razão é muito simples: o que Freud, em Além a princípio do prazer, apresenta primeiro sob o rótulo de pulsão de morte (Todestrieb) não é exatamente o que “nós” lacanianos (e eu me incluo entre eles) entende por ela.
Em postagem anterior, procurou-se entender melhor a categoria psicanalítica de “pulsão de morte” tal como aparece na literatura mais recente, a qual tem feito um esforço contínuo para depurá-la de suas imprecisões. Como foi visto nessa resenha, essa noção – e isso é algo bem conhecido – é bem ambígua e controversa; os psicanalistas em geral divergem não só quanto ao seu significado, mas também se ela deve ser acolhida ou não como válida no próprio corpo da teoria. Para apresentar uma crítica dessa suposta categoria, vale-se aqui de uma sua apresentação feita por Christian Dunker:
A hipótese mais especulativa de Freud, como cientista e materialista, consistiu em dizer que a vida é um parêntese entre dois estados inorgânicos. Por isso, haveria uma tendência de retorno ao estado anterior que explicaria o aparentemente gosto irracional do humano pela repetição, mesmo quando isso implica em dor, desprazer e morte.[2]
A pulsão de morte, portanto, está ligada às repetições compulsivas das experiências traumáticas. Manifesta-se, portanto, como um desejo de aniquilamento, de destruição seja de si mesmo seja dos outros. Por isso mesmo, a própria existência da sociedade dependeria de sua contenção, de seu enceramento dentro de limites.
A pulsão de morte explicaria por que parte substancial de nossa cultura, de nosso brincar e de nossos laços sociais depende de certa administração da agressividade e, portanto, da contenção, mas também da participação, de nosso gosto por destruir.[3]
Em artigo anterior, discutiu-se um pouco a relação entre essas duas infinitudes examinando o seu encontro em A Política de Aristóteles e em Freud por meio do Marcuse de Eros e civilização. Eis que é preciso ir além.
Como se sabe, já em Freud se encontra uma tendência persistente de pôr a história entre parênteses na caracterização da psique; em sua investigação sobre as causas dos males da mente, ele busca encontrar invariantes antropológicos. Quando se lê, por exemplo, o seu Além do princípio do prazer, vê-se com clareza que o texto se desenvolve em torno da questão de encontrar princípios que deem conta da complexidade do comportamento humano. Como os males que afetam os indivíduos sociais aparecem como conflitos, os princípios buscados são sempre duais e eles implicam inexoravelmente numa luta de contrários – à rigor, não dialética. Ademais, eles se assentam sempre na oposição entre vida e morte. Eis o que é dito na obra consultada:
Partimos de uma nítida separação entre pulsões do Eu = pulsões de morte e pulsões sexuais = pulsões de vida. Incluímos os chamados instintos de conservação entre os de morte, algo que agora retificamos. Desde o princípio nossa concepção era dualista e hoje é mais claramente dualista do que antes (…) denominamos agora os opostos (…) de pulsões de vida e de morte.
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