Mais escuro? Quer um mundo mais escuro?

 Três temas entrelaçados: uma sociedade doente, os adoradores de Trump e o triângulo dramático

Bruce E. Levine [1]  – Counterpunch – 20/03/2024

Em 3 de março de 2024, a pesquisa New York Times/Siena informou: “Donald Trump lidera em relação a Joe Biden; obteve 48% a 43% entre os eleitores registrados”. Alguns milhões de americanos estão horrorizados com o fato de que outros milhões de americanos estão prontos para eleger como presidente não apenas um canalha, mas um canalha que não disfarça a sua canalhice.

Eis, pois, que uma pergunta apavorada sobrevém: o que será necessário para que os apoiadores de Trump finalmente fiquem horrorizados com ele? Quanto de fraude financeira? Quanto de interferência eleitoral? Quanta incitação a novas insurreições? Quantas obstruções da Justiça? Quantos furtos mais de documentos de defesa nacional? Quantas empreiteiras mais entrarão em falências? Quantas agressões sexuais? Quantos comentários sobre “agarrar na xoxota”?

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A dissolução do marxismo humanista (I)

Publica-se aqui uma tradução de um artigo de Ian H. Angus The dissolution of Marxist humanism em duas partes para, numa data em sequência, publicar também um comentário do autor deste blogue sobre o conceito de “homem” – humanitas – em Karl Marx.

Autor: Ian H. Angus [1]

1.Introdução

Em 1906, Benedetto Croce, em seu O que está vivo e o que está morto na filosofia de Hegel, questionou a filosofia de uma nova maneira. Em vez de perguntar o que é verdadeiro e o que é falso na linguagem estabelecida da filosofia, ele colocou a questão de uma maneira que era imediatamente histórica: o que era verdadeiro poderia ter se tornado falso e o que era falso poderia ter se tornado verdade. Perguntava sobre o aqui e agora da filosofia, não sobre o seu conteúdo eterno.

É certo que essa referência histórica já existia em Hegel na medida em que a verdade era entendida como algo que vai surgindo, mas também era vista como culminação da lógica – isto é, a verdade encapsulava a história mesmo emergindo dela. Croce afirmou implicitamente a incompatibilidade entre lógica e história.

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A crítica de Marcuse à Fromm

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Como se sabe, a avaliação negativa de Herbert Marcuse da obra de Erich Fromm – assim como das teorias de Karen Horney e de Harry S. Sullivan, ou seja, ao que denomina de “revisionismo neofreudiano” – se encontra no epílogo do livro Eros e Civilização, publicado originalmente em 1955. A escola culturalista – diz ele – rejeita a teoria da pulsão de Freud e, ao fazê-lo, inibe o seu caráter crítico da sociedade: “o enfraquecimento (…) da teoria da sexualidade [original], conduz a um enfraquecimento [revisionista] da crítica sociológica” (Marcuse, 1978, p. 209).[2]

Aqui, apenas o primeiro autor acima mencionado, Fromm, será considerado. Ademais, a apreciação de autores diversos por atacado costuma perder a precisão, cometendo injustiças. E este, pelo menos à princípio, pode ser o caso aqui discutido.  

Veja-se, Marcuse sustentou em seu texto que Fromm havia se afastado da teoria da libido de Freud.  No entanto, Fromm, num de seus últimos escritos, esclareceu que nunca rejeitara a teoria das pulsões de Freud, ainda que tenha criticado o seu caráter estático: “minha crítica à teoria da libido não se dirige a sua orientação biológica como tal, mas antes (…) a fisiologia mecanicista na qual (…) se enraíza” (Fromm, 2013, p. 19).

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A crítica frommiana da noção de “pulsão de morte”

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

Em postagem anterior, procurou-se entender melhor a categoria psicanalítica de “pulsão de morte” tal como aparece na literatura mais recente, a qual tem feito um esforço contínuo para depurá-la de suas imprecisões.  Como foi visto nessa resenha, essa noção – e isso é algo bem conhecido – é bem ambígua e controversa; os psicanalistas em geral divergem não só quanto ao seu significado, mas também se ela deve ser acolhida ou não como válida no próprio corpo da teoria. Para apresentar uma crítica dessa suposta categoria, vale-se aqui de uma sua apresentação feita por Christian Dunker:

A hipótese mais especulativa de Freud, como cientista e materialista, consistiu em dizer que a vida é um parêntese entre dois estados inorgânicos. Por isso, haveria uma tendência de retorno ao estado anterior que explicaria o aparentemente gosto irracional do humano pela repetição, mesmo quando isso implica em dor, desprazer e morte.[2]

A pulsão de morte, portanto, está ligada às repetições compulsivas das experiências traumáticas. Manifesta-se, portanto, como um desejo de aniquilamento, de destruição seja de si mesmo seja dos outros. Por isso mesmo, a própria existência da sociedade dependeria de sua contenção, de seu enceramento dentro de limites.

A pulsão de morte explicaria por que parte substancial de nossa cultura, de nosso brincar e de nossos laços sociais depende de certa administração da agressividade e, portanto, da contenção, mas também da participação, de nosso gosto por destruir.[3]

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