Como funciona a propaganda fascista

Autor: Samir Gandesha [1]

Como se pode retomar atualmente a apresentação sociopsicológica de Adorno sobre a propaganda fascista? Existem basicamente três áreas nas quais as reflexões de Adorno são esclarecedoras: (1) populismo; (2) a análise dos “agitadores” contemporâneos; e, finalmente, (3) a indústria cultural. Antes de abordar estes temas é importante considerar primeiro as limitações de suas extraordinárias reflexões.

Como argumentei em outro lugar, as suposições sociológicas da apropriação de Freud por Adorno, especificamente o conceito de “capitalismo de Estado” de Pollock – segundo o qual o papel do Estado é administrar as tendências de crise do capitalismo – precisam ser repensadas no período caracterizado pela obsolescência do keynesianismo. Além disso, Adorno tinha uma confiança imediata no relato freudiano ortodoxo da teoria da pulsão e no conceito do conflito edipiano. Mas isso precisa também ser repensado e reconstruído para ir além, já que a ontologia atomística e hobbesiana de Freud não se encaixa particularmente bem com uma ontologia social que está em dívida com Hegel e Marx.

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A base subjetiva da propaganda fascista

Autor: Samir Gandesha [1]

A propaganda fascista é construída em torno do conceito básico do “‘pequeno-grande homem’, de um “sujeito” que sugere tanto onipotência quanto a ideia de que vem a ser um “tipo” simples, de sangue vermelho e imaculado, alguém do próprio povo.”

É dessa forma que Adorno apresenta o conceito norteador da “personalidade autoritária”: aquele tipo de personalidade caracterizado tanto pela subordinação ao “forte” (barbeiro suburbano) quanto pela dominação sobre o “fraco” (King Kong). Nisso, a estrutura do caráter social reproduz a contradição que está no cerne da sociedade burguesa entre uma autonomia ou liberdade em teoria, mas heteronomia e falta de liberdade na prática. [N. T.: Eis que essa contradição engendra um “sujeito” fraco/forte, ou seja, que é fraco diante das forças do sistema econômico, mas que tem de ser forte para vencer na vida]. De acordo com Adorno, a imagem do “pequeno-grande homem” responde

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A massa fascista e o “pequeno-grande homem”

Autor: Samir Gandesha[1]

Não pode haver dúvidas hoje de que, após um longo período de dormência, elementos autoritários e, às vezes, francamente fascistas retornaram à vida pública com força total. Voltaram não apenas por toda a Europa, Reino Unido e Estados Unidos, mas globalmente, mais notavelmente na Turquia, Índia e Brasil.

A imagem visualmente mais chocante de tal retorno são os centros de detenção de migrantes que se espalham pelo sul da Europa. Mais notórios, são os “acolhimentos” de crianças centro-americanas negligenciadas e aterrorizadas, supostamente sujeitas a abusos psíquicos e sexuais, nos campos de concentração na fronteira sul dos Estados Unidos com o México.

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Identificação com o agressor: uma explicação para a adesão ao fascismo neoliberal

Autor: Samir Gandesha [1]

Pode-se dizer que o capitalismo neoliberal contemporâneo se caracteriza por duas notas negativas bem significativas: [aumento da desigualdade de renda e riqueza, e crescimento dos movimentos políticos de direita].

Observa-se, por um lado, um aumento impressionante na desigualdade social e econômica desde meados da década de 1970. Por exemplo, desde 1977, sessenta por cento do aumento da renda nacional dos EUA, conforme Piketty, foi canalizada para os dez por cento mais ricos da população. Dada a presente constelação de forças e tendências, tais como, por exemplo, o aumento do investimento em capital fixo e em inovação técnica que intensificam a automação, essa desigualdade só tenderá a aumentar nos próximos anos e décadas.

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A interversão do Esclarecimento

Autora: Gillian Rose [1]

A obra Dialética do esclarecimento de Horkheimer e Adorno foi escrita dez anos depois dos escritos até agora considerados [no livro Marxist Modernism – Introductory lectures of Frankfurt School critical theory]. Eles o escreveram nos anos 40. Eis que os livros que discutimos até agora – de Lukács, Bloch e Benjamin – foram todos escritos nos anos 30. Nele, eles criticam as posições desses três filósofos nos campos da filosofia da história, da teoria da sociedade capitalista tardia e da estética.

Agora, para recapitular os pontos antes alcançados, reafirmamos: Lukács viu o período de sucesso do fascismo como um período de desintegração e decadência; Bloch, por outro lado, viu-o como um período de desintegração, mas o considerou como um momento de transição; e Benjamin, de outro modo, por um lado, considerava que as novas formas de tecnologia do período teriam um potencial libertador, mas, por outro lado, ressaltou que o inimigo de classe não havia deixado de ser vitorioso.

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Pouco desejo e muita obediência

Autor:  Amador Fernández-Savater[1] – IHU – 29/05/204

Segundo Amador Fernández-Savater, na nossa sociedade há muito pouco desejo e muita obediência aos mandatos de desempenho e produtividade. Sobre esse tema, segue-se uma entrevista que deu a Danele Sarriugarte Mochales e que foi publicada originalmente por Argia e reproduzida por El Salto, 29-05-2024.

DSM – Para começar, eu gostaria de perguntar sobre o ponto de partida do livro, que é composto por vários tipos de materiais. Como isso surge?

AFS – Há um compromisso com o livro como uma tecnologia, uma tecnologia muito poderosa. O que quero dizer? Você publica, as pessoas leem com liberdade e rapidez nas redes. É muito bom, há muitos textos de intervenção no presente, nos debates do presente. Mas fazer livro é outra coisa, há um trabalho de encontro e de reorganização, percebe-se como os problemas e as obsessões insistem continuamente, como se encaminham. O título permite articulação. O material é lido de forma diferente.

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Política existêncial: Eros em Marcuse

Autor: Ian Angus [1]

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Vou discordar um pouco de Andrew Feenberg no escrito O conceito de Eros em Marcuse. Ele discorre sobre o uso que Marcuse fez de Freud para desenvolver um conceito de razão erótica. Fez, assim, uma excelente apresentação do projeto de Marcuse. Não se poderia esperar menos de Andrew, especialmente em assuntos marcuseanos.

Talvez eu possa começar sublinhando um aspecto revelador da tentativa de síntese entre Marx e Freud feita por Marcuse. A maioria das discussões sobre Freud feita pelos marxistas foi inspirada na tentativa de explicar o fracasso da classe trabalhadora em cumprir a tarefa revolucionária a ela atribuída, em especial diante do fascismo. Freud foi invocado como um suplemento, no sentido derridiano, para explicar a irracionalidade da atração da classe trabalhadora pelo fascismo. Tal suplemento poderia deixar intocado o conceito de razão operante no marxismo – e mesmo a dicotomia razão/irracional em geral.

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O conceito de Eros de Marcuse

Autor: Andrew Feenberg

A síntese de Herbert Marcuse de Marx e Freud é a versão mais famosa e influente do freudo-marxismo. Nesta palestra, discutirei principalmente seu livro de 1955, Eros e a civilização, mas também, brevemente, Um ensaio sobre a libertação, publicado em 1969. Esses textos apresentam uma teoria social e uma ontologia da metapsicologia freudiana. Para tanto, Marcuse foi levado a fazer algumas elaboradas reconstruções da teoria do instinto freudiano.

De alguma forma, ele teve de introduzir considerações históricas marxistas na relação entre o que Freud chama de “eterno Eros” e o “seu adversário igualmente imortal”, Tânatos. Ele também teve de elaborar uma ontologia, isto é, uma teoria do ser, a partir da psicologia freudiana. Esta última operação é complicada e obscura. Assim, postula as pulsões fundamentais como aspectos da realidade, não apenas da psique.

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Samo Tomšič em paralaxe

Autor: Eleutério F. S. Prado[1]

A psicanálise de Freud à Lacan pressupõe o ser social posto pela sociabilidade mercantil, ou seja, o indivíduo social e, portanto, o dinheiro e, mais do que isso, o próprio capitalismo. Segundo o texto que aqui se vai examinar “não é o inconsciente que explica o capitalismo”, mas o oposto, “é o capitalismo que explica o inconsciente” (Tomšič, 2015, p. 108). Para examinar essa tese – e os seus problemas – é preciso estudar criticamente o que diz Samo Tomšič em seu livro O inconsciente capitalista (2015). Mas será que se chega a algum lugar?

Ele parte de Freud:

A Interpretação dos Sonhos quiz ir além dos seus significados para examinar os mecanismos formais que podem ser reconhecidos nos processos oníricos, isolando assim sua função de satisfação (Tomšič, 2015, p. 100).

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Marx e Freud, um pelo outro

Qual é o tema da teoria crítica?[1]

Sandrine Aumercier[2] e Frank Grohmann[3]

A hipótese freudiana do inconsciente é inseparável de uma crítica do sujeito; o exame de Marx das categorias da economia política constitui uma crítica às relações sociais objetivas do capitalismo. As pesquisas enciclopédicas de Marx em todos os campos científicos de seu tempo, bem como as incansáveis incursões de Freud em disciplinas vizinhas – e, em particular, na teoria da cultura – mostram que nenhum dos dois desconhecia as limitações de suas respectivas abordagens. Pelo contrário, eles foram receptivos ao fato de que o método empregado exigia necessariamente uma extensão para além de si mesmo. Nenhum deles, entretanto, foi capaz de extrair todas as consequências dessa necessidade.

O que ambas as críticas têm em comum é que elas retornam à materialidade da vida psíquica e da vida social. A psicanálise o faz por meio da análise do desvio das formações do inconsciente; a crítica da economia política o faz por meio do exame das consequências sociais da redução da vida humana a um mero apêndice do movimento autônomo do valor, algo que acontece às costas do portador da função. O problema da consciência emerge em ambos como o verdadeiro escândalo.

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