Policrise novamente

Autor: Michael Roberts

The next recession blog – 08/10/2023

No início deste ano, escrevi um poste sobre o que alguns chamam de ‘policrise’. O termo indica que o modo de produção capitalista está se defrontando com diversas tensões disruptivas simultâneas: econômica (inflação e recessão); ambiental (clima e pandemia); e geopolítica (guerra e divisões internacionais). Tudo isso começou a acontecer já no início do século XXI.  Palavra da moda na esquerda conectada às novidades, resume, em muitos aspectos, a minha própria descrição das contradições do sistema. Aquilo que designei como “longa depressão” já da década de 2010 está agora atingindo o seu auge.

Como neste mês de outubro as principais agências econômicas internacionais, o FMI e o Banco Mundial, se reúnem em Marraquexe, vale a pena atualizar aquela postagem. É bom verificar o que está a acontecer com as contradições que compõem a policrise do capitalismo.

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Marx, O capital e a metafísica

Uma nota inicial do professor da FEA “transformado” em blogueiro.

Publica-se em sequência uma introdução ao livro Marx, o Capital e a metafísica de João Paulo, escrita por ele mesmo. Como a controvérsia faz parte dos propósitos do blog Economia e Complexidade, tem-se aqui um texto que, segundo o seu autor, vem a ser uma introdução curta ao conteúdo de uma obra maior que pretende renovar a compreensão da apresentação dialética de O capital. O endereço eletrônico do livro encontra-se ao final do artigo.

Uma introdução

Autor: João Paulo – Blog Canhoto – 26/06/2023

Faço esta introdução para agradar paladares do marxismo oficial, o acadêmico. De tal modo, aqui não estará exposto em exato um resumo do livro inteiro ou algo do tipo; por isso, adianto temas que apenas serão claros no desenrolar da obra. Como o assunto é difícil e desagrada o senso comum teórico, senti necessidade de antecipar algo, para facilitar a aceitação de nossas teses. Portanto, peço mente aberta, sem críticas a priori.

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Fim da hegemonia das finanças? (I)

Introdução: Eleutério F. S. Prado

Cédric Durand, o economista francês de esquerda (marxista) em ascensão, sustenta que a hegemonia das finanças está terminando. Essa tese conflita com a tese que o autor deste blog vem propondo segundo a qual a financeirização é apenas a aparência do processo de socialização do capital. Este último, iniciado já em meados do século XIX, atingira já no final do século XX ao seu amadurecimento. Daí em diante, o grande capital industrial se torna constrangido a obter lucros para servir o capital financeiro, ou seja, os detentores de ações e fundos de vários tipos.  Essa tese concerne, pois, às tendências inerentes ao desenvolvimento da relação de capital e não fica apenas na análise dos fenômenos econômicos (algo que permeia em geral as análises da financeirização).  

Em minha opinião a sua argumentação é fraca, muito fraca.  Afirma que após duas crises supostamente financeiras, a hegemonia das finanças se tornou irracional e que, portanto, aqueles que estão no cimo da política econômica – e que comandam o sistema – tomarão providências para salvá-lo, voltando, provavelmente, à hegemonia do capital industrial. Que, dada a competição geopolítica, o Estado possa passar a intervir mais fortemente no desenvolvimento industrial, essa possibilidade, no entanto, é bem real. Ele vê a desfinanceirização uma como tendência possível, mas parece duvidar que essa transformação se dê de forma bem rápida. Ora, duvidoso mesmo é que o termo “hegemonia” faça sentido para tratar da relação entre o capital financeiro e o capital industrial: eis que são momentos conjugados da produção capitalista; a relação entre eles muda historicamente com a socialização do capital e a crise estrutural da acumulação de capital.

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O que é cibercomunismo?

Por CIBCOM na Jacobin – Tradução: Maurício Ayer, 04/11/2022

I

No calor da revolução digital das últimas quatro décadas, as tecnologias da informação e da computação permearam nossas sociedades a ponto de se tornarem praticamente onipresentes, conectando bilhões de pessoas entre si. O movimento socialista não ia deixar por menos e, nos últimos anos, surgiram vários grupos sob o guarda-chuva do que poderia ser chamado de cibercomunismo.

Apesar do que possa parecer, não se trata apenas de comunistas usando computadores. Neste artigo pretendemos argumentar que o comunismo cibernético é descrito como tal porque consideramos que a cibernética, como ciência da informação e do controle, complementa a crítica da economia política marxista de tal forma que nos permite vislumbrar o substrato informacional oculto por trás realidades burguesas e compará-las com instituições alternativas em termos de eficiência e adaptabilidade.

Para compreender as características essenciais desse novo paradigma teórico, convém fazer uma revisão histórica dos conceitos, autores e correntes que o nutrem. Esta será a intenção última deste escrito: traçar uma espécie de “árvore genealógica” do cibercomunismo.

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Entendimento estatístico da dinâmica econômica

Autor: Ian Wright

Resenha do livro: How labor powers the global economy, de Emmanuel Farjoun, Moshé Machover e David Zachariah (Springer Publishing, 2022, p. 166)

Este livro é uma contribuição à crítica marxista da economia política capitalista; trata-se também de leitura essencial para qualquer pessoa interessada em compreender a dinâmica do capitalismo contemporâneo.

How labor powers the global economy vem em sequência do livro seminal e inovador de Farjoun e Machover, “Laws of caos”, publicado pela primeira vez em 1983. Essa obra introduziu uma nova metodologia na interpretação das principais categorias quantitativas marxistas, pois as considerou como probabilísticas, em vez de determinísticas.

O livro consistiu em um lance teórico ousado e inovador que exigia tivessem os leitores alguma familiaridade com a álgebra linear, a teoria da probabilidade e a estatística. Consequentemente, o número de leitores do “Law of caos” nunca deixou de ser inevitavelmente limitado, mesmo entre os marxistas. No entanto, devido aos seus notáveis insights analíticos, o interesse por esse livro aumentou constantemente nos últimos anos, culminando com a sua republicação em 2020.

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Crítica da desrazão tecno-feudal

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Diversos autores do campo da crítica da economia política têm aderido à tese de que o capitalismo evolveu de modo inesperado, assumindo agora o caráter de algo que chamam de tecno-feudalismo, sem deixar de ser ainda capitalismo: dentre eles, alguns dos mais vocais são Yanis Varoufakis, Mariana Mazzucato, Jodi Dean, Robert Kuttner, Michael Hudson e Wolfgang Streeck.

A formulação mais consistente dessa tese, entretanto, foi desenvolvida por Cédric Durand em seu livro Techno-feudalismo – Crítica da economia digital.[2] Contudo, um número bem menor de autores têm criticado essa teorização que, mesmo numa primeira visada, se afigura inusitada e estranha à tradição da crítica da economia política: dentre eles, conta-se Evgeny Morozov, Michael Roberts e o autor da presente nota. [3]

 Foi Morozov quem apresentou até agora a análise desabonadora, mais extensa e mais sistemática, dessa tese em seu artigo Crítica da razão tecno-feudal. [4] Aí, ele definiu bem o contorno dessa formulação que pretende se configurar como um corpo teórico:

Os teóricos do tecno-feudalismo compartilham com os autores que sustentam a tese do capitalismo cognitivo [5] a suposição de que algo na natureza das redes de informação e dados empurra a economia digital na direção de uma lógica feudal de rentismo e despossessão, para fora e para além da lógica do lucro e da exploração.[6]

Em adição, esses autores se valem de uma analogia para encontrar um apoio mais firme à tese em consideração. Observam que o modo de coletar renda na economia digital tem uma certa semelhança – aparente – como o modo de extração de excedente no feudalismo histórico.

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Uma defesa da hipótese tecno-feudal

Autora: Jodi Dean[1] – Sidecar – 6/05/2022

O capitalismo ainda é o mesmo de sempre? – eis a questão a ser investigada.

A crítica da razão tecno-feudal, feita por Evgeny Morozov e publicada nos últimos números (133/134) da New Left Review (NLR), tem como alvo a crescente lista de pensadores que viram homologias entre o feudalismo e as tendências atuais no sistema capitalista – estagnação prolongada, redistribuição ascendente da renda por meios políticos, um setor digital em que alguns “barões” se beneficiam de uma massa de usuários “vinculados” a seus domínios algorítmicos e do crescimento de um setor de serviços ou de servidores.

Entre os acusados proponentes da “tese feudal” estão Yanis Varoufakis, Mariana Mazzucato, Robert Kuttner, Michael Hudson e eu. Morozov descarta a analogia com o feudalismo ao caracterizá-la como decorrente de uma busca de atenção intelectual faminta de memes e mesmo uma falha em entender o capitalismo digital. Recusa o insight sobre a possibilidade de que esse sistema possa estar se transformando em algo que não pode ser mais adequadamente descrito como capitalismo. Estaria ele certo?

Ao definir em que consiste o capitalismo, Morozov contrasta certas conceituações de marxistas como Robert Brenner com a do principal teórico do sistema-mundo, Immanuel Wallerstein. Como observa, os marxistas geralmente concebem o processo de extração de excedentes sob o feudalismo como uma “expropriação” impulsionada por meios coercitivos ou políticos extraeconômicos: os senhores expropriam a produção dos camponeses sobre os quais exercem poder político e jurídico soberano.

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Como as finanças comandam o capitalismo

Autor: Pete Dolack,

Outras Palavras, 20/09/2022 – Counterpunch | Tradução: Vitor Costa

As dimensões do setor financeiro não têm relação com a economia. Deixando de lado a retórica, ele confisca, ou seja, não cria dinheiro. Quanto? Vale examinar alguns números: valor total das dívidas: US$ 305 trilhões; valor total de papéis financeiros negociados, em média, por dia: US$ 9,68 trilhões.

É muito dinheiro. Tanto que a imaginação tem dificuldades para compreender tais números. Uma maneira de enxergá-los em perspectiva é lembrar que o tamanho da economia mundial (produto interno bruto global para todos os países do mundo) foi de US$ 96,1 trilhões em 2021.

Em outras palavras, o volume de negociação de moedas (câmbio), ações, títulos e seus derivativos supera o tamanho da economia global a cada 10 dias úteis. (O período é quase certamente um pouco mais curto, já que os US$ 9,68 trilhões, média diária de negociação, não incluem a maior parte dos títulos dos Estados, cujo valor negociado é difícil de obter.) Para fazer outra comparação, o valor da dívida dos governos, empresas e famílias do mundo (o total de US$ 305 trilhões acima) é mais de três vezes e meia o valor de toda a atividade econômica produzida em um ano.

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Europa: energia, custo de vida e recessão

Autor: Michael Roberts – Blog The next recession – 09/04/22

Os governos do G7 estão enfrentando um grande problema. A guerra na Ucrânia contra a Rússia não está sendo ganha. Parece que será um longo conflito bem desgastante, aparentemente sem fim definido. E, no entanto, o mundo, e particularmente a Europa, dependem do fornecimento de energia fornecida pela Rússia. O G7 concordou em parar de comprar petróleo russo, como parte do programa de usar sanções econômicas como arma de guerra. Mas até agora, as importações de energia da Rússia não foram interrompidas porque isso significaria uma catástrofe para os países da União Europeia, particularmente para a Alemanha. E a Rússia ainda está vendendo grandes volumes – globalmente – embora com desconto do preço mundial – para a Índia, China e outras economias sedentas de energia.

No início de junho, a União Europeia concordou em impedir as suas empresas de “fazer seguro e de financiar o transporte, nomeadamente, por vias marítimas, de petróleo [russo] para terceiros” após o final de 2022. O objetivo é tornar “difícil para a Rússia” continuar exportando petróleo bruto e produtos petrolíferos para o resto do mundo”. Mas isso ainda não está sendo implementado e os petroleiros gregos estão entregando as exportações de petróleo russo em todo o mundo. Até a última semana, o gás russo ainda estava sendo trazido normalmente para a Europa.[1]

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Uma crítica à tese de Tomasz Konicz

Por Igor Coura de Mendonça

Depois de ler o texto “Uma esquerda que congela no deserto”, refleti em comentários que gostaria de fazer. Se eles soarem como uma crítica áspera ao texto, não foi essa a minha intenção. Eu apenas me senti instigado a trazer uma resposta justamente pelas provocações que o texto apresenta.

<< O capital, devido à racionalização de sua própria substância mediante a competição, livra-se do trabalho que cria valor, gerando assim uma humanidade economicamente supérflua, mas também um mundo ecologicamente devastado >>

Não acredito que o capital seja o criador de uma economia “supérflua”. Nunca houve um “modelo econômico não-supérfluo”, nem acredito que vá existir enquanto os seres humanos continuarem a ser humanos, ainda que educados.

A competição é a única forma que conheço de se gerar preços realistas. Quanto menor o acesso de atores à livre entrada e saída do comércio de produtos e serviços, menor é a capacidade da sociedade de saber o que produzir para atender suas necessidades, podendo chegar ao ponto em que até as necessidades mais básicas deixam de ser atendidas.

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