A armadilha do aperto monetário

A inflação que atualmente prospera na economia mundial, assim como as políticas restritivas que têm sido adotadas para combatê-la, têm minado os salários reais no mundo em geral e, em particular, no Brasil como mostra o gráfico em sequência:

É assim, pois, que a atual política de controle da inflação nos países ricos prejudica os trabalhadores e as populações do mundo como um todo, em especial dos países mais pobres.

Autora: Jayati Ghosh [1] – Project Syndicate – 15/11/2022

Governos e bancos centrais nos Estados Unidos e na Europa continuam a insistir que o aumento das taxas de juros é a única forma de domar a disparada dos preços, embora esteja bastante claro que essa abordagem não está funcionando. Essa confiança equivocada em aumentos de taxas de juros provavelmente levará ao desastre econômico em países de baixa e média renda.

Continuar lendo

A inciência e a inflação

Jayati Ghosh lamenta a incapacidade da profissão de economista de pensar além de análises grosseiras da inflação – e de políticas grosseiras para contê-la. Mas donde vem essa inciência? Qual a sua condição estrutural?

Autora: Jayati Ghosh; publicado em Social Europe, 25/07/2022

A onda inflacionária tem revelado várias coisas sobre os governos atuais, mas também, de forma mais patente, sobre os economistas. O número de economistas e, consequentemente, de formuladores de políticas, que permanecem presos à ideia inflexível de que a inflação resulta de uma política monetária muito frouxa – e que, portanto, os bancos centrais devem restringir a oferta de dinheiro e aumentar as taxas de juros – é enorme. Trata-se de algo que John K. Galbraith teria chamado de “sabedoria convencional”.

Mas isso está errado. As causas da inflação variam de acordo com o contexto e o período. Uma política monetária mais rígida é uma ferramenta perigosa que corre o risco de gerar recessão e desemprego – prejudicando ainda mais os trabalhadores do que os próprios aumentos de preços. Mas essa política não causa apenas sofrimento humano, pois, se os motores da inflação forem outros, reduzir o excesso de demanda supostamente culposo não resolverá o problema.

Esses fatos óbvios parecem quase esquecidos na discussão convencional. Até o respeitado economista Olivier Blanchard, em uma série de tweets, sugeriu que o aumento do desemprego era a única maneira de controlar a inflação. O problema, aparentemente, era como fazer com que os trabalhadores entendessem e aceitassem isso:

Continuar lendo

A ameaça da estagflação

Autor: Eleutério F. S. Prado[1]

Nouriel Roubini[2], um conhecido analista macroeconômico que opera nos EUA, tendo por referência os países ricos, pensa que a ameaça da estagflação se mostra cada vez mais fidedigna. A política econômica atual, que combina expansão monetária e creditícia, assim como impulsos fiscais, tendo em vista estimular a demanda, com respostas insuficientes da oferta, vai produzir, segundo ele, um aquecimento inflacionário. “Combinadas, tais dinâmicas de oferta e demanda” – afirma – “pode gerar estagflação, um aumento geral dos preços e recessão, ao estilo do que ocorreu na década dos anos 1970”. Mesmo uma crise severa das dívidas tal como sobreveio na naquela década pode, potencialmente, ocorrer. Eis como caracteriza a ameaça da estagflação:

Enquanto esses persistentes choques negativos de oferta ameaçam reduzir o potencial de crescimento, a continuidade das políticas monetárias e fiscais frouxas pode desancorar as expectativas inflacionárias. Uma espiral preços-salários pode então sobrevir num ambiente caracterizado por uma tendência recessiva pior do que aquela dos anos 70 do século passado – quando as razões dívida/PIB eram bem menores do que são agora.[3] 

Jayati Ghosh[4], uma notória analista da economia mundial, julga que a estagflação é também uma ameaça, mas agora para os países não desenvolvidos, cujos mercados são ditos emergentes. A interdependência global se acentuou nas últimas décadas de tal modo que essas nações estão sob riscos devidos às consequências das políticas macroeconômicas implementadas pelos países ricos. Nota-se que muitos desses países estão sofrendo com os aumentos dos preços mesmo quando os níveis da atividade econômica e do emprego permanecem baixos e mesmo em declínio. Eis como caracteriza o risco de que essa situação possa perdurar:

Continuar lendo

“Economics” e Ética científica

A ciência econômica corriqueira, aquela que é ensinada nos cursos de Economia na maior parte do mundo e de modo predominante, tem orgulho de se apresentar como ciência positiva. Eis que ela se esmera não apenas em apreender as relações externas entre os fenômenos econômicos, mas também em ser capaz de fazer previsões sobre o comportamento futuro das variáveis econômicas. Um campeão nessa área, Milton Friedman, escreveu em A metodologia da ciência positiva (1957):

“A Economia Positiva é, em princípio, independente de qualquer posição ética ou quaisquer juízos normativos. Se refere ao “o que é” e não ao que “deveria ser”. A sua tarefa consiste em fornecer um sistema de generalizações que possa fornecer previsões corretas acerca das consequências de qualquer mudança das circunstâncias. O seu funcionamento deve ser julgado por sua precisão, alcance e conformidade das predições que fornece com a experiência.”

Para instrumentar esse tipo de teorização, os economistas ditos do “mainstream” desenvolveram a Econometria, ou seja, um campo especializado no aprendizado de técnicas estatísticas simples ou sofisticadas de tratamento empírico de informações sobre variáveis econômicas. Esse saber permite supostamente que os iniciados nessa arte de manipulação de “dados” econômicos possam testar a validade de certas relações funcionais, assim como fazer projeções a partir delas.

Entretanto, na prática, a ambição de objetividade dos economistas do sistema se revela às vezes como o seu contrário, ou seja, como falsificação ou como ideologia vulgar. A arrogância teórica e a pretenciosa cientificidade transmutam-se, então, em grosseira culinária de séries estatísticas com a finalidade de sustentar determinadas proposições e posições de política econômica. Eis que os dados podem ser arrumados ou mesmo inventados, a direção de causação pode ser invertida, as estimações podem ser manipuladas de vários modos. Por isso mesmo, parece ser usual nesse campo a prática de evitar a replicação dos experimentos estatísticos.

Neste post apresenta-se um caso exemplar fornecido pela economista crítica Jayati Ghosh. Ela mostra, numa nota publicada no portal Project Syndicate, que foi provado que um famoso artigo publicado numa “revista de primeira linha” torceu e corrompeu a econometria para provar que políticas pró-trabalhadores prejudicam os próprios trabalhadores.

Eis o artigo: Ciência e Subterfúgio em Economics