Alta da inflação e risco financeiro

Michael Roberts – The next recession blog – 9/05/2021

A inflação está voltando nas principais economias capitalistas? À medida que a economia dos EUA (em particular) e outras grandes economias começam a se recuperar da queda produzida pela COVID-19, em 2020, a discussão entre os economistas mainstream vem a ser saber se a inflação nos preços de bens e serviços vai se acelerar nessas economias. E isso a ponto de os bancos centrais terem de apertar a política monetária, ou seja, parar de expandir a oferta de crédito no sistema bancário e aumentar as taxas de juros. Ora, se isso vier a acontecer, a contração poderia causar um colapso nos mercados de ações e de títulos, assim como a falência de muitas empresas mais fracas à medida que o custo do serviço da dívida corporativa aumente? 

A teoria dominante atual para explicar e medir a inflação apela às “expectativas de inflação”. Eis como uma publicação do mainstream em teoria econômica apresentou a situação nos EUA: “No longo prazo, um determinante chave das pressões de preços duradouras são as expectativas de inflação. Quando as empresas, por exemplo, esperam que os preços de longo prazo fiquem em torno da meta de inflação de 2% do Federal Reserve, é menos provável que ajustem preços e salários devido aos tipos de fatores temporários discutidos anteriormente. Se, no entanto, as expectativas inflacionárias se desvencilharem dessa meta, os preços podem subir de maneira mais duradoura”.   

Mas as expectativas devem estar fundadas em algo. As pessoas não são estúpidas. As expectativas das empresas e famílias sobre os preços, se eles vão subir ou não, isto depende de palpites ou estimativas de como e por quê os preços estão se movendo no presente. Além disso, as expectativas de aumentos de preços não podem explicar os próprios aumentos de preços. 

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Mazzucato: uma missão impossível

Michael Roberts – The next recession blog – 20/02/2021

A economista ítalo-americana Mariana Mazzucato, que trabalha e reside em Londres, tornou-se um nome muito conhecido no que podemos chamar de “centro-esquerda” ou, mais amplamente, nos principais círculos econômicos e políticos. Ela lançou um novo livro: Missão Econômica: um guia de lançamento para mudar o capitalismo (em inglês:  Mission Economy: a moon shot guide to change capitalism.

Mazzucato foi conselheira de Economia do Partido Trabalhista do Reino Unido, sob Corbyn e McDonnell, por um breve período; ela é aparentemente ouvida pela representante de esquerda do Congresso dos EUA, Alexandria Ocásio-Cortez; ademais, ela aconselhou a candidata presidencial democrata, a senadora Elizabeth Warren e também o líder nacionalista escocês Nicola Sturgeon. Recebeu até o título de “A economista mais assustadora do mundo” porque suas ideias estavam aparentemente abalando as crenças de pessoas importantes. Segundo o jornal London Times, ela é “admirada por Bill Gates, consultada por governos; na verdade, Mariana Mazzucato é aquela especialista com quem os outros discutem por sua conta e risco”.

No entanto, apesar ter começado como conselheira à esquerda do espectro político, mais recentemente, ela se tornou disponível para todo ele. Assim, abandonou rapidamente o seu papel de conselheira de Corbyn. De acordo com um crítico de seu novo livro, “Mazzucato rapidamente reconheceu que não havia um papel real para ela como conselheira Corbyn e, por isso, renunciou após dois meses”.

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Austeridade: livre opção da burguesia?

Eleutério F. S. Prado[1]

Esta nota tem uma tarefa ingrata, qual seja ela, fazer a crítica de um livro de grande sucesso no campo da esquerda, que sustenta uma tese relevante na esfera do pensamento crítico: Austeridade: uma ideia perigosa, de Mark Blyth (Autonomia Literária, 2020). Além disso, ele é endossado por economistas como Luiz G. M. Beluzzo, Laura Carvalho, Pedro Rossi dentre outros, consagrados combatentes na luta pela civilização no atual estágio de desenvolvimento regressivo do capitalismo. Entretanto, ela se faz necessária – crê-se aqui – para aprofundar a crítica contida no próprio livro de Blyth.

No prefácio da edição brasileira, esse último autor brasileiro resume um argumento central dos defensores da austeridade que – menciona – “dialoga com o senso comum”: o governo, assim como as pessoas e as famílias, tem de pagar as suas contas. Ora – adverte ele – “o apelo ao senso comum é uma falsificação da realidade: não existe uma conta a ser paga; a dívida pública não precisa ser reduzida. Papéis são pagos, outro serão emitidos. (…) dívida pública não se paga, se rola”.

Para comentar essa afirmação é preciso separar analiticamente as dívidas particulares e a dívida como um todo. É evidente, como diz o próprio Rossi, que as dívidas particulares do Estado, expressas em títulos detidos por agentes do setor privado, são pagas do mesmo modo que as dívidas particulares das pessoas e das famílias – e até mesmo com respeito mais firma aos prazos e com mais fidelidade à letra dos contratos.  

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O colapso da modernização trinta anos depois

Publica-se hoje um importante artigo de Anselm Jappe e Johannes Vogele sobre a corrente da “critica do valor”. Ele reavalia, trinta anos, depois o livro O colapso da modernidade de Robert Kurz, cuja tradução para o português foi publicada logo após que saiu em alemão, na própria Alemanha (Paz e Terra, 1992). Este artigo é relevante porque o livro de Kurz suscitou muitos debates no Brasil. Veio à luz cinco anos após o fim da ditadura militar, num momento em se passava a considerar a economia de mercado e a democracia liberal como o fim da história.  

O autor desse blog considera que a tese central de Kurz, apresentada no começo dos anos 1900 justamente quando o “socialismo real” na URSS entrou em derrocada, revelou-se correta. Eis que, então, afirmou que o fim da URSS era apenas uma etapa do colapso mundial da sociedade mercantil, que havia começado já nos anos 1980. Para ele, os países em que vigorava de fato o “capitalismo de Estado” não eram mais do que uma parte menor do sistema global, então, em processo final de unificação. Ele previu que o capitalismo no Ocidente, ao invés de novos anos dourados, experimentaria uma época de declínio e que ele evolveria doravante sob constantes crises.

Apesar desse acerto, o autor desse blog tem várias discordância com a corrente da “crítica do valor”. Eis algumas delas: não parece haver evidência conclusiva que a massa global de mais-valia vem se retraindo no período neoliberal (1980 em diante); ele não acolhe a tese do duplo Marx, um deles esotérico que pensou a acumulação de capital como um processo destruidor do homem e da natureza e, assim, autodestruidor, e um outro exotérico que conferiu um papel histórico revolucionário à classe operária do seu tempo; não aceita a tese de que a dialética está sempre comprometida como uma teleologia da história; não admite que trabalho abstrato seja o mesmo que trabalho fisiológico etc.

De qualquer modo, segue o escrito dos dois autores nomeados.

Prefácio à edição francesa de O colapso da modernização. Do colapso do socialismo de caserna à crise do mercado mundial[1] de Robert Kurz.

Anselm Jappe e Johannes Vogele

Este livro de Kurz foi publicado em setembro de 1991, na Alemanha. Imediatamente teve um grande eco. O Muro de Berlim havia caído há quase dois anos e a Alemanha havia sido “reunificada” há quase um ano, mas a União Soviética, em convulsões, não havia sido ainda formalmente dissolvida. A redação do Colapso da modernização coincide, portanto, com esse período tão rico em mudanças.

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Capitalismo: a destruição endógena da teia da vida

Uma entrevista com Jason W. Moore

Artigo publicado em viewpointmag em 28 setembro de 2015

Em o Capitalismo na teia da vida, Jason W. Moore sustenta a necessidade imperativa de fazer uma síntese e uma reformulação teórica completa dos pensamentos marxista, ambiental e feminista. Eis que o que afirma: “Acho que muitos de nós entendemos intuitivamente – mesmo se os nossos quadros analíticos estejam defasados – que o capitalismo é mais do que um sistema “econômico” e mesmo mais do que um sistema social. O capitalismo é uma forma de organizar a natureza.”

O jornalista Kamil Ahsan conversou com Moore sobre seu livro Capitalismo na Teia da Vida (Verso), lançado em agosto de 2015, o qual busca enfrentar os novos desafios que se levantam diante das velhas maneiras de compreender o nosso mundo.

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Morozov: Socialismo digital

A Europa vai voltar à socialdemocracia a partir terceira década do século XXI? Recentemente foi anunciado que o bloco de 27 países que formam a União Europeia aprovou um pacote de 4,7 trilhões de reais com o objetivo de torná-la líder da economia verde e da economia digital.

Basta gastar mais dinheiro nessa direção? Ora, como argumenta Evgeny Morozov no artigo que aqui se apresenta, as grandes conquistas socialistas no século XX ocorreram no campo da inovação institucional. E é nesse campo, segundo ele, que a Europa deveria realmente inovar.

Sugere, por isso, que a Europa pode reviver essa tradição. Sugere, ademais, que ela precisa ir bem mais longe do que simplesmente criar as condições de investimento por parte do setor privado. Ela tem, segundo ele, de se empenhar em construir infraestruturas tecnológicas que funcionem como comuns – e não como fontes de acumulação de capital para a iniciativa privada.

Ainda que a proposta de reinventar a socialdemocracia pareça ingênua ou mesmo utópica no mundo atual – mas especialmente no contexto da América Latina em que ela nunca existiu de fato – a mensagem central afigura-se como bem correta. Sem assumir o controle das plataformas de informação, a possibilidade de controlar o sistema econômico e, assim, as condições de vida da população, não se realizará.

Ainda que Morozov tenha ainda esperança na socialdemocracia europeia, aqui se sustenta uma tese mais radical. Apenas superando o capitalismo por meio do socialismo democrático será possível alcançar os objetivos que ele corretamente põe como centrais .

O texto está aqui: Morozov – Socialismo digital

Déficits, dívidas e deflação após a pandemia

Os níveis de endividamento das economias capitalistas estão em níveis recordes. Eles estão superando mesmo os montantes atingidos do final da II Guerra Mundial, quando os países centrais precisaram financiar o custo da atividade bélica em seus territórios ou em territórios alheios. Em números, isso significa algo em torno de 120% do PIB global. O gráfico ao lado ilustra esse resultado.

O blog publica em anexo um novo artigo de Michael Roberts que procura investigar as consequências desse endividamento. Uma questão debatida entre os economistas vem a ser saber se essas dívidas crescentes prejudicam ou não o crescimento econômico.

Ademais, o artigo mostra também que o nível de endividamento das corporativo está em nível elevado e que ele está aumentando como consequência do bloqueio induzido pela pandemia do coronavírus. Aqui a questão é saber se as empresas com muitas dívidas terão condições de investir ou se elas vão permanecer servindo os seus credores.

No conjunto, há empresas saudáveis. Há empresas pressionadas por suas dívidas, mas ainda assim sobreviventes. Há, porém, um número enorme de empresas que não conseguem atingir esse objetivo e que são consideradas por isso como “empresas zumbis”.

O artigo está aqui: Déficits, dívidas e deflação

Ecossocialismo e política do comum são urgências históricas

IHU: A superação do capitalismo tem que ser uma obra coletiva, plural, descentralizada e democrática em busca de uma política do comum, diz o economista.

No emaranhado de incertezas que toma conta do país por causa dos efeitos gerados pela crise do novo coronavírus, um diagnóstico é unânime: “o curso da economia capitalista no Brasil neste ano, como também provavelmente no ano que vem, estará marcado pelas consequências da pandemia do novo coronavírus”, e a recuperação econômica será “lenta, difícil e fraca”, diz o economista Eleutério da Silva Prado à IHU On-Line. A crise política, especialmente no aspecto que envolve a família presidenciável, acrescenta uma “dose adicional de incerteza e instabilidade. E isto pode solapar ainda mais o andamento da atividade econômica no Brasil”, avalia.

Para ele, no curto prazo, um caminho viável para superar a crise econômica diante do endividamento público de 90% previsto para o próximo ano é redirecionar a dívida do governo. “Ao invés de o governo financiar os seus gastos com as urgências da pandemia do novo coronavírus por meio da venda de títulos no mercado, ele pode emitir dinheiro fiduciário vendendo títulos para o Banco Central. A dívida do governo aumenta, mas a dívida pública não”. Essa alternativa, menciona, é descartada pelo governo porque “contraria a lógica da financeirização”.

A longo prazo, o economista defende uma mudança estrutural que consiste na substituição do atual modelo de produção capitalista. “O atual modo de produção precisa ser desafiado por um socialismo democrático que seja também um ecossocialismo”, que “vise preservar a civilização tendo por base o princípio do comum”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele também comenta algumas das políticas que estão na ordem do dia para enfrentar a crise, como a criação de uma renda mínima. “Não se pode ficar contra essa proposta dado o nível de miserabilidade de milhões de cidadãos brasileiros que deveriam ser mais bem respeitados pelo poder público. Mas é preciso ver que ela foi proposta inicialmente por economistas ultraliberais ou mesmo conservadores como Milton Friedman e Friedrich Hayek. Pois, na forma por eles recomendada, ela permite a eliminação de quase toda outra proteção social destinada aos trabalhadores. Nesse sentido, ela é consistente com a privatização de tudo. Não endosso essa ideologia”. Uma renda mínima é oportuna “se for implementada como parte de uma reforma substantiva da repartição da renda e da riqueza no país”, conclui.

A entrevista está aqui: Entrevista IHU

Um colapso dos mercados emerge agora

Neste post apresenta-se aqui uma continuação da análise que vem sendo feita por Michael Roberts sobre a crise econômica atual em seu blog The next recession. Acompanhando as previsões, ele agora adverte para o advento próximo de uma situação muito grave, especialmente nos países de rendas médias e nos mais pobres.

As previsões de queda global do mercado no restante deste 2020 estão já aparecendo mesmo nas publicações oficiais. Há crescente consenso entre os economistas que haverá uma contração no PIB real global pelo menos nos dois primeiros trimestres de 2020. Eis que a pandemia COVID- 19 está exigindo uma reação nos mais diversos países que consiste em promover um “bloqueio” no funcionamento do sistema econômico. O resultado será necessariamente um afundamento do PIB mundial.

Tudo isso é consequência da irresponsabilidade das políticas capitalistas neoliberais que se preocupam somente em aumentar os lucros, reduzindo os salários dos trabalhadores e elevando a taxa de crescimento. É evidente que a ausência de políticas de coordenação internacional nos campos da ecologia, das pandemias, das desigualdades de renda etc. estão criando não a prosperidade, mas a barbárie. É evidente que há uma ameaça crescente à existência da própria humanidade. É preciso ficar atento ao que agora vai acontecer.

O texto está aqui: Roberts – O colapso emergente do mercado

Planificação na idade do algoritmo – Parte III

O blog Economia e Complexidade está publicando em três partes, sempre as segundas-feiras, uma tradução do artigo Planificação na Idade do Algoritmo de Cédric Durand e Razmig Keucheyan que saiu recentemente na revista francesa Actuel Marx.

Hoje se publica a Parte III

Nas semanas anteriores publicou-se duas notas sobre as principais contribuições críticas à possibilidade de realizar um cálculo econômico eficiente e eficaz no socialismo. Entende-se que este sistema social, abolindo ou não os mercados, baseia-se de algum modo no planejamento centralizado. A primeira foi dedicada aos aportes de Ludwig von Mises e a segunda visou os artigos mais importantes de Friedrich Hayek sobre esse tema.

Agora se ventila um artigo que retoma o debate clássico considerando o fato de que a sociedade contemporânea está cada vez mais fazendo uso dos algoritmos que operam com base em imensos bancos de dados (os Big Data). Eis que eles permitem que possam existir outras formas de coordenação da sociedade que não se valem dos mercados.

Três motivos suscitam não só a retomada do debate, mas a sua efetivação num outro nível de discussão em relação ao que ocorreu no passado: a crise de 2008 colocou de novo a viabilidade histórica do capitalismo; a possibilidade da catástrofe ecológica põe a necessidade imperiosa do planejamento; e os avanços da informática parecem abrir novas possibilidades de coordenação dos sistemas sociais.

A parte III se encontra aqui: Panificação na idade do algoritmo – Parte III