Niilismo, capital, fascismo

Eleutério F. S. Prado [1][2]

Cesse tudo o que musa antiga canta; Que outro valor mais alto se alevanta

A declaração de Nietzsche, feita entre 1884 e 1888, de que a sociedade europeia abrira-se já para a entrada desoladora do niilismo, isto é, da depreciação de todos os valores morais que mantinham os humanos juntos na terra, ainda que com os pensamentos no céu, é desafiadora. Eis precisamente o que ele profetizou; eis como o fez; eis como negou uma causa apontada; eis como explicou o advento do niilismo [3]:

O niilismo está à porta: de onde vem esse mais sinistro de todos os hóspedes?

Ponto de partida: é um erro remeter [essa questão] a “estados de indigência social’ ou ‘degeneração fisiológica’ ou até mesmo à corrupção, como causa do niilismo.

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Quando o neoliberalismo encontra o fascismo

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

O neoliberalismo é, sim, criador. Do que mesmo, na prática!? De má distribuição da renda, da destruição da proteção social dos mais pobres, da precarização da condição de vida dos trabalhadores – tudo isso é bem conhecido. Ainda que procure se justificar em nome da liberdade, o que ele procura mesmo é elevar a taxa de lucro do capital industrial e manter intocado e em processo de valorização o volumoso capital fictício acumulado nas últimas décadas. Mas a sua mais terrível – tem gente que gosta desse último termo e o emprega positivamente – criação não é bem conhecida. E ela precisa, sim, ser mostrada e bem mostrada.

Antes disso, note-se que esse agenciamento político é de certo modo sincero quando exalta a liberdade, mas se veja também que defende, em última análise, a liberdade do agente econômico, do homem como personificação do seu capital. E, nessa perspectiva, é preciso perceber que o neoliberalismo se move também no terreno da moralidade e tem uma pretensão tanto idealista quanto “idealista”.   

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Ruinas do neoliberalismo: Chile, o caso precursor

Os acontecimentos no Chile, mesmo filtrados por uma imprensa que não tem muito interesse em divulgá-los, são impressionantes. Se a economia chilena é julgada por critérios economicistas, não há grande dúvida, parece que ela estava indo muito bem. Mas se é assim, por que ocorre atualmente esse enorme incêndio na sociedade chilena?

É para entender melhor esse aspecto que se consulta primeiro, na nota encaminhada por meio deste post, um artigo do economista chileno Andrés Velasco, publicado no portal Project Syndicate. Ele tenta explicá-lo por meio do conhecimento extenso que, evidentemente, possui sobre esse país.

Como o Chile é considerado como uma vitrine do neoliberalismo, tais eventos não denotam um fracasso das políticas que vem sendo implementadas em muitos países do mundo, inclusive no Brasil? Ora, quando esse problema foi apresentado a Paulo Guedes, Ministro da Economia do atual governo no Brasil, ele não soube respondê-la adequadamente.

Ao lançar recentemente planos que pretendem reformar o Estado brasileiro para adequá-lo a certas aspirações dessa corrente política, ele minimizou: “democracia é assim mesmo: barulhenta (…) ainda há insatisfação com a desigualdade”. Mas será só isso!? Será que um economista neoliberal como ele entende de sociedade?

Como a resposta economicista se afigura como bem insuficiente, procura-se junto a um professor de filosofia e cientista político, Hans Sluga, outra explicação. Ele sugere que o neoliberalismo reativou, mesmo sem o desejar, o niilismo, um solo em que prosperam agora os extremismos de direita. Ao expandir – completando, assim, a sua tese – a racionalidade econômica para todas as esferas da sociedade, o neoliberalismo limpou o terreno onde cresceu o mato dos movimentos que agora ameaçam a democracia liberal e mesmo a civilização no seio da sociedade contemporânea.

A hipótese deste autor encontra-se num livro de Wendy Brown, In the Ruins of neoliberalism, que será resenhado em breve por este blogueiro. De qualquer modo, a interpretação dessa hipótese é devedora de teses que se encontram neste livro.

Ora, quando se observa que emergiu no Chile uma forte reação ao neoliberalismo, é preciso fazer várias perguntas. Por que surgiu essa reação? Qual o seu sentido histórico? Ora, o que foi criado antes pelo conluio entre os economistas neoliberais da Universidade de Chicago e os militares da ditadura Pinochet? Por que a principal pauta do movimento opositor consiste agora na revogação da Constituição criada justamente no período da ditadura?

Eis a nota: Ruinas do neoliberalismo: Ruinas do neoliberalismo: Chile, o caso precursor
Observação: uma versão desta nota foi publicada em 12/11/2019 no portal do Outras Palavras. Aqui, entretanto, publica-se uma versão aprimorada.