Guerra e clima – onde estamos, aonde vamos?

Michael Roberts – The next recession blog – 9/04/2022

À medida que a horrenda guerra na Ucrânia se arrasta, com o crescimento das vidas perdidas e o surgimento de atrocidades (pelo menos, aparentemente), os preços da energia e dos alimentos atingem níveis crescentes. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publica mensalmente um índice global de preços. Esse índice atingiu mais um recorde; eis que chegou a 159,3 pontos em março, alta de 12,6% em relação a fevereiro.

Índice de preços de alimentos da FAO

Os preços do petróleo e do gás também estão próximos aos níveis mais altos de todos os tempos. Na Europa, os preços do gás atingiram um recorde de € 335 por mega watt-hora e, nesse nível, tornou-se mais barato para algumas usinas de energia queimar carvão em vez de gás, mesmo quando o custo das licenças de carbono é levado em consideração.

A Europa quer seguir a proposta da OTAN de reduzir as importações de energia russa. A ironia é que alguns países, como a Itália, dizem que precisarão queimar mais carvão para queimar menos gás russo. A Agência Internacional de Energia (AIE) apresentou o problema: há um dilema entre aquecimento global versus as necessidades energéticas, o qual foi trazido pela guerra na Ucrânia e pelas sanções contra a Rússia. “Quanto mais rápido os formuladores de políticas da UE procuram se afastar do fornecimento de gás russo, maior a implicação potencial, em termos de custos econômicos e emissões de curto prazo” – foi o que disse essa agência.

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Paz gelada

Autor: Cédric Durand – Sidecar – 16/03/22

Petrov’s Flu (2021), o último filme de Kirill Serebrennikov, começa apresentando um ônibus lotado na Rússia. A atmosfera é febril, quase violenta. Com uma forte febre, o protagonista sofre um ataque de tosse e se desloca para a traseira do veículo. Logo atrás dele, outro passageiro grita: “Costumávamos receber cupons grátis para um sanatório todos os anos. Foi bom para o povo. Gorby nos vendeu, Yeltsin jogou tudo fora, depois Berezovsky se livrou dele, nomeou esses caras, e agora? Ele conclui que “todos aqueles que estão no poder devem ser fuzilados”. Nesse ponto, o protagonista desce do ônibus e entra em um devaneio em que se junta a um pelotão de fuzilamento que executa um grupo de oligarcas.

O termo “esses caras” se refere a Putin e sua camarilha, enquanto “e agora?” é uma pergunta que pesa muito sobre o país que eles criaram. Que tipo de sociedade é a Rússia contemporânea e para onde ela está indo? Quais são as dinâmicas de sua economia política? Por que eles desencadearam um conflito devastador com seu vizinho igualmente paralisado? Por três décadas, a paz gelada reinou na região, com a Rússia e o resto da Europa nadando juntos nas águas frias da globalização neoliberal. Em 2022, após a invasão da Ucrânia e as sanções econômicas e financeiras do Ocidente, a Rússia entrou em uma nova era, na qual as ilusões que animaram a transição de mercado do país se tornaram impossíveis de sustentar.

É claro que a fantasia do desenvolvimento pós-soviético nunca correspondeu à realidade. Em 2014, Branko Milanović elaborou um balanço das transições para o capitalismo, no qual concluiu que “apenas três ou no máximo cinco ou seis países podem estar no caminho de se tornarem parte do mundo capitalista rico e (relativamente) estável. Muitos estão ficando para trás e alguns estão tão atrasados que por várias décadas não podem aspirar a voltar para onde estavam quando o muro caiu”. Apesar das promessas de democracia e prosperidade, a maioria das pessoas na antiga União Soviética não conseguiu nenhuma das duas. Por sua dimensão geográfica e centralidade político-cultural, a Rússia foi o nó górdio desse processo histórico, que constitui o pano de fundo vital da crise na Ucrânia. Para além do tropismo militar das abordagens de “Grande Potência”, os fatores econômicos domésticos são pelo menos tão essenciais para mapear as coordenadas da situação atual e explicar a precipitada corrida da liderança russa para a guerra.

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