Derivação da forma-sujeito capitalista

Um texto interessante sobre a forma-sujeito, mas ao qual falta um melhor domínio da dialética. Eis que o sujeito está pressuposto no capitalismo, ou seja, não está posto como tal. No capitalismo, o sujeito é uma aparência porque se trata efetivamente – e isso o texto diz com clareza – de um “sujeito” assujeitado, uma personificação das coisas como diz Marx em O capital.

Autores: Emiliano Exposto[1] e Gabriel Rodríguez Varela[2]

A hipótese deste texto é que a forma-sujeito historicamente específica da modernidade capitalista é logicamente derivável, enquanto forma simples e abstrata de constituição do indivíduo social, da forma-mercadoria. A forma-sujeito funciona como o limite impessoal em imanência ao qual se organiza a experiência concreta e complexa dos atores individuais e dos agentes coletivos nas relações sociais capitalistas. No marco das orientações metodológicas que percorrem o programa de derivação do Estado compilado no livro Estado y capital (2017), elaborado por Adrián Piva e Alberto Bonnet, apresentaremos algumas notas que põe uma contribuição para uma derivação dialética do forma-sujeito capitalista.

1.

Numa primeira leitura, pode-se dizer que não se encontra em Karl Marx uma noção sofisticada do sujeito. Daí, por exemplo, os inúmeros esforços, na intersecção entre o marxismo e a psicanálise, em busca de uma concepção rigorosa do sujeito moderno e da produção histórica da subjetividade. No entanto, a questão do sujeito é fundamental na teoria crítica da modernidade cunhada por Marx. Esquematicamente, encontramos: a) a crítica marxiana do capital social global como o “sujeito automático” do metabolismo social moderno; b) a crítica do fetichismo e da mercadoria como sujeito das relações sociais de troca; c) a consideração da classe trabalhadora como “sujeito revolucionário”; e d) a concepção da prática concreta do ser humano como “sujeito da história”. Destas oscilações marxistas é possível destacar, em termos gerais, certas formas complexas de marxismos em que se acentua uma ou outra posição sobre o problema do sujeito; classicamente reduzido aos moldes do chamado “economicismo”, “politicismo” ou “voluntarismo”.

2.

Das investigações da primeira geração da Escola de Frankfurt em torno da racionalidade instrumental (Adorno e Horkheimer) ou do “homem unidimensional” (Marcuse) até as explorações sartreanas sobre o existencialismo no cerne da dialética materialista e do materialismo histórico, passando pelas indagações de Althusser sobre ideologia ou a interrogação lacaniana realizada por Žižek ou Jameson atualmente, o problema do sujeito é central nas teorias críticas de raízes marxistas. Reich, o próprio Engels e Lukács se perguntaram sobre a forma de constituição subjetiva como um problema crucial da revolução social, cultural e política. Elías Palti em Una arqueologia de lo político (2018) argumenta que o século XIX é o século da História, o século XX é o século da Forma e o século XXI é o século do Sujeito, entendido como um problema epistemológico. Uma derivação da forma-sujeito, nesse quadro, é uma tarefa atual incontornável para uma teoria crítica de cunho marxista.

3.

O sujeito tem uma gênese e uma formação histórica; o sujeito não é originário. O que costumamos chamar de sujeito é uma função eminentemente moderna. Somente na modernidade capitalista, o nexo social se estrutura por meio de relações de dominação impessoal nas quais emerge a função que torna a experiência-sujeito da livre consciência do produtor independente de mercadorias, razão pela qual as pessoas se individuam como alienadas do capital. A sujeição ao capital, decorrente da expropriação dos meios de produção e da separação dos produtores sociais de seus meios de existência, constitui o sujeito da ação/paixão como alienado da relação social capitalista. O indivíduo independente de sujeição pessoal constitui-se como sujeito livre na e pela sujeição anônima ao capital. O “indivíduo social” (Marx) configura-se como dividido: somos objetos-agentes inconscientes do capital e, ainda enquanto seres sociais, não podemos deixar de experimentar ser sujeitos da ação/paixão nas práticas concretas em que nos constituímos

4.

A experiência de ser sujeito nada tem a ver com um universal meta-histórico e antropológico, muito menos tem a ver com as figuras relativas do particular (cidadão, pessoa etc.). O sujeito, então, não coincide com o ser humano, nem com o Eu. A forma lógica da experiência do sujeito é um derivado resultante de uma certa organização das relações sociais de produção (e de um certo regime de produção social das relações), e nunca um pressuposto, algo substancial, um dado que precederia a performatividade do práticas capitalistas. Nossa hipótese é que não há sujeito sem capital. No capitalismo, o “ser humano” afirma-se, assim, como subjectum, invertendo a ordem histórica das determinações sociais (ser agente inconsciente do capital), e, portanto, experimentando-se como fundamento das representações e dos atos; funcionando também como entidade privilegiada de exploração da natureza.

5.

O fio condutor de uma derivação da forma-sujeito é o seguinte: das práticas sociais envolvidas na produção inconsciente do fetichismo da mercadoria é possível derivar os limites formais do campo de experimentação do indivíduo social capitalista. As formas sociais da mediação capitalista, segundo Moishe Postone em Tempo, trabalho e dominação social (2014), são bifacetadas: adquirem formas abstratas e concretas, diferenciais e equivalentes, instituem formas de objetivação e subjetivação. Em sentido estrito: a forma-sujeito é derivada da forma-mercadoria. A mercadoria é o tema, a questão, o a priori do sujeito capitalista.

6.

Todo indivíduo social só pode ser agente concreto de práticas sociais em uma relação histórica se assumir a forma de sujeito. A forma-sujeito, nos termos de Althusser, é de fato a forma de existência histórica de todo indivíduo social capitalista como agente das práticas sociais dominantes. A forma-sujeito, a rigor, é uma forma de existência das relações sociais capitalistas. E isso porque as relações sociais de produção e reprodução necessariamente incluem relações sociais jurídicas, desejantes, discursivas e ideológicas que, para funcionar, impõem a cada indivíduo a disposição forma-sujeito. Os indivíduos, portanto, agem sempre na forma de sujeitos, sendo também agentes de valor que se valoriza (ou seja, o capital social global como sujeito dominante).

7.

“O termo forma-sujeito indica uma forma a priori – limitada a uma fase histórica – na qual todo comportamento e toda consciência devem ser modelados para que o indivíduo seja reconhecido como sujeito” (Jappe, 2018, p. 30). O que se costuma chamar de sujeito, em princípio, é uma instância formal e funcional que pode ser derivada, em sua forma abstrata e simples, da relação social básica do capitalismo: a mercadoria. A individualidade encontra na forma-sujeito justamente a forma limite do campo de experimentação. Mas a experiência do sujeito não é uma ilusão; embora o sujeito também não seja uma substância. É um tipo delimitado de relação social. É uma forma-processo, pois esta forma (em sua abstração anônima) nem sempre é idêntica a si mesma. O caráter subjetivante da forma-valor se revela então no momento em que a relação entre as mercadorias atua realizando a relação “inter” e “intra” subjetiva: os vínculos entre as pessoas tendem a receber, direta ou indiretamente, a forma de mercadorias.

8.

Conformados pela forma-valor, os humanos são rebocados pelas necessidades da produção mercantil; eis que somos seus executores inconscientes. Por meio da derivação não buscamos outra coisa senão elaborar “uma crítica da forma sujeito, sem qualquer salvaguarda ontológica” (Kurz, 2016, p. 101). Nosso esforço gravita em torno de uma perspectiva que consiste em criticar o sujeito “como forma capitalista de existência” (p. 101). Se a individualidade enquanto forma-sujeito é uma realidade moderna, historicamente organizada e socialmente produzida, então ela só poderia ser finita, transformável e, em última instância, eliminável. Tal como a mercadoria, a forma-sujeito encontra seu segredo no processo histórico de produção que a informa. Pois bem, a derivação só é possível numa sociedade onde a forma mercadoria é a forma geral adotada pelo produto do trabalho, e onde, consequentemente, a relação fetichista é o limite anônimo e objetivo da experiência.

9.

“O sujeito é também lugar de debate histórico; eis que nele se verifica a verdade do sistema que o atravessa” (Rozitchner, 1996, p. 28). As pessoas individuais, por personificarem uma determinada mercadoria, classe social e organização das relações sociais, não existem antes (substancialismo) e em exterioridade (aforismo); não antecedem à elaboração e verificação dos limites reais do indivíduo como forma-sujeito de práticas concretas. Não há termo que não seja tendencialmente determinado desde o início, em sua forma simples e abstrata, pela mediação objetiva do trabalho abstrato e pela determinação subjetiva do valor nas relações sociais.

10.

A totalização das mercadorias como formas engendra a forma dos sujeitos que as produzem. Considerando as contradições inerentes ao modo como os objetos e as relações sociais de mercadoria aparecem, é possível estabelecer um “processo de derivação de formas em que a [forma-sujeito] é obtida da [forma-mercadoria]” (Bonnet e Piva, 2017, p. 40). A mercadoria não esconde as verdadeiras relações sociais entre os humanos, mas organiza as práticas de uma determinada sociedade, funcionando como um nexo de mediação social que opera como limite da experiência concreta. A mercadoria e o indivíduo social configurado como sujeito constituem apenas formas diferenciadas e derivadas das relações sociais que produzem e que, igualmente, os produzem.

11.

O núcleo do problema reside em fazer uma crítica da forma-sujeito comum a todos os membros que vivem na sociedade capitalista, embora isso não signifique que o “conteúdo” dessa forma seja exatamente o mesmo para todas as pessoas. Marx chamou o valor que se valoriza de “sujeito automático” do capitalismo, o que se afigura como o oposto da autonomia e da liberdade a que costumam associar-se o conceito e as práticas de constituição subjetiva. O capital-sujeito e a forma-sujeito são, portanto, aquilo do qual é preciso se emancipar – e não aquilo com o qual se deve emancipar. A superação revolucionária do capitalismo não pode consistir no triunfo de um sujeito produzido pela sujeição ao capital. A valorização positiva do sujeito nas teorias tradicionais pressupõe que o sujeito é a base da repressão do capitalismo e que é preciso “libertar o sujeito” reprimido/capturado para desenvolver seu potencial. Mas o sujeito é uma forma de dominação capitalista.

12.

“É necessário conceber a teoria do fetichismo como uma teoria do nascimento histórico do sujeito e do objeto em suas formas alienadas desde o início” (Jappe, 2018, p.182). O fetichismo não é uma distorção que vem da mistificação das pessoas ou da imaginação isolada, mas depende da abstração real alienada das relações sociais capitalistas. Para Marx, a forma não é um produto do pensamento puro. É o modo de existência alienado das relações sociais. Portanto, a chave para a compreensão crítica da forma-sujeito vem a ser a própria forma. O fetichismo envolve uma relação social verdadeiramente objetiva que nos constitui, pois se refere a uma abstração real e social que afeta constitutivamente as pessoas de carne e osso. O fetichismo é o inconsciente da livre consciência do produtor independente de mercadorias. E isso porque o problema não está no conteúdo concreto da consciência, mas em sua forma limitante: a objetivação da abstração impessoal que a domina de forma semiautomática. A forma abstrata e objetivada que matriza a individualidade capitalista se distingue da abstração a-histórica, porque também não está separada de um material político historicamente determinado. Portanto, a forma-sujeito é o a priori político-material que configura a experiência das relações capitalistas.

13.

Há uma relação de “identidade formal” entre a forma-mercadoria e o indivíduo social como forma-sujeito. Aqui é possível realizar uma reescrita categórica do que León Rozitchner chama de sistemas de distância do individualismo burguês, como a forma realmente cindida e reificada do sujeito (distanciamento de si mesmo, dos outros, da sociedade etc.). A mercadoria é a categoria real que produz o limite social da experiência do individualismo burguês como determinação objetiva, antecedente ao próprio indivíduo, na função de sujeito no capitalismo. Isso também é inseparável da dualidade do trabalho capitalista (abstrato e concreto). De fato, as práticas sociais inconscientes e fetichistas moldam as modernas tecnologias de objetificação e subjetivação.

14.

A sujeição ao capital é o processo inconsciente de tornar-se sujeito e subordinar-se às compulsões cegas das relações mercantis. A sujeição ao capital, que não se confunde com uma domesticação fatalista ou com um determinismo mecanicista vulgar, é condição de possibilidade para a formação conflituosa do sujeito. Tal mecanismo psíquico do capital é constitutivo da produção da forma processual do sujeito rumo ao interior do automatismo da valorização capitalista. A sujeição, que ocorre de forma contínua e precária nas práticas efetivas, constitui o processo inconsciente de tornar-sujeito. O sujeito forma-se numa “submissão primária” ou numa “subordinação fundacional” (Butler, 2001) ao capital, do qual a primeira é um efeito pragmático. Mas o capital-máquina não só atua sobre o indivíduo, mas também atua e é atuado pelo sujeito da ação/paixão na imanência das práticas concretas. Essa dupla opacidade e ambivalência fundadora que forma o sujeito na servidão involuntária ao capital, é historicamente determinante na configuração inconsciente da individuação nas relações sociais dominantes.

15.

Nos termos de León Rozitchner, o sujeito é um núcleo de verdade histórica (ninho de víboras), pois em cada corpo as contradições inerentes ao modo de produção histórica são elaboradas e debatidas em conflito. Nas formas sociais de mediação capitalista, entendidas como relações objetivas e subjetivas, coagula-se o antagonismo entre capital (classe capitalista) e trabalho (classe trabalhadora). A forma social dos objetos é congruente com a forma social dos sujeitos imanente na luta de classes. No entanto, o modo de ser do indivíduo social e das classes sociais encontra diante de si (e “dentro de si”) formas de objetos sociais que lhe são correspondentes: a mercadoria. A mercadoria tem a mesma forma real e contraditória que os indivíduos e as classes que a consomem, produzem e trocam no sistema que os produziu. O processo de individuação (individual e coletiva) supõe a instauração do “império de uma forma objetiva contraditória [a forma-mercadoria] (…) em nosso próprio modo de ser” (Rozitchner, 2008, p. 79). A forma social dos objetos é, num sentido lógico, coerente com a forma social dos sujeitos.

16.

O limite lógico do campo de experimentação é determinado pela estrutura cindida e reificada da forma-sujeito. A mercadoria nada mais é do que uma coisa sensível suprassensível. A forma-sujeito, por sua vez, contém uma estrutura tal como a da própria mercadoria: ela é fisicamente metafísica (ou seja, corpo e mente). A mercadoria é um objeto cuja forma reproduz uma cisão fundamental em seu modo de aparecer: valor e valor de uso; o que é inseparável do caráter dual do trabalho realizado pelo indivíduo capitalista: trabalho concreto e trabalho abstrato. Essas formas de dominação impessoal no trabalho, no valor e na mercadoria encontram sua ratificação na forma-sujeito.

17.

O fetichismo da mercadoria é justamente uma forma a priori, uma relação abstrata de constituição inconsciente anterior a qualquer forma concreta de ação e pensamento, relativamente independente da vontade e da representação dos humanos. O capitalismo não é um sistema que oprime de fora ao sujeitos humanos substancialmente diferentes do próprio sistema. O capitalismo “cria sujeitos que veem o mundo inteiro como simples meios para realizar seus próprios interesses” (Jappe, 2018, p. 22). É por isso que aquilo que “começa com o mais objetivo, o objeto-mercadoria, termina com o mais subjetivo, o sujeito-fetichista” (Rozitchner, 2008, p. 101). Assim, a forma-sujeito, devido à eficácia inconsciente do fetichismo da mercadoria, assume a forma auto- referencial de uma individualidade social fetichista e fetichizada. O fetichismo e o narcisismo do sujeito-forma, seu caráter egocêntrico e destrutivo, não respondem a uma representação ideológica, a uma deformação perceptiva, a um epifenômeno imaginário ou a uma produção patológica, mas sim a uma relação social produtiva e capitalista. Isso tende a conduzir a um paralogismo que define os limites lógicos da função do sujeito: uma parte-fetiche que se apresenta como o equivalente geral do campo de experimentação. Esse paralogismo consiste em uma extrapolação: fazer uma para separável um todo separado. Nesse caso, a parte-relativa, o experimentar do ser o sujeito da ação/paixão, apresenta-se como o Absoluto.

18.

A forma apriorista do sujeito capitalista configura os limites que reproduzem e distribuem os “valores” daquilo que circula como “sujeitos” e aquilo que propriamente circula como “não-sujeitos”. Estes últimos são explorados e postos a reproduzir as condições materiais de produção do sujeito (para o Sujeito). O capitalismo, enquanto ordem social institucionalizada, segundo Nancy Fraser (2014) supõe o estabelecimento desigual de limites históricos instáveis que constituem formas concretas de dominação particularista associadas à dominação masculina, à opressão colonial etc. O sujeito se configura na cisão hierárquica entre as relações masculinizadas de produção (trabalho produtivo reconhecido como sujeito, “livre” e assalariado) e as relações feminizadas de reprodução (trabalho reprodutivo e compulsório, não reconhecido como sujeito, mal pago ou mesmo não pago). Assim fica instituído um patriarcado cis-heterossexual capitalista, indissociável das fronteiras que dissociam violentamente “valor e não valor” (Scholz, 2013), o humano do não humano, o econômico do político, a exploração da expropriação racial e colonialista.

19.

A forma de sujeito, na medida em que constitui o limite lógico dos conteúdos empíricos vividos, leva à subordinação de todos aqueles que não assumem a forma de trabalho abstrato, trabalho produtor de valor (assim como os “valores simbólicos e imaginários” associados: cálculo competitivo, agressividade etc.). O sujeito capitalista é formado seguindo o modelo da relação hierárquica entre alma e corpo, espírito e natureza, forma e matéria. Essa relação hierárquica, essa divisão desigual, corresponde à dominação particularista entre homens/mulheres, branquitude/negritude etc. Assim como as coisas em geral, da mesma forma que os valores de uso das mercadorias, são determinadas pela forma social indistinta do valor, os indivíduos e seus afetos (prazer, dor, conhecimento, corpos etc.) são postos pela forma-sujeito. O que não quer dizer que esta última não se encarne desigualmente no empíreo vivificado particularmente pelos indivíduos, mas que estes são sempre-já-alienados por aquela forma indiferente e geral chamada forma-sujeito.

20.

A forma-sujeito universal (esse universalismo vazio, cego e abstrato) não constitui uma falha em um processo transistórico, um suposto resto ou excesso de subjetivação capitalista, ou uma estrutura transcendental inerente a todo tempo e espaço. A experiência de funcionar como sujeito da ação/paixão nas relações sociais, como o inverso de nosso ser objeto e agente de valorização do valor, é uma necessidade determinada do capital como Sujeito dominante da vida material moderna. Nesse sentido, conjecturamos que há um “desenvolvimento combinado” entre a subsunção real do trabalho ao capital e a subsunção lógica e tendencial dos indivíduos à forma sujeito. Para a subsunção formal (Descartes), material (Kant) e total (Hegel) dos indivíduos ao sujeito capitalista é um fato tendencialmente universal onde o valor se torna uma lógica inconsciente que subdetermina os processos de subjetivação que acontecem na imanência das relações sociais do capitalismo moderno.

21.

O indivíduo não se acha capturado pela “colonização externa” do capital-vampiro, porque não é uma substância pujante ou uma essência genérica do humano pronta para ser liberada após explodir a forma de mercadoria. A forma-sujeito, constitutiva de cada um de nós como indivíduo social capitalista alienado do capital, é a outra face da forma-mercadoria como “coisa social” capitalista. Por isso, uma crítica radical da forma-sujeito capitalista deve ser capaz de evitar as aporias do pensamento contemporâneo que caem: seja numa metafísica do sujeito, seja numa filosofia idealista (da história, da linguagem etc.).

No primeiro caso, no que interessa para este texto, postulam-se instâncias como a potência plurívoca, o desejo, a vitalidade da imaginação, a performatividade das práticas concretas de fala, ou a experiência corporal imediata; todas elas tendem a identificar uma matriz incontaminada da subjetividade que traria a resistência ou o processo emancipatório desde que evitasse a eficácia constitutiva das relações dominantes.

Mas o questionamento por meio das práticas de constituição do sujeito, numa sociedade realmente dominada pelo sujeito automático (o valor que valoriza), ao invés de fabular de forma pseudometafísica “sujeitos políticos revolucionários” dados de antemão, ou se deter unilateralmente nas “práticas de cuidado” das pessoas em relação a si mesmas e aos outros, deveria tentar operar a partir de uma crítica à forma-sujeito que constitui os humanos como alienados ao capital social. Não é necessário libertar o sujeito de uma forma externa que o oprime: é necessário abolir a forma-sujeito capitalista .

Referências bibliográficas

Althusser, Louis (2014). Psicoanálisis y ciencias humanas. Nueva visión.

Bonnet, Alberto & Piva, Adrian (2017). Estado y Capital. El debate alemán sobre la derivación. Ferramenta.

Butler, Judith (2001). Los mecanismos psíquicos del poder: teorías de la sujeción. Ediciones Cátedra.

Fraser, Nancy (2014). Tras la morada oculta de Marx. Por una Concepción ampliada del capitalismo. New Left Review, 86. https://newleftreview.es/issues/86/articles/nancy-fraser-tras-la-morada-oculta-de-marx.pdf

Jappe, Anselm (2018). A sociedade autofágica. Capitalismo, desmesura e autodestruição. Lisboa: Antígona, 2019.

Kurz, Robert (1991). O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de casena à crise econômica mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Postone, Moishe (2014). Tempo, trabalho e dominação social. Uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. São Paulo: Boitempo.

Palti, Elias (2018). Una arqueología del político. Fundo de Cultura Económica.

Rozitchner, Leon (2008). Freud y el problema del poder. Losada.

________ (1996). Las desventuras del sujeto político. El cielo por asalto.

Scholz, Roswitha (2013). El patriarcado productor de mercancías. Tesis sobre capitalismo y relaciones de género. Revista Constelaciones nº 5.


[1] Universidade de Buenos Aires-CONICET (Argentina). Correio eletrônico: emi_07_e@hotmail.com.

[2] Universidade de Buenos Aires (Argentina). Correio eletrônico: gaborodriguezvarela@gmail.com.