A massa fascista e o “pequeno-grande homem”

Autor: Samir Gandesha[1]

Não pode haver dúvidas hoje de que, após um longo período de dormência, elementos autoritários e, às vezes, francamente fascistas retornaram à vida pública com força total. Voltaram não apenas por toda a Europa, Reino Unido e Estados Unidos, mas globalmente, mais notavelmente na Turquia, Índia e Brasil.

A imagem visualmente mais chocante de tal retorno são os centros de detenção de migrantes que se espalham pelo sul da Europa. Mais notórios, são os “acolhimentos” de crianças centro-americanas negligenciadas e aterrorizadas, supostamente sujeitas a abusos psíquicos e sexuais, nos campos de concentração na fronteira sul dos Estados Unidos com o México.

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Em guerra com o “meu” neoliberalismo

Autor: Amador Fernández-Savater [1]

Vários exercícios de “economia libidinal” são ensaiados neste livro [Capitalismo Libidinal [2]] O que se quer dizer com esse título? O que ele significa?

Em primeiro lugar, uma espécie de escuta, acolhida de fenômenos que chamam a atenção, não apenas os discursos ou as identidades, os cálculos ou os interesses, mas também às posições do desejo e as flutuações de humor, desejos e relutâncias, assim como os estados anímicos.

Jean-François Lyotard, em seu livro intitulado Economia Libidinal, nos ensina a distinção entre signos e intensidades: o que é dito e o que acontece, o nível de informação e o nível das forças. Nosso ouvido, hipersemiotizado, registra (e acredite-se!) as retóricas, as declarações, as gesticulações, mas deixa escapar os funcionamentos, as ações e os movimentos que deslizam “por baixo”. É um ouvido incauto, que fetichiza sinais, que acredita no que é dito e mostrado, leva as coisas ao pé da letra. Mas não basta falar de algo (revolução, comunidade, cuidado) para que ele exista. E vice-versa: há existências imperceptíveis, sem nome, sem termo de referência, sem rótulo.

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O retorno da psicopolítica

Autor: Eli Zaretksy [1] – Sidecar – 22/09/2023

Como que demonstrando que o reprimido retorna, a política irrompeu no mundo supostamente apolítico da psicanálise americana. Um grupo de defesa, Black Psychoanalysts Speak e um documentário, Psychoanalysis in El Barrio, procuram corrigir os preconceitos raciais e de classe dessa disciplina, a análise.

Unbehagen, um serviço de psicanalítico popular, está envolvido num debate agitado sobre se é necessário combinar o gênero, a raça, a etnia e a orientação sexual do analista com os do paciente. A própria Associação Psicanalítica Americana (APsaA) foi abalada por recriminações políticas, expurgos, demissões e denúncias. Um artigo de Donald Moss, publicado no jornal da associação, forneceu o catalisador para isso ocorresse. De acordo com seu resumo:

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Males psíquicos no capitalismo: neurose obsessiva e histeria

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Ian Parker, em seu livro Psicanálise lacaniana – revoluções em subjetividade[1], estabelece relações entre certas categoriais psicológicas, caracterizadas grosso modo como neuróticas, e certas “posições estruturais” inerentes à esfera econômica do capitalismo. O seu ponto de partida parece ser o de que os indivíduos sociais nesse sistema, mesmo tendo de aparecer como sujeitos autônomos, precisam se comportar como atributos e personificações das coisas – não como sujeitos, portanto.

Mesmo se a questão investigada tem uma abrangência maior na história, essa nota se preocupa somente com essas relações na sociedade moderna e de modo restrito. A nota que aqui vai tem a pretensão de ser apenas um ensaio modesto que traz algum esclarecimento.

Nessa perspectiva, Parker começa examinando o mundo do trabalho no capitalismo. Convém que uma contradição caracteriza sobretudo os indivíduos sociais nesse modo de produção: por um lado, eles têm de produzir valor para o capital, mas, por outro, têm de bem realizar os processos de trabalho que são necessários para a reprodução da sociedade. E isso tem consequências para a sua subjetividade.

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Subsunção da pulsão de morte ao capital

Introdução: Eleutério F. S. Prado

Apresenta-se em sequência mais um trecho do livro Gozando com o que não se tem – o projeto político da psicanálise (Enjoying we don’t have – the political Project of psychoanalysis, 2013), de Todd McGowan. Assim como no anterior, busca-se nesta nova postagem continuar apresentado as conexões entre a psicanálise em sua versão não conformista e a crítica da economia política que vem de Karl Marx. Eis que esta última vem de Sigmund Freud, passa por Jacques Lacan e chega a autores como Slavoj Zizec.  

A tradução do trecho escolhido é literal, mas aqui se propõe que a sua noção central, pulsão de morte, seja lida criticamente. Segundo a psicanálise contemporânea – note-se –, a pulsão em geral – e não o mero instinto – é uma característica do ser humano justamente por que ele é um ser de linguagem. Ora, essa pulsão mora no inconsciente, mas se manifesta no consciente na forma do desejo em todas as formas de sociedade. Nem sempre do mesmo modo.

Como ocorre no capitalismo? Como esse modo de produção está baseado na subsunção do trabalho ao capital e na subsunção do sujeito à lógica do capital, o desejo das pessoas fica subsumido a um mandamento acumulativo. Eis que o superego reafirma constantemente ao “sujeito” o modo de ser do próprio capital que, como bem se sabe, move-se segundo a lógica do mau infinito. Tem-se, em consequência, um desejo insaciável que se dirige também para a acumulação. Assim, o capitalismo captura os desejos do sujeito oferecendo-lhe satisfação supostamente possível, mas lhe entrega, ao fim e ao cabo, apenas insatisfação. E isso será bem explicado no texto traduzido.

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