Autor: Ian Wright
Resenha do livro: How labor powers the global economy, de Emmanuel Farjoun, Moshé Machover e David Zachariah (Springer Publishing, 2022, p. 166)
Este livro é uma contribuição à crítica marxista da economia política capitalista; trata-se também de leitura essencial para qualquer pessoa interessada em compreender a dinâmica do capitalismo contemporâneo.
How labor powers the global economy vem em sequência do livro seminal e inovador de Farjoun e Machover, “Laws of caos”, publicado pela primeira vez em 1983. Essa obra introduziu uma nova metodologia na interpretação das principais categorias quantitativas marxistas, pois as considerou como probabilísticas, em vez de determinísticas.
O livro consistiu em um lance teórico ousado e inovador que exigia tivessem os leitores alguma familiaridade com a álgebra linear, a teoria da probabilidade e a estatística. Consequentemente, o número de leitores do “Law of caos” nunca deixou de ser inevitavelmente limitado, mesmo entre os marxistas. No entanto, devido aos seus notáveis insights analíticos, o interesse por esse livro aumentou constantemente nos últimos anos, culminando com a sua republicação em 2020.
O livro continua e aprofunda essa “virada probabilística” na teoria marxista. Os autores dividem-no em três partes. A primeira apresenta as suas principais categorias como analogias probabilísticas diretas das categorias básicas da teoria do valor de Marx.
A segunda parte confronta esses fundamentos teóricos com o fenômeno empírico do capitalismo global contemporâneo. Os autores, então, deduzem uma coleção de leis probabilísticas altamente explicativas, mas relativamente simples, que restringem a evolução do capitalismo ao longo do tempo.
A terceira parte explica por que tais leis inibem o florescimento humano, apontando para a necessidade de organizar a produção global para o bem social e não para o lucro privado. Os autores recuperam e superam em muitos aspectos o conteúdo científico das formulações originais de Marx. O que obtemos desse exercício é uma versão revigorada de aspectos-chave da teoria do capitalismo de Marx, os quais se relacionam diretamente com os dados empíricos atualmente obtidos.
Um bom ponto de partida para entender a virada probabilística é contrastar como Marx e os autores relacionam o tempo de trabalho aos preços. Lembre-se de que Marx definiu o valor de uma mercadoria como trabalho “socialmente necessário” no seguinte sentido: “O tempo de trabalho socialmente necessário é aquele necessário para produzir um artigo sob condições normais de produção e com o grau médio de habilidade e intensidade predominantes no momento”.
Em consequência, o valor de uma mercadoria individual, como uma caneta de ponta rolante, não é o tempo de trabalho real fornecido ao fabricá-la (pois, de outra forma, técnicas de produção ineficientes, que consomem relativamente mais tempo de trabalho, produziriam canetas de maior valor). Em vez disso, cada caneta de ponta rolante individual tem o mesmo valor, determinado pelas condições de produção envolvidas na produção de todas as canetas desse tipo.
De modo ex-post, podemos deduzir o valor atual de uma caneta individual dividindo o tempo total de trabalho fornecido para produzir todas as canetas pela quantidade total produzida (por exemplo, se a sociedade produz 1.000 canetas com 100 horas de trabalho, então o valor de uma caneta seria de 0,1 horas).
Os valores de Marx advêm, portanto, das condições sociais de produção e não dos processos de trabalho individuais; o qualificativo que Marx adiciona, ou seja, o termo “socialmente necessário”, é posto para controlar a heterogeneidade nas condições de produção do mesmo tipo de mercadoria, considerando, pois, cada mercadoria individual como uma “amostra média de sua classe”.
O uso explícito da “média amostral” por Marx ao definir “valor” nos capítulos iniciais de O capital deve ser notado, porque indica o seu desejo de capturar a variabilidade irredutível da realidade econômica: não há um único processo de produção de canetas (ou de qualquer outra mercadoria, aliás), mas múltiplos processos, e eles necessariamente diferem entre si: alguns são altamente eficientes, outros nem tanto. Portanto, “o” valor de uma mercadoria é necessariamente uma média.
Os sistemas sociais, como observam os autores, têm um grande número de graus de liberdade e, portanto, quaisquer regularidades legais têm necessariamente um caráter probabilístico. De fato, como Julian Wells documentou cuidadosamente, Marx emprega repetidamente a argumentação estatística e probabilística de modo informal em O capital. Sabe-se que foi influenciado pela leitura do matemático Adolphe Quetelet (pioneiro da estatística e criador do conceito de “homem médio”) na compreensão da realidade do capitalismo. Isso pode parecer, a princípio, uma afirmação surpreendente, mas, uma vez que se fica ciente desse uso informal do raciocínio probabilístico em Marx, torna-se impossível esquecê-lo daí em diante.
Probabilidade
Os autores, ao contrário de Marx, têm todas as ferramentas da álgebra linear, da teoria da probabilidade e da mecânica estatística à sua disposição, além de acesso aos dados macroeconômicos modernos. Eles aplicam essas ferramentas para obter uma compreensão ainda melhor da realidade concreta.
Farjoun, Machover e Zachariah conduzem cuidadosamente o leitor por meio de suas principais proposições teóricas e fórmulas probabilísticas, relegando a maioria de suas deduções matemáticas aos apêndices. Este livro tem uma natureza irredutivelmente técnica, mas foi escrito para ser o mais acessível possível. A argumentação pode ser seguida por qualquer leitor que se sinta confortável com equações matemáticas relativamente diretas.
Os autores introduzem o conceito de “conteúdo de trabalho” (ou conteúdo-L) como um desenvolvimento formal do conceito de valor de Marx. O conteúdo-L continua sendo uma propriedade média das condições de produção, mas lida explicitamente com a interconectividade da produção econômica (integração vertical) e a existência de unidades de produção heterogêneas que produzem múltiplos resultados (ou seja, a chamada “produção conjunta”).
Eles mostram como o conteúdo-L pode ser obtido de modo aproximado a partir dos dados das contas nacionais. Tal como Marx, eles pretendem explicar como os processos de trabalho subjacentes na “morada oculta da produção”, quantitativamente capturados pelo conteúdo-L, restringem e moldam os fenômenos superficiais e aparentes da economia capitalista (ou seja, os fetiches econômicos), tais como preços, lucros, crescimento – e mesmo a repartição do excedente por meio da luta das classes.
A “lei do preço único” – um elemento básico da economia convencional – afirma que bens idênticos são vendidos a preços idênticos (na ausência de “imperfeições de mercado”). Essa “lei” é empiricamente falsa, porque os preços de mercado estão sujeitos a todos os tipos de determinações acidentais e, portanto, o preço do mesmo tipo de mercadoria geralmente varia (por exemplo, considere os diferentes descontos em canetas de ponta rolante em milhares de varejistas diferentes). Os autores abraçam essa variabilidade.
Eles definem o “preço específico” de uma mercadoria, em um ato concreto de troca, como seu preço de venda dividido por seu conteúdo L (por exemplo, se uma caneta específica for vendida por $1, então seu preço específico, nessa transação específica, é $1 dividido por 0,1 hora, que é $10 por hora).
No nível microeconômico, a mesma caneta de ponta rolante é vendida por muitos preços específicos diferentes. Portanto, o “preço específico” é um exemplo de uma variável aleatória – ou seja, não determinística –, que assume vários valores, onde cada valor se manifesta empiricamente com uma probabilidade diferente definida por uma distribuição de probabilidade subjacente.
Os autores argumentam que a distribuição dos preços tem aproximadamente a forma log-normal, de tal maneira que a maioria dos preços específicos se agrupa em torno da moda central; assim, há uma baixa probabilidade de que ocorram preços específicos muito baixos ou muito altos.
Vale a pena refletir sobre a força e a parcimônia desse movimento teórico. Os autores não assumem “heroicamente” que cada unidade do mesmo tipo de mercadoria seja vendida pelo mesmo preço. Em vez disso, eles consideram a totalidade de todas as transações de mercado em um determinado período. Cada unidade está relacionada probabilisticamente a certa quantidade de dinheiro, formando assim o preço de venda, ou seja, à determinada quantidades de tempo de trabalho, expressas pelo conteúdo-L.
A desordem microeconômica da troca de milhões de diferentes tipos de mercadorias, produzidas em diversas condições de produção e que são vendidas a preços que variam tanto a ponto de parecerem (quase) acidentais, pode, no entanto, ser captada por uma única variável aleatória macroeconômica – o “preço específico” – que reduz essa desordem desconcertante a uma distribuição de probabilidade única e ordenada. Na perspectiva da “virada probabilística”, o nível mais alto de abstração vê qualquer transação de mercado, envolvendo qualquer mercadoria, como simplesmente uma troca de uma soma de dinheiro por uma soma de tempo de trabalho gasto, algo que é governado por uma distribuição de probabilidade macroeconômica.
Os autores, tendo definido o conteúdo L e a variável aleatória “preço específico”, usam então o raciocínio probabilístico para deduzir que o preço monetário de qualquer cesta suficientemente grande de commodities é aproximadamente proporcional ao seu conteúdo L. Em outras palavras, os preços de mercado refletem e são limitados pelos custos reais de produção subjacentes, medidos pelo tempo de trabalho.
Essa relação básica era, obviamente, conceitualmente central para todas as formulações da teoria clássica do valor-trabalho. Mas foi implicitamente formulado em termos determinísticos, não probabilísticos. Na teoria do valor-trabalho simples, proposta por Adam Smith e aplicável a uma economia que carece de lucro sobre o capital-dinheiro investido, ‘o’ preço de uma mercadoria é proporcional ‘ao’ valor. Mas Marx, seguindo Adam Smith e David Ricardo, rejeitou essa relação básica, mesmo quando expressa de forma determinista, porque os lucros, que formam um componente dos preços, têm uma relação nada óbvia com o tempo de trabalho e, no mínimo, distorcem os preços de mercado para longe da simples proporcionalidade aos valores.
Farjoun, Machover e Zachariah, continuando um dos tema desenvolvidos já em Laws of Caos, apontam corretamente que a distorção é máxima quando as taxas de lucro em diferentes setores da economia são inteiramente uniformes – o que ocorre em um estado hipotético de equilíbrio estável e determinístico. Os autores, consistentes com sua virada probabilística, rejeitam o equilíbrio determinístico como inadequado para a análise de sistemas econômicos.
Em vez disso, se um equilíbrio prevalecer, ele será estatístico; nesse caso, a variância microeconômica persiste no contexto das distribuições macroeconômicas de probabilidade de estado estacionário. Portanto, não existe uma taxa de lucro industrial única e esta nunca é uniforme; em vez disso, a taxa de lucro é uma variável aleatória. E, em consequência, a relação proporcional entre os preços de mercado e os valores subjacentes, longe de ser uma simplificação ingênua aplicável a casos especiais, na verdade ocorre de forma geral no capitalismo.
Fenômenos monetários
Os autores explicam que a relação probabilística entre os preços em dinheiro da mercadoria e o seu conteúdo-L prevê que os preços setoriais (ou seja, os preços de cestas de commodities de tipo semelhante) serão altamente correlacionados positivamente com as medidas do conteúdo-L. Prevê, também, que as taxas de lucro setoriais estarão positivamente correlacionadas com a intensidade do trabalho.
Eles apontam que um crescente conjunto de estudos econométricos – baseados nos modernos dados de insumo-produto e amplamente replicados dentro da economia marxista e heterodoxa – mostram precisamente tais correlações. A abordagem probabilística, portanto, produz uma proposição econômica fundamental – muito clara e importante, de fato, de importância central –, qual seja ela, de que há uma relação probabilística entre preços e valores, a qual é também consistente com os dados observados.
A proposta de Marx de que os valores restringem os preços e de que a origem do lucro é, em última análise, o trabalho, não o capital, é totalmente justificada pela virada probabilística – mas não exatamente da maneira que Marx esperava. No Livro III de O Capital, ele tenta explicar como os preços competitivos que correspondem a um equilíbrio determinístico com taxas de lucro uniformes, embora não proporcionais aos valores, são transformações conservadoras desses valores; assim, uma taxa média de lucro é determinada, em última análise, pelo tempo de trabalho.
Essa teoria, nos 150 anos subsequentes ou mais, gerou enorme controvérsia simplesmente porque é um teorema de que a transformação proposta por Marx não pode ser conservadora e, portanto, os lucros, ao contrário de Marx, parecem desconectados das contribuições do trabalho. Os autores do novo livro cortaram, em grande parte, com sucesso, esse nó górdio ao apontar que tal equilíbrio determinista não existe. Existe uma taxa média de lucro, é claro – mas não existe “a” taxa de lucro.
Eles obtêm uma relação probabilística entre a taxa de lucro média e (i) o trabalho total fornecido na economia como um todo, (ii) o conteúdo L de todos os bens de capital na produção e (iii) a participação nos salários (ou seja, a proporção do valor adicionado que os trabalhadores, como um todo, podem comprar).
Em outras palavras, a taxa média de lucro é de fato limitada pelo tempo de trabalho – especificamente, pelo tamanho da força de trabalho e pelo tempo de trabalho necessário para produzir os bens de capital em operação. Se os trabalhadores fornecerem mais trabalho, então, todas as outras coisas sendo iguais, a taxa média de lucro será maior; se a produção for mais intensiva em capital, então, todas as outras coisas sendo iguais, a taxa média de lucro será menor etc. Este resultado restabelece a ligação procurada entre taxas de lucro e tempo de trabalho, mas a teoria da transformação de Marx não é mais necessária, torna-se teoricamente vestigial de tal modo que a controvérsia é cuidadosamente evitada.
Concentrei-me na relação probabilística entre preços e conteúdo-L e fiz contrastes com a abordagem original de Marx, a fim de comunicar um pouco do sabor específico das contribuições do livro. No entanto, ele aborda uma variedade muito maior de tópicos na economia política capitalista. A abordagem nova e pouco ortodoxa de reformular a teoria de Marx em termos de variáveis aleatórias gera conclusões amplamente ortodoxas inteiramente consistentes com a intenção e amplamente consistentes com o conteúdo das contribuições científicas de Marx.
À medida que o livro se desenvolve, um claro padrão metodológico emerge: Farjoun, Machover e Zachariah consideram um fenômeno econômico fundamental e aplicam sua abordagem probabilística para deduzir uma relação probabilística agregada relativamente simples, mas perspicaz, que revela como esse fenômeno é, em última análise, limitado e governado por propriedades do processo de trabalho. Em virtude do poder da abordagem probabilística, eles geram novos insights com derivações relativamente curtas e aproximações simplificadas que, no entanto, sempre atingem os dados empíricos.
Por exemplo, os autores observam que o capitalismo, impulsionado pela disputa competitiva pelo lucro, tende a revolucionar as condições de produção e que, empiricamente, o conteúdo L de todos os diversos tipos de mercadorias tende a diminuir ao longo do tempo (equivalentemente, o produtividade do trabalho tende a aumentar). Eles chamam esse padrão persistente de “lei do conteúdo de trabalho decrescente” (LDLC).
Eles demonstram, novamente probabilisticamente, que o corte de custos monetários por parte das firmas individuais, os quais consistem em estratégias para cortar salários, custos não trabalhistas, mas também estratégias de substituição de insumos, gera, como consequência não intencional, uma alta probabilidade de que o conteúdo-L de qualquer cesta de mercadorias caia com o tempo. Eles derivam limites quantitativos para essa taxa de diminuição e então demonstram que suas previsões são consistentes com os dados empíricos relevantes.
Outro exemplo: os autores derivam uma fórmula que aproxima a taxa de crescimento econômico como uma soma simples da taxa de crescimento da força de trabalho e da taxa de aumento da produtividade do trabalho. Armados com esta fórmula, eles preveem que a taxa de crescimento global deve ficar abaixo de cerca de 4% ao ano e demonstram, mais uma vez, que sua previsão é consistente com dados empíricos.
Esse padrão metodológico se repete, com grande sucesso conceitual e quantitativo, ao longo do livro: Farjoun, Machover e Zachariah explicam por que uma economia capitalista não pode crescer mais de 2%-3% ao ano acima do crescimento da população trabalhadora; por que as rendas salariais, como parcela da produção total, estão necessariamente confinadas a uma faixa estreita; por que a produtividade geral não pode crescer mais do que 3%-4% ao ano; por que os capitalistas monetários devem impor uma taxa de juros de pelo menos 2% a 3% acima da inflação esperada para preservar sua participação no produto total; e por que a automação total é totalmente incompatível com as relações sociais capitalistas, e assim por diante. O livro, em muitos aspectos, é um “tour de force” teórico.
O não resolvido
Algumas questões, no entanto, apesar dos esforços dos autores, não são total e satisfatoriamente resolvidas e, portanto, apontam para oportunidades para desenvolver ainda mais a abordagem probabilística da economia política. Mencionarei duas brevemente: a natureza “objetiva” da teoria do valor de Marx e o status do problema de transformação.
Ricardo queria apenas definir uma medida de valor econômico – algo objetivo, independente do mercado – que explicasse os preços de equilíbrio dos bens reprodutíveis. Qualquer base de custo real (seja tempo de trabalho, quantidades de ouro ou milho ou outras mercadorias básicas) poderia potencialmente desempenhar esse papel. Marx, ao contrário, afirmou que a dinâmica da competição capitalista instancia leis objetivas que vinculam a forma de valor – como libras, dólares ou euros – a um conteúdo específico, que é o tempo de trabalho.
As quantidades de dinheiro e, portanto, os preços representam de fato o tempo de trabalho, e não qualquer outra coisa – não porque um teórico econômico decida que o tempo de trabalho é uma medida conveniente para entender a economia, mas em virtude de nossa própria atividade social. Nesse sentido, os preços e o tempo de trabalho estão objetiva e exclusivamente relacionados – independentemente de alguém pensar subjetivamente que estão ou não.
Os autores, por outro lado, justificam sua escolha de usar o conteúdo de L como uma variável explicativa chave porque “estamos, é claro, mais interessados no trabalho e no tempo de trabalho como um fator sociopolítico de produção” (p. 44) e, em seguida, pesquisam vários propriedades do trabalho que implicam seu papel único em impulsionar o desenvolvimento do capitalismo.
No entanto, sua justificativa para adotar o conteúdo L acaba se reduzindo à conveniência subjetiva do teórico. Eles não tentam desenvolver a teoria de Marx de como a atividade social pode instanciar relações semânticas objetivas entre uma representação (por exemplo, dinheiro) e um referente (por exemplo, tempo de trabalho). Nesse sentido, suas ambições de valor teórico ficam aquém das levadas a efeito por Marx.
Como mencionado, Farjoun, Machover e Zachariah evitam o problema da transformação e o veem como uma grande pista falsa. A abordagem probabilística, embora extremamente bem-sucedida em restabelecer relações quantitativas claras entre fenômenos monetários e valores trabalhistas subjacentes, não evita realmente o problema, mas o esconde sob uma bela tapeçaria de variáveis aleatórias e aproximações “suficientemente boas”.
Ricardo, em 1805, empregando seus próprios cálculos aproximativos, já entendia que “a grande causa da variação [do preço das] mercadorias é a maior ou menor quantidade de trabalho que pode ser necessária para produzi-las”, mas há outra “causa menos poderosa de sua variação”, que é o lucro. Em outras palavras, a maior parte da variação nos preços competitivos é de fato aproximadamente explicada pelo tempo de trabalho.
Os autores reproduzem essa proposição (verdadeira) em termos probabilísticos mais sofisticados. No entanto, críticos motivados irão tentar encontrar um “problema de transformação probabilística” na estrutura dos autores, já que fica demonstrado que mudanças na distribuição de preços específicos não podem ser totalmente explicadas por mudanças no conteúdo de L.
Além disso, a precisão da relação proporcional entre os preços do dinheiro e o conteúdo de L aumentará e diminuirá dependendo do aumento e diminuição da variação das taxas de lucro: se a variação for adequadamente ampla, a aproximação será mantida, mas se essa variação for reduzida, então a aproximação começará a quebrar até atingir o limite de uma distribuição degenerada: ou seja, o caso clássico de equilíbrio determinístico e lucros uniformes. Tal caso degenerado extremo, é claro, não se manifesta empiricamente. Mas a variação das taxas de lucro muda empiricamente ao longo do tempo.
Pode a “correção” de qualquer versão da teoria do valor-trabalho depender de uma “força” empírica variável de correlações agregadas entre preços e valores? Por exemplo, em que nível de correlação devemos decidir aceitar as reivindicações da teoria do valor dos autores? Acima de 95%, 90% – ou 85% ou mesmo 75% está bom? Nos anos em que a variação das taxas de lucro é mais estreita, sua teoria do valor é menos verdadeira? Talvez qualquer falta residual de correlação, por mais “pequena”, seja precisamente uma recompensa para os capitalistas monetários por suas próprias contribuições abstêmias à produção?
Independentemente dessas dificuldades não resolvidas, as contribuições dos autores ajudam a esclarecer a natureza e o impacto do problema da transformação.
Teoria do capitalismo
As interpretações textuais de Marx, estritamente preocupadas com a análise hermenêutica dos três volumes de O capital, custam 10 centavos. E tais trabalhos, quaisquer que sejam seus méritos na promoção das ideias de Marx, tendem a ver o marxismo meramente como um tipo de “teoria crítica”.
No entanto, Marx era um cientista autoproclamado; ele estava ansioso para mobilizar as mais recentes ferramentas teóricas – como a filosofia hegeliana, o raciocínio contrafactual da economia política clássica, equações simultâneas e diferenciais, raciocínio probabilístico nascente etc. – e os últimos dados empíricos disponíveis (como como relatórios do governo sobre a duração da jornada de trabalho, debates sobre os English Factory Acts, a história da produtividade e das revoluções do emprego no comércio de algodão, diferenças nacionais de salários, dados de taxa de juros etc.) a fim de entender as leis objetivas de movimento da sociedade capitalista e, portanto, as possibilidades reais de intervenção política efetiva para transcendê-la.
A maior parte da literatura marxista raramente desenvolve a crítica de Marx à economia política nesse sentido científico e, portanto, constitui o que Imre Lakatos chamaria de “programa de pesquisa degenerativa”. Como o trabalho impulsiona a economia global, em contraste, é um tipo de livro completamente diferente e totalmente dentro da tradição do marxismo clássico e, portanto, científico. Os autores, ao longo do livro, confrontam diretamente a estrutura teórica de Marx – literalmente animada pela teoria matemática das variáveis aleatórias – com o fenômeno do capitalismo global contemporâneo, a fim de explicar aspectos-chaves de sua mudança ao longo do tempo.
O poder causal do trabalho – embora impiedosamente controlado e organizado pelo domínio do capital e sua luta maníaca pelo lucro – é o motor principal e a variável explicativa central do mundo moderno. Em consequência, e como afirma o subtítulo dos autores, a teoria do capitalismo deve ser “uma teoria do valor-trabalho no capitalismo”, na qual o trabalho é devidamente reconhecido como a substância criativa subjacente que alimenta a economia global. Este livro conciso, mas rico, demonstra com sucesso que a teoria do valor de Marx, devidamente revigorada, é a chave para entender o capitalismo contemporâneo.
Na minha opinião, tanto o Laws of Chaos quanto este novo livro que o segue são leituras essenciais para aqueles que desejam aprofundar sua compreensão da teoria do valor de Marx e da dinâmica capitalista. A virada probabilística na teoria marxista não pode ser ignorada e merece ser compreendida muito mais amplamente.
Referências bibliográficas
Farjoun, Emmanuel e Machover, Moshé – Laws of chaos: a probabilistic approach to political economy. Londres 1989.
Marx, Karl – Capital. Book 1, chapter 1, first section: www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/ch01.htm .
Wells, John – Marx reads Quetelet: a preliminary report (2017): mpra.ub.uni-muenchen.de/98255/1/mpra_paper_98255.pdf .
Ricardo, David – Absolute value and exchangeable value, in P Sraffa, MH Dobb (eds) The works and correspondence of David Ricardo Vol 4: Pamphlets and papers 1815-1823 Carmel, Indianapolis, 2004.
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