Uma teoria nas nuvens

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Segundo Yanis Varoufakis, em seu espantoso Technofeudalism: What Killed Capitalism[2], o capital agora está nas nuvens; para delírio da pós-modernidade, afirma peremptoriamente que o capital não se encontra mais tanto nas máquinas, mas se transformou em algoritmo e, como se fosse fumaça, subiu aos céus. É assombroso, já que ao ficar junto das estrelas, o danado desempregou os mercados. É também admirável porque, assim, o tinhoso conseguiu expandir o seu escopo: agora não explora só os trabalhadores assalariados na esfera da produção mercantil, mas arranca o couro também dos capitalistas. São afirmações tão abissais que é preciso provar que foram ditas:

 “O capital-nuvem (cloud capital) matou os mercados e os substituiu por uma espécie de feudo digital, onde não apenas os proletários — os precários —, mas também os burgueses e os capitalistas vassalos, estão produzindo mais-valor (…) [para certos senhores]. Eles estão produzindo aluguéis (rent). Eles estão produzindo aluguel de nuvem, porque o feudo agora é um feudo de nuvem, para os donos do capital de nuvem”.[3]

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Teorias da taxa de juros

Autores: Stavros Mavroudeas[1] & Th. Chatzirafailidis[2]

Três abordagens distintas

Existem três abordagens principais no pensamento econômico sobre a determinação da taxa de juros. Primeiro, analisaremos as duas mais importantes teorias burguesas da taxa de juros e, em seguida, apresentaremos separadamente a relevante teoria de Marx. Como será argumentado mais adiante, essa distinção é feita não apenas por razões de apresentação, mas principalmente por razões de substância científica.

A primeira teoria burguesa dos juros é a teoria neoclássica dos fundos emprestáveis. Sua ideia central gira em torno da existência de uma taxa natural de juros. Isso significa que a taxa de mercado tende a se aproximar da primeira no longo prazo. Assim, o ônus do ajuste “recai” sobre a taxa de mercado sempre que a poupança divergir dos investimentos. Mais detalhadamente, quando os investimentos superam a poupança e a taxa de juros de mercado é menor que a natural, a primeira aumenta até igualar a segunda, de modo a trazer a equalização da poupança com os investimentos. O mecanismo de ajuste inverso ocorre quando o investimento fica aquém da poupança, de modo que, no final, a economia sempre acaba em um estado de equilíbrio.

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Trabalho imaterial e fetichismo: uma crítica a Negri e Hardt

Autor: Eleutério F. S. Prado[1]

No livro Império[2], Hardt e Negri definem trabalho imaterial como trabalho que produz, entre outras coisas, mas de uma maneira especial, serviços: “Como a produção de serviços não resulta em bem material e durável, definimos o trabalho envolvido nessa produção como trabalho imaterial – ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como serviço, produto cultural, conhecimento ou comunicação”[3]. Ao fazê-lo, eles ficam além ou aquém de Marx?

Em conseqüência, de modo preliminar, deve ficar claro que esses dois autores, ao empregarem o termo trabalho imaterial, estão se referindo ao trabalho que produz bens ou utilidades – e não ao trabalho abstrato, no sentido de Marx, que é uma abstração e  substância do valor. Obscuras permanecem, porém, as razões e as conseqüências dessa opção teórica.

Em O capital, esse último autor menciona uma certa preferência encontrada em textos econômicos por tratar da produtividade do trabalho no modo de produção capitalista fazendo referência ao conteúdo material do trabalho. Hardt e Negri atribuem uma enorme importância ao que chamam de trabalho imaterial. Por isso, crêem importante fazer diferença entre trabalho que produz coisa útil e trabalho que gera imediatamente serviço útil.

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Nova era de catástrofes: uma mapa da polícrise do capital

Autora da resenha: Anne Alexander

É tentador, às vezes, dar de ombros para as notícias de desastres e de catástrofes como se fossem simplesmente parte da vida normal. Uma sequência acelerada de crises financeiras, eventos climáticos extremos, pandemias, guerras e agitação civil desfilou diante de nossos olhos nos últimos anos.

A mensagem urgente do importante novo livro de Alex Callinicos, The new age of Catastrophes (Polity Press, 2023), consiste em dizer que aceitar esse estado de coisas como um “novo normal” é perigoso. Trata-se, por isso, de leitura vital para quem quer participar da luta por um futuro em que se possa continuar vivendo.

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É Žižek um intelectual sério?

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Aviso: ainda que seja bem importante encontrar uma resposta, a pergunta posta pelo título não será aqui respondida. Pois, esta nota apenas visa reapresentar criticamente um artigo escrito por esse autor, o qual também ele escolheu denominar interrogativamente: É o trabalho abstrato universal? O objetivo consiste, outrossim, em opor uma pequena à sua provocação maior porque ela própria suscita esse tipo de dúvida. A reflexão necessária para respondê-la que fique, pois, com cada um. Mas que se examine também, ao mesmo tempo, por justiça, a seriedade do autor da presente nota.

A figura pública do autor de Menos que nada – Hegel e a sombra do materialismo dialético, como bem se sabe, levanta outros questionamentos: como se deve classificar melhor o Sr. Slavoj? Seria o Sr. Žižek um filósofo hegeliano, um crítico cultural pós-moderno, um leninista de escritório, um novo gênio iluminista ou mesmo um agitador contrarrevolucionário? Ora, essa espécie de confusão não seria produzida, propositalmente, por ele mesmo? Afinal, não se vive hoje na sociedade do espetáculo?

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A interpretação lacaniana do freudismo

Autor: Pierre Fougeyrollas[1]

É preciso questionar a interpretação que Lacan nos oferece da obra de Freud e da psicanálise. Essa interpretação, considerada historicamente, vem a ser uma reação contra o que aconteceu no movimento psicanalítico após a morte de Freud. Ademais, ela se põe contra as ideias que hoje reinam no movimento psicanalítico internacional dominado por profissionais dos Estados Unidos.

Na verdade, após a morte do mestre, os dirigentes do mundo da psicanálise colocaram no centro de suas preocupações o tratamento do eu, que aqui deveria ser chamado antes de ego. Para eles, trata-se de fortalecer esse ego contra os impulsos do id e as pressões do superego, de tal forma que escape à neurose, ajustando-se e reajustando-se à vida social existente. E a prática analítica nos Estados Unidos apenas antecipará ou caricaturará o desenvolvimento que também está a ocorrer na Europa. Enquanto Freud apresentava terreamente – e com que angústia! – a questão da relação entre o indivíduo e a sociedade, a terceira geração de psicanalistas e os seus seguidores voaram para o sucesso social e econômico. Lacan denunciou precisamente esta degeneração.

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O discurso do homo oeconomicus

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

A figura do homo oeconomicus como forma de caracterizar o modo de calcular e de atuar do bípede sem plumas quando ele está envolvido em atividades mercantis apareceu junto com o nascimento da economia política [2], grosso modo, no século XVIII. A melhor reflexão sobre essa realização no campo da ciência moderna foi feita por John Stuart Mill em seu Da definição de Economia Política e do método de investigação própria a ela, publicado em 1832. Aí, considerando esse saber como uma ciência moral ou psicológica, define explicitamente a economia política do seguinte modo:

A ciência que trata da produção e da distribuição de riqueza na medida em que elas dependem das leis da natureza humana (…) das leis morais ou psicológica da produção e da distribuição da riqueza.[3]

Porém, o que é riqueza? Mill, em seu artigo seminal, apresenta uma definição em que a riqueza aparece como uma coleção de bens e serviços que tem utilidade e que precisam ser produzidos pelo trabalho humano:

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Liberdade e Alienação; do humanismo mitigado (não-todo)

Autor: Mateus Flisfeder

Atualmente, o conceito popular de Antropoceno, usado para designar a era geológica humana, coloca em questão a centralidade da subjetividade humana. O pós-humanismo crítico – particularmente em suas versões ontologicamente realistas, neoespinosanas e deleuzianas, atreladas ao imediatismo e à imanência pura – exige o descentramento do sujeito humano. Este, em sua arrogância e desprezo prometeico pelo não humano, parece ter incendiado o mundo, causando danos ambientais irreparáveis. Mas será que uma descentração ativa do sujeito humano é realmente possível?

E se a única maneira de acessar adequadamente a situação for fazendo o oposto, isto é, ocupando uma posição antropocêntrica, não no sentido de dominação humana do mundo não humano, mas de fazer da subjetividade humana o centro metodológico e ético de nossa investigação sobre esse enigma? E se a era do Antropoceno exigir, não o descentramento do sujeito humano, mas o inverso? E se agora for preciso repensar um humanismo dialético e universalista por causa do Antropoceno?

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Mercados financeiros no capitalismo contemporâneo

Michael R. Krätke

O novo reinado dos mercados financeiros globalizados

Mesmo que isso possa sempre surpreender alguns é preciso dizer que o capitalismo moderno constitui, desde os seus primórdios, uma economia de crédito e de endividamento. Revoluções financeiras e industriais permeiam seu desenvolvimento, fortemente marcado por saltos. Na hierarquia dos mercados, que caracteriza a forma histórica de uma economia de mercado capitalista, os mercados financeiros (mercado monetário e de crédito) estão e estão sempre colocados no topo. Nesses mercados trocam-se ficções. É aí que o mundo extremamente artificial, “de cabeça para baixo”, do capitalismo se ergue, anda e salta “de cabeça”. Para o capitalismo, como religião cotidiana, a mitologia dos mercados financeiros é indispensável.

Os mercados financeiros sempre tiveram caráter internacional. Hoje, são multipolares, em rede e quase globalizadas. Alguns dos mestres desses mercados, como fundos multinacionais e operadores do mercado de ações, são o que chamamos de players globais. No entanto, os seus clientes, as pessoas comuns desses mercados, não são. O capital que circula nesses mercados comporta-se de forma altamente móvel e globalizada participando de muitos negócios no interior dos limites do mundo dos mercados financeiros internacionais. O volume dos mercados financeiros internacionais, ou seja, a soma total das transações neles realizadas, de alguma forma explodiu durante as décadas de 1980 e 1990.

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Da inflação…

O vídeo que aqui se apresenta é uma tentativa de completar com teoria o que o artigo do economista político britânico Michael Robert apresenta como fato histórico. O seu artigo versa sobre o recente surto inflacionário na economia mundial. Para alcançar esse objetivo, faz-se uso extenso da teoria da inflação de Anwar Shaikh.

Uma tradução do artigo de Michael Roberts, aqui referenciado, encontra-se publicado neste blog, na postagem anterior. Eis aí o vídeo.

Video do autor do blog

Trata-se de uma experiência: uma arquivo em power-point foi transformado num vídeo. Supõe-se aqui que o conteúdo, uma apresentação didática, pode ser entendida sem uma apresentação muito extensa. Aqueles que quiserem fazer um comentário podem fazê-lo porque ele me ajudará a melhorar.