A dúvida de um leitor do primeiro artigo com este título, mostrou a necessidade de explicar melhor um ponto central da argumentação aí contida, a qual buscou indicar uma falha capital da macroeconomia keynesiana. Pois, ela se reflete na própria crítica de Michael Roberts. Pode se afirmar mesmo que esse blogueiro famoso é induzido a fazer afirmações imprecisas porque ele próprio não foi capaz de descobrir essa falha originária. Tal como anteriormente, é preciso começar citando por extenso o seu argumento contra o pós-keynesianismo, que se dirige a um texto de Alex Willians.
O que diz Roberts em sua crítica?
Alex nos diz que um princípio fundamental do pós-keynesianismo (PK) é analisar as expectativas: “nosso próximo princípio é que tudo é expectativa”. “As expectativas informam as ações dos agentes e essas ações, por sua vez, criam realidade. Talvez o modelo mais simples do ciclo causal keynesiano seja dizer que a demanda esperada impulsiona o investimento, o investimento impulsiona o emprego, o emprego impulsiona os salários, os salários impulsionam o consumo, o consumo impulsiona a demanda e a demanda valida o investimento. A demanda esperada impulsiona os investimentos porque as empresas só investem em capacidade e na contratação de mais trabalhadores quando acham que mais pessoas vão querer comprar seu produto no futuro, mais do que têm feito no momento presente. Se esperassem a mesma demanda, ou menos, não haveria necessidade de investir. Eles poderiam continuar a usar o mesmo equipamento”.
Ora, agora foi dito o que importa. O investimento sob o capitalismo não é movido pelo lucro ou pela lucratividade, mas finalmente pelas “expectativas”. Não é movido nem mesmo pelo lucro futuro, mas sim pela “demanda esperada”. Isso impulsiona o investimento que, por sua vez, gera empregos e salários.
Mas, será esta última mesmo a sequência causal correta na produção e acumulação capitalistas? Em muitas postagens anteriores, destaquei as fórmulas que são chaves nas identidades macroeconômicas usadas pelos pós-keynesianos. Aqui estão elas de novo.
Renda Nacional = Despesa Nacional
Renda Nacional = Lucros + Salários
Despesa Nacional = Investimento + Consumo.
Portanto, lucros + salários = investimento + consumo
Se assumirmos que os trabalhadores gastam os seus salários no consumo e os capitalistas investem todos os seus lucros, obtemos imediatamente:
Lucros = Investimento
De acordo com a teoria PK, é o investimento que gera o lucro – e não, ressalte-se, o contrário. Como diz Alex, é a “demanda esperada” que impulsiona o investimento; o investimento, em sequência, impulsiona os salários e os lucros.
Michal Kalecki, cuja equação fundamental também é esta, disse isso de outro modo: “os trabalhadores gastam [ou consomem] o que ganham [ou seja, os salários] e os capitalistas ganham (a saber, os lucros) o que gastam (ou seja, em investimento)”.
Em minha opinião, esta é uma visão totalmente errada da economia capitalista. Em vez de o investimento impulsionar os lucros, como afirmado acima, a realidade é que os lucros impulsionam o investimento. Portanto, o investimento capitalista não resulta do nível de demanda esperado. Não advém de uma visão psicológica completamente subjetiva dos investidores associada ao que Keynes chamou de “animal spirits”, mas resultam de uma medida objetiva ligada ao investimento anterior, qual seja ela, a lucratividade. Mas, tal como acontece com Keynes, os teóricos pós-keynesianos não querem colocar o lucro em primeiro lugar, mas desejam reduzi-lo a uma consequência de investimento (na verdade, ocultando-o inteiramente da análise).
O que é preciso dizer sobre essa crítica? [1]
O ponto de partida é que fundamental. É preciso compreender logo no início que a totalidade do modo de produção capitalista é formado por uma esfera da circulação de mercadorias e uma esfera da produção de mercadorias. Ainda que ambas estejam indissoluvelmente conectadas, a abstração teórica precisa concebê-las de início como distintas e separadas, para depois expor os vínculos entre elas. Note-se já agora que Alex Willians pensa a partir da primeira enquanto que Michael Roberts raciocina com a segunda.
Suponha-se que o sistema econômico está em processo de reprodução ampliada. Será que esse processo ocorre em estado de tranquilidade, quando todas as contradições se encontram anuladas? Este é um ponto crucial. Os trabalhadores consomem tudo o que ganham na forma de salários, enquanto que os capitalistas investem tudo ou parte do que obtêm na forma de lucro. Os trabalhadores estão presos às suas necessidades, enquanto que os capitalistas são dependentes das expectativas que mantém sobre os lucros futuros, sobre os ganhos que podem eventualmente obter. Em conjunto, eles podem preferir poupar e não investir.
Pergunta crucial: o que se afirmou no parágrafo anterior é consistente com o famoso dito Michal Kalecki citado por Michael Roberts em seu texto aqui transcrito? Ora, há uma certa dissonância e ela precisa ser esclarecida.
É preciso considerar, agora, dois períodos de produção. Ao final do primeiro, a produção já foi completada e existe agora na forma de um estoque de mercadorias ainda não vendida no mercado. O valor total desse estoque é c + v + s, sendo “c” o capital constante, “v” o capital variável e “s” o mais-valor. Tudo está medido em quantidades de trabalho abstrato. Eis que as mercadorias estão prontas para serem comercializadas. Ao serem de fato vendidas, realizam-se os valores nelas “contidos” e eles se manifestam agora como somas de dinheiro.
Por suposição analítica, essas mercadorias como um todo são transacionadas imediatamente entre o fim do primeiro período e o começo do segundo. Assim que vendidas, os valores pré-existente foram realizados, de tal modo que se tem: mp + w + l em que “mp” é o valor monetário dos meios de produção, “w” e a massa de salários e “l” responde pelo lucro, tudo expresso agora em dinheiro.
Mas nos mercados, como salientou corretamente Keynes, vigora incerteza. Será que os capitalistas vão investir no segundo período todo o lucro que eles podem eventualmente ganhar no primeiro período? A pergunta que se põe como equivalente, então, é saber se todo o mais-valor produzido vai se tornar de fato lucro.
O valor gerado na produção de mercadorias vai se realizar imediatamente ou vai permanecer ainda, em parte pelo menos, como lucro apenas possível? Note-se que os meios de produção e os trabalhadores contratados são custos incorridos que tem de ser pagos vendam-se ou não as mercadorias. Suponha-se que foram pagos exatamente no momento em que as vendas foram realizadas. Pois, por suposição, o mercado funciona instantaneamente entre os períodos de produção.
Como os trabalhadores “gastam o que ganham”, ao fazê-lo, eles permitem que seja realizado, do valor total das mercadorias antes produzidas, aquela parte que corresponde aos seus salários e que estava, supostamente, “contido” nas mercadorias.
Mas o que acontece como a realização daquela parte que corresponde ao mais-valor gerado no primeiro período e que também está “contido” nas mercadorias? A parte dessa parte que for realizada – note-se – tomará a forma de lucro industrial? Qual será o seu montante? Ora, isso depende de quanto os capitalistas desejarão investir no segundo período.
Se eles investirem um valor que corresponde à soma do valor monetário dos meios de produção usados no período anterior mais todo lucro possível ao final desse mesmo período, fica claro que o valor total das mercadorias produzidas no primeiro período será realizado. Contudo, se eles investirem no segundo período menos do que esse montante, eles não conseguirão realizar todo o mais-valor gerado no primeiro período. É daí que vem a afirmação keynesiana de que os capitalistas “ganham” – de fato, dever-se-ia dizer “realizam” – o que investem. Esse é o mistério que cerca a expressão macroeconômica:
Lucros = Investimento
Agora, em princípio, todo o investimento pode ser financiado pela emissão de dinheiro de crédito, o qual, como se sabe, é criado ex-nihilo. Entretanto, na prática não é bem assim, pois o fornecimento de crédito depende em parte dos lucros retidos no passado, assim como de colaterais acumulados. Ademais, os lucros futuros esperados não são independentes dos lucros gerados no passado. As expectativas no modo de produção capitalista dependem do desempenho histórico do próprio capital. Dependem, por isso, de uma incerteza que a própria acumulação de capital, um processo intrinsecamente turbulento, nunca cessa de engendrar.
Como se vê, a afirmação keynesiana, quando corrigida, está correta e não poderia ser criticada porque ignora a exploração e, assim, a fonte geradora de lucros. Pois, essa questão concerne à esfera da produção e não à esfera da circulação.
Porém, é preciso perguntar: donde vem a confusão? Vem da própria macroeconomia que quer raciocinar estaticamente e, desse modo, ignora a temporalidade inerente à economia capitalista. Em sua perspectiva obtusa e que fica na aparência das coisas, parece, pois, que o investimento engendra o lucro, quando na verdade, ele apenas permite a realização do lucro que foi gerado no passado pelo trabalho.
Como mostra a transcrição do texto de Alex Willians feita pelo próprio Roberts, a confusão origina-se no modo obscuro pelo qual a macroeconomia keynesiana ou pós-keynesiana se expressa. E dado o erro – cuja origem vem da perspectiva ideológica que toma as coisas meramente por sua aparência e, ademais, no “tempo lógico”, a crítica de Roberts está também aparentemente correta.
Mas a confusão perpetrada pela macroeconomia ainda pode ser mais grave já que a última igualdade no mais das vezes é apresentada assim:
Poupança = (<=) investimento.
Ora, é assim que os economistas “super competentes” identificam o “lucro a ser realizado” com uma certa “poupança” que poupança não é. Tem-se evidentemente um absurdo! Eis que a poupança surge apenas quando se reserva uma parte do ganho presente (já ocorrido) seja para um gasto futuro no curto prazo seja para uma aplicação financeira no longo prazo. Os macroeconomistas chamam, pois, erroneamente, de poupança aquilo que ainda não foi efetivamente ganho pelos capitalistas, pois, se foi já gerado pelo trabalho, ainda não foi realizado. Desse modo, escondem a necessidade de explicar donde vem verdadeiramente o lucro.

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[1] Registre-se aqui que a argumentação deste artigo se beneficiou muito da leitura do capítulo sobre a finanças das empresas (cap. 3) do livro Geert Reuten, The unit of the capitalist economy and state – a systematic-dialectical exposition of the capitalist system.
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