O humano segundo Freud

Eleutério F. S. Prado[1]

Sobre a “inércia orgânica”

Para entender a metapsicologia de Sigmund Freud é preciso fazê-lo metodologicamente. Eis que ele pensa o homem social do seu tempo partindo do homem animal que ainda, supostamente, mora dentro dele, apesar de ter sido já transformado pela civilização. Ora, esse homem animal é para ele, essencialmente, um ser pulsional.

Antes de apresentá-lo como tal, é preciso começar lembrando que a existência humana percorre ciclos sucessivos de atividade e inatividade e que eles acontecem num tempo de vida limitado. Como se sabe, essa ciclicidade se inicia no útero e termina na morte.

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O prazer e gozo segundo Todd McGowan

Autor: Todd McGowan

Compreender a política do gozo requer reconhecer a sua diferença em relação ao prazer. O gozo e o prazer existem em uma relação dialética, [pois um é negação determinada do outro]. O gozo é o termo privilegiado nessa relação, pois é ele que impulsiona o sujeito inconscientemente. As pessoas agem em prol do seu gozo, mesmo que o gozo nunca possa se tornar seu objetivo consciente.

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A ideia de progresso à luz da psicanálise

Autor: Herbert Marcuse[1]

Permitam-me que defina desde já os dois principais tipos de conceito de progresso, característicos do período moderno da cultura ocidental. Em primeiro lugar, o progresso é definido de forma predominantemente quantitativa e se evita ligar o conceito a qualquer valoração positiva. O progresso significa, portanto, que no curso da evolução cultural, apesar de muitos períodos de regressão, os conhecimentos e habilidades humanas geralmente crescem, e que, ao mesmo tempo, sua aplicação no sentido de dominação do ambiente humano e natural tornou-se cada vez mais universal. O resultado desse progresso é o aumento da riqueza social.

À medida que a cultura continua a se desenvolver, aumentam também as necessidades dos homens e os meios para as satisfazer, deixando em aberto a questão de saber se esse progresso também contribui para a plena realização do homem, para uma existência mais livre e feliz. Esse conceito quantitativo de progresso pode ser chamado de conceito de progresso técnico e contrastado com o conceito qualitativo de progresso, tal foi elaborado particularmente pela filosofia idealista, talvez mais vigorosamente por Hegel.

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O problema da sexualidade: de Freud à Lacan

Autor: Pierre Fougeyrollas[1]

Antes de tratar de forma mais precisa e mais aprofundada a questão do sujeito, peça central do que Lacan chama de seu sistema, é necessário examinar com certa atenção sua teoria da sexualidade. Ora, essa teoria é resultado direto da interpretação linguística do inconsciente freudiano, algo que já discutimos e que serve de base para a sua doutrina do sujeito.

Aparentemente, esse autor é fiel à descoberta freudiana do conteúdo sexual do inconsciente. Porém, ele não diz que “a verdade do inconsciente é – uma verdade insustentável – a realidade sexual?” Mas, por que, então, essa verdade seria insustentável?

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A interpretação lacaniana do freudismo

Autor: Pierre Fougeyrollas[1]

É preciso questionar a interpretação que Lacan nos oferece da obra de Freud e da psicanálise. Essa interpretação, considerada historicamente, vem a ser uma reação contra o que aconteceu no movimento psicanalítico após a morte de Freud. Ademais, ela se põe contra as ideias que hoje reinam no movimento psicanalítico internacional dominado por profissionais dos Estados Unidos.

Na verdade, após a morte do mestre, os dirigentes do mundo da psicanálise colocaram no centro de suas preocupações o tratamento do eu, que aqui deveria ser chamado antes de ego. Para eles, trata-se de fortalecer esse ego contra os impulsos do id e as pressões do superego, de tal forma que escape à neurose, ajustando-se e reajustando-se à vida social existente. E a prática analítica nos Estados Unidos apenas antecipará ou caricaturará o desenvolvimento que também está a ocorrer na Europa. Enquanto Freud apresentava terreamente – e com que angústia! – a questão da relação entre o indivíduo e a sociedade, a terceira geração de psicanalistas e os seus seguidores voaram para o sucesso social e econômico. Lacan denunciou precisamente esta degeneração.

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A metapsicanálise de Jacques Lacan

Autor: Pierre Fougeyrrolas[1]

Ao republicar, mais uma vez, sua tese de doutorado de 1932 sobre a psicose paranoide em sua relação com a personalidade, Lacan nos permite compreender melhor sua trajetória intelectual.

A tese, na verdade, mostra que seu autor ainda não tinha, naquele momento, o sistema que mais tarde seria o seu próprio. A dissertação revela um certo ecletismo em que conceitos e temas conceituais de várias tradições psiquiátricas, de várias correntes psicológicas e, finalmente, da psicanálise são justapostos – não organicamente articulados. Em suma, apresenta uma imagem de Lacan antes do lacanismo e levanta a questão do que sobreviveu desse velho universo mental no sistema atual oferecido como a verdadeira interpretação da obra freudiana, mas também como sua retificação.

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Sobre as origens da realidade psíquica

Autor: Jon Mills[1]

A arché [2] da psique

Quando começa a vida psíquica? A emergência do ego constitui propriamente a subjetividade humana ou podemos apontar legitimamente para forças ontológicas anteriores? Como mencionado anteriormente, não desejo reduzir essa indagação metafísica a um empreendimento meramente materialista, apenas para reconhecer que certas contingências fisiológicas da corporeidade são uma condição necessária, embora não suficiente para explicar a origem psíquica.

Embora a psicologia do processo psíquico seja sensível ao trabalho contíguo e compatível feito nas ciências biológicas e neurocientíficas, isso não precisa nos preocupar aqui. Se alguém se contenta com uma abordagem materialista, que recorra ao discurso sobre o óvulo e o esperma.

Eis que devemos proceder com um respeito cuidadoso à máxima de Freud segundo a qual é preciso resistir à tentação de reduzir a psique ao seu substrato anatômico. Como as abordagens empíricas sozinhas não podem abordar a epistemologia do nosso interior ou do vivido qualitativo inerente ao processo experiencial, devemos tentar abordar a questão dialeticamente.

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A crítica de Marcuse à Fromm

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Como se sabe, a avaliação negativa de Herbert Marcuse da obra de Erich Fromm – assim como das teorias de Karen Horney e de Harry S. Sullivan, ou seja, ao que denomina de “revisionismo neofreudiano” – se encontra no epílogo do livro Eros e Civilização, publicado originalmente em 1955. A escola culturalista – diz ele – rejeita a teoria da pulsão de Freud e, ao fazê-lo, inibe o seu caráter crítico da sociedade: “o enfraquecimento (…) da teoria da sexualidade [original], conduz a um enfraquecimento [revisionista] da crítica sociológica” (Marcuse, 1978, p. 209).[2]

Aqui, apenas o primeiro autor acima mencionado, Fromm, será considerado. Ademais, a apreciação de autores diversos por atacado costuma perder a precisão, cometendo injustiças. E este, pelo menos à princípio, pode ser o caso aqui discutido.  

Veja-se, Marcuse sustentou em seu texto que Fromm havia se afastado da teoria da libido de Freud.  No entanto, Fromm, num de seus últimos escritos, esclareceu que nunca rejeitara a teoria das pulsões de Freud, ainda que tenha criticado o seu caráter estático: “minha crítica à teoria da libido não se dirige a sua orientação biológica como tal, mas antes (…) a fisiologia mecanicista na qual (…) se enraíza” (Fromm, 2013, p. 19).

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A crítica frommiana da noção de “pulsão de morte”

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Em postagem anterior, procurou-se entender melhor a categoria psicanalítica de “pulsão de morte” tal como aparece na literatura mais recente, a qual tem feito um esforço contínuo para depurá-la de suas imprecisões.  Como foi visto nessa resenha, essa noção – e isso é algo bem conhecido – é bem ambígua e controversa; os psicanalistas em geral divergem não só quanto ao seu significado, mas também se ela deve ser acolhida ou não como válida no próprio corpo da teoria. Para apresentar uma crítica dessa suposta categoria, vale-se aqui de uma sua apresentação feita por Christian Dunker:

A hipótese mais especulativa de Freud, como cientista e materialista, consistiu em dizer que a vida é um parêntese entre dois estados inorgânicos. Por isso, haveria uma tendência de retorno ao estado anterior que explicaria o aparentemente gosto irracional do humano pela repetição, mesmo quando isso implica em dor, desprazer e morte.[2]

A pulsão de morte, portanto, está ligada às repetições compulsivas das experiências traumáticas. Manifesta-se, portanto, como um desejo de aniquilamento, de destruição seja de si mesmo seja dos outros. Por isso mesmo, a própria existência da sociedade dependeria de sua contenção, de seu enceramento dentro de limites.

A pulsão de morte explicaria por que parte substancial de nossa cultura, de nosso brincar e de nossos laços sociais depende de certa administração da agressividade e, portanto, da contenção, mas também da participação, de nosso gosto por destruir.[3]

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A crítica do puro gozo ou “o gozo não existe”

Autor: Adrian Johnston – Introdução ao livro A temporalidade da pulsão [1]

Um dos insights mais básicos da psicanálise é que os seres humanos dizem mais do que sabem. As suas declarações e os seus comportamentos são significativamente moldados por uma dimensão inconsciente, tecida sob a textura de sua consciência. Assim, a arte da análise não envolve desconsiderar dogmaticamente as características manifestas da existência cotidiana em favor de tatear em busca de alguma fraqueza psíquica, obscura e oculta.

Não vem a ser, em adição, uma psicologia profunda – mas vulgar – em que a fachada da cognição, superficialmente estruturada, mediada simbolicamente de modo social, opõe-se grosseiramente ao pântano obscuro e opaco de uma natureza carnal em sua essência selvagem e indomável.

O inconsciente está “lá fora”, inscrito no campo da consciência e da correlata realidade como um conjunto de configurações internamente excluídas. E essas configurações, em vez de serem suplementos ou marginalidades parasitárias relativamente supérfluas, emprestam a essa realidade a sua própria textura e determinam os contornos reais da própria consciência.

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