Identificação com o agressor: uma explicação para a adesão ao fascismo neoliberal

Autor: Samir Gandesha [1]

Pode-se dizer que o capitalismo neoliberal contemporâneo se caracteriza por duas notas negativas bem significativas: [aumento da desigualdade de renda e riqueza, e crescimento dos movimentos políticos de direita].

Observa-se, por um lado, um aumento impressionante na desigualdade social e econômica desde meados da década de 1970. Por exemplo, desde 1977, sessenta por cento do aumento da renda nacional dos EUA, conforme Piketty, foi canalizada para os dez por cento mais ricos da população. Dada a presente constelação de forças e tendências, tais como, por exemplo, o aumento do investimento em capital fixo e em inovação técnica que intensificam a automação, essa desigualdade só tenderá a aumentar nos próximos anos e décadas.

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A batalha por semicondutores na Europa

Autor: Scott Lavery[1] – Sidecar- 25/04/2024

Em maio de 2023, Olaf Scholz proclamou que uma grande “reindustrialização” estava ocorrendo na Alemanha. Falando no lançamento de uma nova fábrica de semicondutores – Infineon – de US$ 5 bilhões, o chanceler se gabou de que um em cada três microchips europeus agora seria “Made in Saxony”. Um mês depois, a Intel confirmou que investiria US$ 33 bilhões em duas novas fábricas em Magdeburg: o maior investimento estrangeiro direto da história da República Federal.

Isso foi seguido por um anúncio de que a gigante taiwanesa de semicondutores TSMC assumiria uma participação de 70% em uma nova fábrica de fabricação de € 11 bilhões em Dresden. O chamado livre mercado não atraiu essas empresas para a “Saxônia do Silício”: 20 bilhões de euros em subsídios do governo alemão fizeram este milagre. O sumo sacerdote da disciplina orçamental da zona euro deixou de lado os seus sagrados precatórios, respondendo ao declínio do seu modelo de crescimento liderado pelas exportações com uma farra de subsídios.

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Sobre a socialização do capital

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

É bem sabido que Marx, já em meados do século XIX, contemplou o processo de socialização do capital, ou seja, a superação da forma “capital privado” pela forma “capital social”. No primeiro caso, a empresa capitalista típica figura como propriedade de certos indivíduos – personificações –, os quais se comportam como capitalistas industriais e/ou comerciais. No segundo, não.

Pois essa forma, em virtude da escala da produção e do tamanho exigido das unidades de produção e comercialização, começara já em sua época a ser substituída por outra mais adequada à expansão do próprio modo de produção. Eis que, no segundo caso, por necessidade intrínseca da atividade econômica, a empresa capitalista vem a ser, então, propriedade coletiva de personificações – indivíduos, famílias etc. – que estão forçados a se comportarem como capitalistas financeiros.

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Outra visão da financeirização

Autores: Stephen Maher e Scott Aquanno[1]

A análise do papel das finanças no desenvolvimento do capitalismo contemporâneo oferecida por este livro é marcadamente diferente daquela geralmente encontrada em plataformas políticas progressistas e em estudos críticos. De fato, há hoje um consenso quase universal, particularmente após a crise de 2008, de que as finanças são uma força corrosiva e parasitária na economia industrial “real”. O mesmo acontece com os muitos males do neoliberalismo, de crises às desigualdades sociais, pois, elas são constantemente atribuídas à “financeirização”.

Enquanto os progressistas temem que a prosperidade e a competitividade nos EUA diminuam sem regulamentações para controlar o poder das finanças, os marxistas, por sua vez, veem em geral a financeirização como um sintoma do “capitalismo tardio” e como um prenúncio do declínio imperial americano. Essas ideias animaram debates políticos entre socialistas e progressistas, bem como as plataformas de figuras políticas que vão de Hillary Clinton a Jeremy Corbyn.[2]

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Quem possui e controla o capital globalmente

Autora: Albina Gibadullina [1]

Resumo [2]

Desde a década de 1980, as finanças dos EUA cresceram desproporcionalmente em poder e influência, à medida que os fundos de investimento americanos se tornaram os maiores acionistas das corporações americanas, administrando dezenas de trilhões de dólares em investimentos. Este artigo fornece uma nova análise empírica da ascensão do capitalismo de gestores de ativos nos Estados Unidos.

De fato, ele explora a extensão de sua disseminação global, examinando o Formulário SEC de investidores institucionais dos EUA, juntamente com um extenso conjunto de dados de propriedade corporativa global fornecido pela Orbis. Este artigo conclui que as finanças dos EUA possuem aproximadamente 60% das empresas listadas nos EUA (era apenas 3% em 1945) e 28% do patrimônio de todas as empresas listadas globalmente.

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Nossas vidas em seus portfólios

Resenha do livro Our Lives in Their Portfolios: Why Asset Managers Own the World (London: Verso Books, 2023. 320 pp.) de Brett Christophers. O escrito dos dois autores abaixo indicados foi publicado originalmente em Marx & Philosophy – Review of Books em 24 de abril de 2024.

Autores: Thomas Klikauer [1] e Thu Nguyen [2]

Desde a crise financeira global, os grandes bancos ficaram em segundo plano e os gestores de ativos se tornaram – tal como eles próprias costumam se autodenominar – os novos especialistas e administradores do capitalismo. Contudo, eles, como um todo, também possuem ativos globais de habitação e infraestrutura além dos ativos propriamente financeiros.

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O capitalismo britânico está estagnado

Autor: Michel Roberts – The next recession blog – 04/07/2024

Os cidadãos do Reino Unido votaram em uma eleição geral em 4 de julho de 2024.  As pesquisas de opinião atualmente preveem que o Partido Conservador, após 14 anos no governo, será fortemente derrotado.  Espera-se que o Partido Trabalhista, de oposição, ganhe uma maioria de mais de 250 assentos. Trata-se de um deslizamento de terra recorde, pois os conservadores obterão menos de 100 assentos.

Mas antes da eleição, 75% dos britânicos mostraram que têm uma visão negativa da política na Grã-Bretanha.  Eis que os partidos Trabalhista e Conservador devem registrar uma menor parcela combinada de votos em um século.  Em vez disso, partidos menores como a Reforma, os Liberais Democratas e os Verdes fizeram avanços.

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Capitalismo abutre – será mesmo?

Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 08/05/2024

Estamos presos no capitalismo abutre?

Grace Blakeley é uma estrela da mídia da ala radical de esquerda do movimento trabalhista britânico.  Ela é colunista do jornal de esquerda Tribune e palestrante regular sobre debates políticos na radiodifusão – muitas vezes, ela se mostra como a única porta-voz da esquerda que defende alternativas socialistas.

Seu perfil e popularidade levaram seu último livro, Stolen, diretamente para o top 50 de todos os livros na Amazon.  Seu novo livro, intitulado Vulture Capitalism: Corporate Crimes, Backdoor Bailouts and the Death of Freedom (Bloomsbury 2024) alcançou ainda mais popularidade. Está “listado’ como o livro de não-ficção feminino do ano; até mesmo a revista Glamour considerou que se tratava de um livro essencial para jovens fashionistas lerem.

O tema principal de Blakeley em Vulture Capitalism é desmistificar o conceito de longa data da economia neoclássica convencional de que o capitalismo é um sistema de “livre mercado” e competição.  Se o capitalismo alguma vez teve “mercados livres” e competição entre empresas na luta para obter lucros criados pelo trabalho (e Blakeley duvida que alguma vez o tenha feito), então certamente não o faz agora. 

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Da noção de capital financeiro

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

A financeirização e o capital financeiro são fenômenos do desenvolvimento do capitalismo notados principalmente durante o século XX. Como tais, eles não resultaram de novas hegemonias de classe nem de grandes mudanças de política econômica, historicamente datadas e ideologicamente motivadas. Não deveriam ser vistos, portanto, como falhas ou como anomalias que poderiam ser evitadas por formas alternativas de governança, tal como costuma pensar certas correntes do marxismo vulgar e do keynesianismo crítico.

Eis que são processos inerentes ou próprios da lógica de desenvolvimento do capital, os quais não podem ser anulados ou revertidos ao bel-prazer de vontades políticas progressistas, por meio de políticas econômicas mais bem concebidas por estarem preocupadas com o bem-estar da população em geral. Ainda que possam condicionar ou modificar o curso dos acontecimentos, elas respondem em geral, com graus de liberdade suficientes, às exigências estruturais e às crises do próprio capitalismo. Para entender tais fenômenos intrínsecos ao devir histórico desse sistema é preciso voltar à apresentação dialética em que consiste O capital. Contudo, é justo começar discutindo escritos do autor que examinou essa questão exaustivamente.

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Finança e capital industrial

Autores: Scott Sehon e Stephen Maher[1]

Tradução: Sofia Schurig (Jacobina, 5/04/2024).

Hoje, é praticamente dado como certo por figuras políticas desde Hillary Clinton até Bernie Sanders que o aumento da finança nas últimas décadas ocorreu às custas da indústria. Essas opiniões também são amplamente difundidas entre os economistas políticos críticos, talvez o mais proeminente deles seja Robert Brenner e Cédric Durand. Seu surgimento, diz Durand, está “enraizado no esgotamento da dinâmica produtiva nas economias avançadas e na reorientação do capital para longe do investimento produtivo doméstico”. Segundo essa visão, o capital industrial “real” foi superado pelas atividades “fictícias” da finança. O aumento desta última é um sintoma de uma “fase tardia” do capitalismo, um prenúncio da disfunção e declínio do sistema.

Para Brenner e Durand, o aumento deste setor financeiro corrosivo dependeu crucialmente de sua capacidade de capturar o estado – levando à formação do que Brenner e Dylan Riley chegaram a chamar de uma nova forma de capitalismo, “capitalismo político”. Segundo esses teóricos, isso tem sido talvez acima de tudo evidente na política de flexibilização quantitativa (QE) do Federal Reserve ao longo de décadas: “infusões monetárias ininterruptas dos bancos centrais”, que Durand vê como resultado de “chantagem” por parte de um setor financeiro corrosivo.

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