Uma crítica da razão tecno-feudal

Excertos tirados do artigo Critique of Techno-feudal reason publicado nos números 133/134 da New Left Review. Note-se, ademais, que já foi publicado neste blog um artigo sobre a mesma temática: Tecno-feudalismo ou socialismo do capital

Autor: Evgeny Morozov

Primeiro as boas notícias.[1] A moratória de imaginar o fim do capitalismo, apresentada na década de 1990 por Fredric Jameson, finalmente expirou. A recessão de décadas da imaginação progressista acabou. Aparentemente, a tarefa de vislumbrar alternativas sistêmicas tornou-se muito mais fácil, pois podemos trabalhar agora com distopias – eis que o aparentemente tão esperado fim do capitalismo poderia ser apenas o começo de algo muito pior.

O capitalismo tardio certamente é bem ruim, com seu coquetel explosivo de mudanças climáticas, desigualdade, brutalidade policial e a pandemia mortal. Mas, havendo a distopia se tornado importante novamente, alguns da esquerda se moveram silenciosamente para revisar o adagio de Jameson: hoje, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que a continuação do capitalismo tal como o conhecemos.

A notícia não tão boa é que, ao empreender esse exercício especulativo de construção de cenários apocalípticos, a esquerda tem dificuldade em se diferenciar da direita. De fato, os dois polos ideológicos praticamente convergiram para uma descrição compartilhada da nova realidade. Para muitos, em ambos os campos, o fim do capitalismo realmente existente não significa mais o advento de um dia melhor, seja este o socialismo democrático, o anarco-sindicalismo ou, talvez, o liberalismo clássico “puro”. Em vez disso, o consenso emergente é que o novo regime é nada menos que uma espécie nova de feudalismo – às vezes, como bem se sabe, um “ismo” tem muitos amigos poucos respeitáveis.

Continuar lendo

Economia de Biden: reversão em relação à 1979

Autor: Cédric Durand[*]

Em 1979, quando Jimmy Carter nomeou Paul Volcker como presidente do Federal Reserve, o mandato era claro. Combata a inflação, custe o que custar. Foi isso o que ele fez. No final de 1980, as taxas de juros atingiram um recorde de 20%; a inflação caiu de um pico de 11,6% para 3,7% em 1983. Para a classe capitalista, isso se afigurou como uma bonança econômica e política. Os aumentos das taxas desencadearam uma recessão severa, precipitando uma onda de reestruturação e demissões que ajudaram a esmagar os sindicatos, a desmoralizar a esquerda e a disciplinar o sul global. O resultado foi uma “vingança dos rentistas” da qual surgiu um aumento bem documentado das desigualdades.

O “golpe de 1979” de Volcker, – tal como foi chamado por Gérard Duménil e Dominique Lévy em Capital Resurgent (2004) (Capital ressurgente), ocorreu em um período em que o dinamismo sistêmico estava em declínio no mundo capitalista avançado. Este fora causado pela intensificação da competição a partir das recuperações bem-sucedidas de japoneses e alemães. De qualquer modo, a situação foi enfrentada pela crescente militância trabalhista e pelos movimentos sociais de massa, o que produziu uma crise geral de governabilidade. Enquanto isso, as forças radicais nos países ex-coloniais clamavam por uma Nova Ordem Econômica Internacional, baseada na soberania econômica e na regulamentação das multinacionais.

Continuar lendo