As formas históricas da socialização do capital nos EUA

Resenha do livro The Fall and Rise of American Finance: from J.P Morgan to Blackrock de Scott Aquanno and Stephen Maher, Verso, New York, 2024, a qual foi  publicada em Marx and Philosophy Review of Books, em 15/08/2024.

Autor: Davide Ventrone [1]

Não faltam livros marxistas sobre o tema “finanças”, abrangendo uma variedade de tópicos e opiniões. Autores como Costas Lapavitsas, Cedric Durand e Ben Fine mostraram as relações de dinheiro, crédito, capital portador de juros e a financeirização em nossas vidas cotidianas. No entanto, poucos autores nos últimos anos discutiram as finanças principalmente para compreender as formas da governança corporativa. Nessa governança, característica das corporações modernas, aqueles que controlam a empresa não são os seus donos legais. E ela se dá sob várias configurações. Há, pois, diferentes regimes de governança corporativa unindo os investidores externos e os gerentes internos.

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Como funciona a propaganda fascista

Autor: Samir Gandesha [1]

Como se pode retomar atualmente a apresentação sociopsicológica de Adorno sobre a propaganda fascista? Existem basicamente três áreas nas quais as reflexões de Adorno são esclarecedoras: (1) populismo; (2) a análise dos “agitadores” contemporâneos; e, finalmente, (3) a indústria cultural. Antes de abordar estes temas é importante considerar primeiro as limitações de suas extraordinárias reflexões.

Como argumentei em outro lugar, as suposições sociológicas da apropriação de Freud por Adorno, especificamente o conceito de “capitalismo de Estado” de Pollock – segundo o qual o papel do Estado é administrar as tendências de crise do capitalismo – precisam ser repensadas no período caracterizado pela obsolescência do keynesianismo. Além disso, Adorno tinha uma confiança imediata no relato freudiano ortodoxo da teoria da pulsão e no conceito do conflito edipiano. Mas isso precisa também ser repensado e reconstruído para ir além, já que a ontologia atomística e hobbesiana de Freud não se encaixa particularmente bem com uma ontologia social que está em dívida com Hegel e Marx.

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A base subjetiva da propaganda fascista

Autor: Samir Gandesha [1]

A propaganda fascista é construída em torno do conceito básico do “‘pequeno-grande homem’, de um “sujeito” que sugere tanto onipotência quanto a ideia de que vem a ser um “tipo” simples, de sangue vermelho e imaculado, alguém do próprio povo.”

É dessa forma que Adorno apresenta o conceito norteador da “personalidade autoritária”: aquele tipo de personalidade caracterizado tanto pela subordinação ao “forte” (barbeiro suburbano) quanto pela dominação sobre o “fraco” (King Kong). Nisso, a estrutura do caráter social reproduz a contradição que está no cerne da sociedade burguesa entre uma autonomia ou liberdade em teoria, mas heteronomia e falta de liberdade na prática. [N. T.: Eis que essa contradição engendra um “sujeito” fraco/forte, ou seja, que é fraco diante das forças do sistema econômico, mas que tem de ser forte para vencer na vida]. De acordo com Adorno, a imagem do “pequeno-grande homem” responde

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A massa fascista e o “pequeno-grande homem”

Autor: Samir Gandesha[1]

Não pode haver dúvidas hoje de que, após um longo período de dormência, elementos autoritários e, às vezes, francamente fascistas retornaram à vida pública com força total. Voltaram não apenas por toda a Europa, Reino Unido e Estados Unidos, mas globalmente, mais notavelmente na Turquia, Índia e Brasil.

A imagem visualmente mais chocante de tal retorno são os centros de detenção de migrantes que se espalham pelo sul da Europa. Mais notórios, são os “acolhimentos” de crianças centro-americanas negligenciadas e aterrorizadas, supostamente sujeitas a abusos psíquicos e sexuais, nos campos de concentração na fronteira sul dos Estados Unidos com o México.

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Identificação com o agressor: uma explicação para a adesão ao fascismo neoliberal

Autor: Samir Gandesha [1]

Pode-se dizer que o capitalismo neoliberal contemporâneo se caracteriza por duas notas negativas bem significativas: [aumento da desigualdade de renda e riqueza, e crescimento dos movimentos políticos de direita].

Observa-se, por um lado, um aumento impressionante na desigualdade social e econômica desde meados da década de 1970. Por exemplo, desde 1977, sessenta por cento do aumento da renda nacional dos EUA, conforme Piketty, foi canalizada para os dez por cento mais ricos da população. Dada a presente constelação de forças e tendências, tais como, por exemplo, o aumento do investimento em capital fixo e em inovação técnica que intensificam a automação, essa desigualdade só tenderá a aumentar nos próximos anos e décadas.

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Aonde nos leva o declinio do império norte-americano?

Autor: Richard D. Wolff [1] – Counterpunch – 09/09/2024

As evidências sugerem que os impérios muitas vezes reagem aos períodos em que entram em declínio expandindo demais seus mecanismos de sobrevivência. Ações militares, problemas de infraestrutura e demandas de bem-estar social podem então se combinar ou entrar em conflito. Acumulam-se assim custos e efeitos de reação que o império em declínio não consegue administrar. Políticas destinadas a fortalecer o império – e isso já aconteceu na história – agora o minam.

As mudanças sociais contemporâneas dentro e fora do império podem reforçar, retardar ou reverter o declínio. No entanto, quando os líderes negam a sua existência, isso pode acelerar o processo. Nos primeiros anos dos impérios, os líderes e os liderados podem reprimir aqueles entre eles que enfatizam ou que apenas ousam mencionar o declínio. Os problemas sociais também podem ser negados e/ou minimizados; se admitidos, podem ser atribuídos a bodes expiatórios convenientes – imigrantes, potências estrangeiras ou minorias étnicas – em vez de serem associados ao declínio imperial.

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Globalização, capitalismo e hegemonia

Andrea Cavazzini [1] – Sin Permisso – 30/08/2024

A ascensão e o aguçamento da rivalidade entre a China e os Estados Unidos são frequentemente reduzidos a desejos pessoais de supremacia (Trump vs. Xi Jinping em particular), quando não são apresentados como uma simples reiteração da eterna batalha do Bem (Ocidente, democracia) contra o Mal (Oriente, despotismo). Pelo contrário, em seu último livro, o economista Benjamin Bürbaumer se propõe a descrever e explicar essa rivalidade. Eis que ela determina algumas das transformações mais importantes da ordem mundial atual, com base em uma análise do capitalismo e suas contradições.

O contexto global em que vivemos é amplamente marcado não apenas pela relação cada vez mais contenciosa entre a China e os Estados Unidos, mas também por uma aceleração da capacidade da China de modificar estrategicamente a ordem institucional – econômica, social e política – do mundo contemporâneo. É urgente elaborar análises o mais ricas possível dessa situação, para entender não apenas as metamorfoses das relações capitalistas e suas alternativas internas, mas também (obviamente) tentar decifrar as possíveis perspectivas de sua abolição.

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Um modelo econômico xenófobo

Autor: Felix Helberg – Jacobina – 09/09/2024

Em Turíngia, antiga Alemanha Oriental, a extrema direita representada pelo partido AfD venceu uma eleição estadual pela primeira vez. Seu sucesso é o resultado de um modelo econômico de baixos salários que, por sua vez, alimentou uma reação anti-imigração.

No domingo ocorreram eleições estaduais nos estados orientais da Alemanha, Turíngia e Saxônia — com a extrema direita se saindo tão bem quanto o esperado. A Alternative für Deutschland (AfD) obteve 32,8% e 30,6% em cada estado, respectivamente, tornando-se o partido mais popular na Turíngia e ficando em segundo lugar na Saxônia. Espera-se que, quando outro estado oriental, Brandemburgo, votar em 22 de setembro, o resultado seja semelhante.

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Sobre a socialização do capital

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

É bem sabido que Marx, já em meados do século XIX, contemplou o processo de socialização do capital, ou seja, a superação da forma “capital privado” pela forma “capital social”. No primeiro caso, a empresa capitalista típica figura como propriedade de certos indivíduos – personificações –, os quais se comportam como capitalistas industriais e/ou comerciais. No segundo, não.

Pois essa forma, em virtude da escala da produção e do tamanho exigido das unidades de produção e comercialização, começara já em sua época a ser substituída por outra mais adequada à expansão do próprio modo de produção. Eis que, no segundo caso, por necessidade intrínseca da atividade econômica, a empresa capitalista vem a ser, então, propriedade coletiva de personificações – indivíduos, famílias etc. – que estão forçados a se comportarem como capitalistas financeiros.

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Capital: finança, poder ou relação social?

Autor: Nick Johnson – Blog: The political economy of development – 28/08/2024

Aqui se cita [e se discute] a introdução do último livro de Geoffrey Hodgson, The wealth of a nation – The institutional foundation of English capitalism, no qual ele põe e defende uma concepção particular de capital e de capitalismo. Embora o conceito de capital como fator de produção desempenhe um papel proeminente na economia convencional, o termo capitalismo é aí menos usado. Muitos economistas preferem usar o termo economia de mercado, em vez de capitalismo. Talvez seja porque eles veem a teoria econômica como um conjunto de leis universais que podem ser aplicadas a qualquer sistema econômico que tenha existido na longa história da sociedade humana.

Em contraste, muitos economistas críticos, não convencionais ou heterodoxos usam mais prontamente o termo capitalismo. Sendo mais críticos em relação ao sistema ora existente, eles o veem como historicamente específico. Ao fazê-lo, julgam que ele necessita de uma reforma significativa ou mesmo que é preciso substitui-lo por algo melhor. Isso não implica em aderir a tese do socialismo como um estado planejado centralmente, pois pode simplesmente apontar para uma abertura à evolução socioeconômica, seja lá o que isso possa envolver.

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