O domínio exuberante do capital fictício

Autor: Renildo Souza[1]

O papel crucial da ciência e da tecnologia na economia capitalista do século XXI favorece a valorização das mercadorias-conhecimento gerando as chamadas renda-conhecimento

Neste artigo, centrado na categoria capital fictício e nos bancos, voltamos a discutir as possíveis pistas, os começos de elaboração, acerca da finança da lavra de Karl Marx na Seção V do livro III de O capital.

Em sua definição, Marx explicou: “A formação do capital fictício tem o nome de capitalização. Para capitalizar cada receita que se repete com regularidade, o que se faz é calculá-la sobre a base da taxa média de juros como o rendimento que um capital, emprestado a essa taxa de juros, proporcionaria”.[i]

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Mudou, mas ainda é capitalismo

Autor: Cédric Durand[1]

O teórico Fredric Jameson diz que “o mercado é… o Leviatã em pele de cordeiro”; “a sua função não consiste em encorajar e perpetuar a liberdade, mas sim em reprimi-la”. [2] A ideologia do mercado se sustenta numa aparência de liberdade, mas, na verdade, proíbe os seres humanos de tê-la, ou seja, que eles possam tomar coletiva e conscientemente o seu destino econômico nas próprias mãos, alegando que tal iniciativa só pode levar à tragédia. Segundo ela, nós temos a sorte de poder deixar as coisas para o Deus oculto da mão invisível, o mercado smithiano que transforma vícios privados em virtudes públicas e que, supostamente, transforma o choque de interesses em algo harmonioso?[3]

Esse mito leva a uma abdicação da liberdade de deliberar e, assim, do poder organizar o futuro. Implica também no abandono da possibilidade de rever os planos em conjunto conforme se desenrola o inesperado. Por meio do projeto neoliberal de livre mercado, as sociedades abandonam o domínio das coisas ao longo do tempo para confiar nos mecanismos impessoais das finanças.

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Quem possui e controla o capital globalmente

Autora: Albina Gibadullina [1]

Resumo [2]

Desde a década de 1980, as finanças dos EUA cresceram desproporcionalmente em poder e influência, à medida que os fundos de investimento americanos se tornaram os maiores acionistas das corporações americanas, administrando dezenas de trilhões de dólares em investimentos. Este artigo fornece uma nova análise empírica da ascensão do capitalismo de gestores de ativos nos Estados Unidos.

De fato, ele explora a extensão de sua disseminação global, examinando o Formulário SEC de investidores institucionais dos EUA, juntamente com um extenso conjunto de dados de propriedade corporativa global fornecido pela Orbis. Este artigo conclui que as finanças dos EUA possuem aproximadamente 60% das empresas listadas nos EUA (era apenas 3% em 1945) e 28% do patrimônio de todas as empresas listadas globalmente.

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O dilema da dívida

O crédito tem um papel crucial na economia capitalista: um artigo de Michael Roberts esclarece esse tema justamente no momento em que se desenrola  aquela que será provavelmente a maior crise histórica do capitalismo. É bem possível que a crise catastrófica dos anos 1930 perderá o seu posto já que a economia capitalista está financeirizada como nunca esteve antes.

O crédito permite alongar o pagamento de mercadorias pelos consumidores, em especial as de grande valor monetário como os bens duráveis e as residências.

Ele permite que os investimentos em projetos maiores e mais longos sejam financiados quando os lucros reciclados internamente às empresas não são suficientes.

O crédito permite, portanto, uma circulação mais eficiente do capital destinado à circulação de mercadoria, ao investimento e à produção corrente.

Os mercados financeiros se alimentam do crédito concedido aos governos, às empresas e às família. Ele tem, portanto, o potencial para alavancar o funcionamento do sistema como um todo.

Mas o crédito se torna dívida; assim, embora possa ajudar a expandir a acumulação de capital, caso os lucros não sejam suficientes para servir a essa dívida (ou seja, para pagar o principal e os juros aos credores), a dívida se torna um fardo que consome os lucros e a capacidade de expansão do capital.

O escrito de Michael Roberts está aqui: O dilema da dívida

Convite ao sacrifício

“O sistema capitalista mundial entrou na crise mais grave de sua história, cujas consequências – caso ela não seja rapidamente superada – podem até ir além da crise da década de 1930.”

É assim que o editor alemão apresentou o artigo que se segue de um autor que parece ver um colapso econômico em consequência do estado da economia capitalista e do impacto da crise do coronavírus:

“Tomasz Konicz é um jornalista alemão-polonês, autor de vários ensaios teóricos e analíticos que perscrutam o mundo, neste século XXI, submetido à força de sucção do capital, com base na perspectiva da crítica do valor-dissociação.

A teoria da crise de Marx está geralmente associada à lei da tendência de queda da taxa de lucro apresentada no terceiro volume de O Capital. As correntes da crítica do valor e da crítica do valor-dissociação mostram, pelo contrário, que existe uma “primeira versão” da teoria da crise nos textos de Marx, a qual foi esboçada especialmente nos Grundrisse.

Ela atribui a crise secular da economia capitalista ao declínio absoluto do trabalho vivo e, consequentemente, à queda não apenas da taxa média de lucro, mas principalmente da massa de mais-valor socialmente produzido. Somente essa “primeira versão” da teoria da crise permite compreender de modo coerente o limite interno absoluto do capital.

A “riqueza” na era do capital fictício, momento em que o modo de produção e de vida capitalista não pode mais sobreviver, exceto por meio do consumo da produção futura de mais-valor,

E esta, em última análise, nunca chegará a ser realizada nas proporções requeridas. Eis que ela aparece, agora, como uma gigantesca coleção de dívidas públicas e privadas que ameaça entrar em colapso. Konicz analisa em sequência o último empurrão dado nesse processo fundamental de crise: sob os efeitos da pandemia do Covid-19, grande parte da máquina de exploração global está parando.”

O artigo está aqui: A crise do coronavírus e do capitalismo

Bitcoin e outros falsos

O dinheiro digital, tal como bitcoin, é mesmo dinheiro? Se a pergunta é mantida nesse nível de generalidade, sem qualquer referência histórica, advirá dela uma reposta necessariamente errada. A pergunta certa que demanda uma resposta historicamente adequada é a seguinte: o bitcoin é dinheiro no capitalismo? Claus Peter Orlieb, um dos críticos do valor que escreve na revista Exit, dá uma resposta bem interessante para essa pergunta inesperada. Pois, ela desafia o senso comum das pessoas comuns e dos economistas vulgares do sistema tal como ele aí está.

Segundo ele, o bitcoin é uma espécie de dinheiro falso que não mais se disfarça numa aparência de dinheiro verdadeiro. Eis que, segundo ele, o próprio dinheiro fiduciário que circula agora nas economias capitalistas em geral, é também dinheiro falso (o autor desta introdução usaria o termo fictício). É, sim, falso, com uma diferença em relação ao que figura como dinheiro digital: por receber a chancela do Estado, ele se encontra devidamente disfarçado como dinheiro real. A partir dessa compreensão, ele tira também uma conclusão inusitada…

Eis que, para ele, o dinheiro-papel, que deixou de ser signo do ouro, não é um desenvolvimento “normal” ou “mais verdadeiro” do dinheiro, mas, ao contrário, uma forma histórica verdadeiramente irracional.

 Ver aqui: Do dinheiro digital e outros falsos

Da crítica truncada

Imagem do Sursis II

Uma das teses mais populares sobre a crise econômica iniciada em 2008, muito difundia na esquerda keynesiana e marxista, sustenta que ela surgiu como resultado da exacerbação das atividades financeiras deslanchada ao fim da década dos anos 70 do século XX. Conforme reza, o advento do neoliberalismo na década dos anos 80 trouxe consigo o afrouxamento dos controles sobre a criação de capital financeiro, assim como, em consequência, a financeirização das empresas capitalistas voltadas para a produção de bens e serviços como mercadorias.

Um dos resultados dessas reformas liberalizantes teria sido a queda da taxa de acumulação – e do crescimento econômico –, principalmente nos países do centro do sistema. A financeirização, segundo essa ótica, disparou um processo anômalo de expansão dos títulos, ações, etc. que se auto realimentou, que se autonomizou, e que puncionou sistematicamente parte dos lucros obtidos nas atividades produtivas. Em consequência, a taxa de investimento caiu inexoravelmente para níveis bem baixos. A transformação da economia que havia sido construída após a II guerra mundial sob a orientação do keynesianismo, uma pujante máquina de crescimento, teria produzido, após as reformas neoliberais, apenas um sistema em que o crescimento se tornou anêmico e o rentismo passou a prosperar sem qualquer vergonha.

Os teóricos da corrente “crítica do valor” consideram essa avaliação do evolver do capitalismo gestado pelo neoliberalismo como uma crítica truncada. Para começar, ela omite que o capital financeiro, que é mais propriamente denominado de capital fictício, constitui-se como uma forma intrínseca e necessária da relação de capital. E que, por isso mesmo, existe em simbiose com capital funcionante: eis que toda operação financeira está ancorada direta ou indiretamente na produção real de mais-valor; não apenas colhe parte do mais-valor aí produzido, mas também permite e induz que ele seja aí criado. Se o capital funcionante se valoriza ao agregar valor atuando diretamente na esfera da produção mercantil, o primeiro se valoriza indiretamente, fora dessa esfera, mas somente o faz porque antecipa mais-valor que ainda vai se realizar ou ainda vai ser produzido no futuro. Logo, não apenas punciona mais-valor, mas também estimula a sua produção. Não faz sentido, portanto, confundir o jurismo com o rentismo tal como costumam fazer aqueles que não são capazes de ir além de uma crítica truncada do capitalismo.

Os teóricos da “crítica do valor” julgam, assim, que é enganoso considerar o capital financeiro como uma intrusão que parasita e abate o capital funcionante. Ademais, pensam também que esse capital, ao contrário do que admitem os autores da crítica truncada, teve um papel decisivo na sustentação da acumulação no período neoliberal. Se ela foi fraca, mas fraca ainda teria sido sem o boom de capital fictício observado em todo período. Pois, segundo eles, o advento da terceira revolução industrial reduzira drasticamente a possibilidade de crescimento da massa de mais-valor, jogando o capitalismo realmente existente num processo de estagnação e de declínio.  Nessa circunstância, a acumulação sustentada pela expansão explosiva do capital financeiro foi a única forma capaz de manter o sistema funcionando sem cair numa depressão profunda. Ora, para fornecer uma amostra do conteúdo desse argumento, publica-se aqui um excerto tirado do livro A Grande Desvalorização de Ernst Lohoff e de Norbert Trenkle, o qual já foi discutido em postagens anteriores. Nesse trecho da obra, eles explicam como o neoliberalismo foi capaz de produzir uma suspensão (temporária) do desenrolar da crise.

 

Ei-lo: Lohoff – A suspensão da crise pelo neoliberalismo