Socialismo: o melhor argumento contra ainda é muito ruim

Antes de apresentar e criticar o melhor argumento contra o socialismo é preciso falar um pouco, muito pouco, de um argumento muito, muito ruim. E ele se encontra no livro Capitalismo sem rivais de Branko Milanovic.[1] Neste folhoso, o seu autor oferece dois tipos ideais para entabular uma compreensão do capitalismo contemporâneo: um deles, que chama de “capitalismo meritocrático e liberal”; o outro, que denomina de “capitalismo político”. Estes dois “modelos” – como ele mesmo explica – representam em largos traços, por suposto, os capitalismos realmente existentes nos Estados Unidos e na China, respectivamente.

No último capítulo, denominado Futuro do capitalismo global, depois de apresentar o capitalismo contemporâneo como amoral porque impõe a forma mercadoria a quase tudo, Milanovic se pergunta se há um sistema alternativo que possa vir a substitui-lo no futuro. Põe essa questão de modo retórico para lhe dar, em sequência, uma resposta bem “thatcherita”: “o problema com tal avaliação sensata é que não há uma alternativa viável para o capitalismo hiper mercantilizado”. Justifica, então, essa conclusão peremptória de dois modos: a) “as alternativas criadas no mundo se mostraram piores – algumas delas muito piores”; b) “não se pode ter a esperança de manter tudo isso” – ou seja, os “bens e serviços que se tornaram parte integral de nossas vidas” – “destruindo o espírito aquisitivo ou eliminando a acumulação de riqueza como a única forma de sucesso”.

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O neoliberalismo globalista e antidemocrático de Friedrich Hayek

19Nada melhor mostra o que é o neoliberalismo do que a atitude de um de seus intelectuais mais célebres diante da ditadura sanguinária de Augusto Pinochet no Chile.Referindo-se ao déspota amedalhado, Hayek disse “preferir um ditador liberal a um governo democrático em que falta o liberalismo”. O que está implícito nessa afirmação cínica que desconecta o liberalismo da democracia e o reconecta circunstancialmente à ditadura mesmo em sua forma mais brutal e violenta? Uma defesa intransigente do capitalismo, dos direitos do capital, certamente. Mas para compreendê-lo melhor é preciso avançar além de sua aparência ideológica, atravessando assim ao seu invólucro libertário para chegar ao seu miolo, que é bem totalitário.

Se para Adam Smith, um liberal clássico, o sistema econômico é uma ordem natural, para Friedrich Hayek, um prócer do neoliberalismo, esse sistema consiste de uma ordem moral que precisa ser preservada porque, segundo ele, subsiste como a fonte primeira da civilização e da liberdade.[1] Esse segundo autor considera, assim, que o processo de mercado é existencialmente frágil e que está sempre em perigo; eis que ele pode mesmo ser ferido de morte por forças que medram espontaneamente na própria sociedade. Pois está constantemente ameaçado seja pelas demandas de justiça social – que se originam dos trabalhadores em geral – seja pelas pretensões nacionalistas – que medram entre os capitalistas menos capazes de competir de uma determinada nação.

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