Cuéllar no divã da Dra. Lógica

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Após citar por extenso a introdução de um artigo de David Pavón Cuéllar, o qual recebeu, dele próprio, o título Marx, Lacan et la condition prolétarienne du sujet comme force de travail de l’inconscient, serão apresentados alguns comentários críticos. Estes não serão terminantes, mas se esforçarão para dar forma a uma reflexão sobre um tema que se julga bem importante: a questão do sujeito na crítica da economia política e, a fortiori, na psicanálise. Eis o texto de Cuéllar:

Há uma profunda afinidade entre o sujeito em Marx e em Lacan. Ambos são frustrados, explorados, alienados, separados de seu ser e despojados de seu saber. Ambos se encontram no lugar de uma verdade do saber que irrompe como sintoma no saber. Ambos são reduzidos a força de trabalho pura e simples para fazer um trabalho que não lhes pertence.

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Psicanálise e psicologia crítica

Autor: David Pavón-Cuellar

Psicanálise como psicologia crítica [1]: trata-se de um objeto criticável, recurso utilizável ou abordagem irredutível?

Bem, fui convidado para falar sobre a relação entre psicanálise e psicologia crítica. Essa relação é múltipla. Mais do que uma relação única e simples, trata-se das relações variadas e complexas que se estabelecem historicamente entre a psicanálise e a psicologia crítica há quase um século.

Parece que foi por volta de 1927 que nasceu a psicologia crítica. Desde o momento de seu nascimento, ele se lançou na psicanálise que já estava lá, no cenário ocidental moderno, há vários anos. De repente, apareceu aqui a psicologia crítica e a primeira coisa que fez foi relacionar-se com a psicanálise: foi a primeira que se relacionou com a segunda, mas não o contrário.

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Materialismo crítico versus materialismo simbólico

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

A questão de saber o que é o materialismo parece às vezes fácil de resolver. De imediato tem-se que se trata da posição filosófica que admite a existência de uma realidade exterior ao homem e que independe da sua subjetividade. Ora, desde que ele se tornou um ser social num passado muito distante, a própria realidade passou a ser transformada coletivamente, não apenas materialmente, mas também de outro modo. Como esse “senhor” passou a se comunicar por meio de linguagens cada vez mais complexas, a realidade para ele deixou de ser aquela que pode ser apreendida por meio dos sentidos, para se configurar como realidade simbólica. As simbolizações em geral e, em particular, a linguagem, recobrem um mundo real que continua subsistindo independentemente delas.

Aqui, para discutir um suposto materialismo de Jacques Lacan, parte-se de uma compreensão básica de linguagem. As formas elementares dessa complexidade são as palavras e estas consistem em princípio da reunião de uma forma (o significado) com um suporte da forma (o significante) – ainda que não de um modo rigidamente fixo. O significado diz respeito àquilo que é chamado de noção no plano da lógica; o significante, por sua vez, está constituído por sons devidamente concatenados, os quais são transmitidos por via oral ou por meio de um conjunto de sinais escritos que o fixam de modo duradouro. Em princípio, o significante transporta o significado. E ambos se ligam a um ou mais referentes por meio de conexões que também não são unas, estritamente estabelecidas.   

As palavras, portanto, não estão coladas a referentes, como se deles fossem meras imagens. Diferentemente, as palavras se referem ativamente às coisas por meio do uso que delas se faz na prática social. As pessoas que participam da associação linguística que se chama sociedade tem de apreender a usar a linguagem que, para elas, é um comum: eis que tem de se apoderar de suas regras, assim como do modo de empregar e combinar as palavras, as distinções entre elas, os seus limites referenciais etc. Ora, essa descrição sumária parece satisfatória, mas ela contém, entretanto, uma questão perturbadora: como as significações são postas socialmente, teriam elas alguma objetividade ou seriam meramente subjetivas? Os significantes apenas representam significados que moram na mente humana ou eles próprios são lugares onde moram os significados? 

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Para além da descrição da realidade

David Pavón-Cuéllar – Psicanalista marxista mexicano. Fonte original – Blog do autor 9/01/2015:

Crítica ao pós-modernismo latente em Slavoj Žižek. Dando continuidade ao seu legado por outros meios:  uma volta à dualidade teoria/prática por meio de Marx e Lacan[1]

 Gostaria de dizer algumas palavras sobre uma questão central contida em meu livro Elementos políticos do marxismo lacaniano, mas que não pude resolvê-la enquanto o escrevia. Ela continua a parecer insolúvel, embora tenha refletido muito sobre ela nos últimos anos. Talvez minhas reflexões recentes possam dar início à conclusão de algumas ideias truncadas que persistiram em meu livro. Porém, como se verá, tais ideias só podem ser completadas por meio da prática, no processo da própria transformação, e não apenas por meio da descrição da realidade, como diria Marx.

É claro que devemos começar descrevendo a realidade. E isso, ao contrário do que se possa acreditar, não é tão fácil nem tão comum, principalmente nestes anos de realidade virtual, desertificação da realidade e pensamento único hiper-realista. Apesar de tudo, nós, marxistas, devemos aceitar que ainda existe uma realidade. Mas como concebê-la?

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