A experiência analítica e seu futuro

Autor: Pierre Fougeyrollas

A nossa crítica seria incompleta se não focalizasse também a experiência analítica tal como é concebida por Lacan. No centro desse modo de interação, ele coloca o processo de transferência, o que não nos parece errado.

De fato, à Freud parecia que a manifestação da transferência constituía o ponto de inflexão da cura. Pois o paciente literalmente permanece um paciente enquanto o narcisismo neurótico o impede de investir efetivamente a sua libido num outro. O amor de transferência é justamente o renascimento de uma capacidade de investimento objetal que se dirige a um outro privilegiado: o analista. E, a partir daí, abre-se uma nova fase em que o nó neo-edipiano da transferência pode ser desatado, dando assim, gradualmente, à libido um mínimo de fluidez e margem de manobra.

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A análise freudiana do “ego”; o jogo do “eu” de Lacan

Autor: Pierre Fougeyrollas

Entre 1954 e 1955, Lacan reivindicou ter certa erudição filosófica diante de uma plateia de analistas pouco conhecedores dessa área. Com exceção de elementos clericais inspirados num anti-materialismo extremo. Explicou a ela que a concepção freudiana do ego englobava uma herança que antecedera a descoberta da psicanálise. Enfatizou, ademais, as especulações sobre um envelhecimento do freudismo como justificativa para desenvolver a sua teoria regressiva do sujeito, no sentido filosófico do termo.

Nessa perspectiva, postulou: “A obra metapsicológica de Freud depois de 1920 foi mal lida, foi, ademais, interpretada de forma delirante pela primeira e pela segunda geração depois de Freud – por pessoas insuficientes preparadas“. Pode-se supor, diante dessa consideração, que o autor esteja dando continuidade à sua crítica de um freudismo achatado e americanizado que esteve no centro de seu Discurso de Roma. Mas, não! Ao fim e ao cabo, é o próprio Freud que ele ataca.

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Formação e desenvolvimento da personalidade

Autor: Pierre Fougeyrollas[1]

Não existe, segundo Lacan, unidade verdadeira entre os seres humanos

As assim chamadas doenças mentais são, na verdade, doenças da personalidade. Quer se trate de deficiências psíquicas cujas condições orgânicas são conhecidas, de transtornos psicóticos para os quais a medicina revelou certas bases fisiológicas, ou ainda de síndromes neuróticas cuja origem biológica é desconhecida ou presumidamente inexistente, é sempre a personalidade que é afetada, posta em questão e ameaçada em suas funções relacionais – ou até mesmo em sua sobrevivência.

À época da publicação de sua tese de doutorado (1932), Lacan havia reconhecido esse caráter fundamental das doenças mentais. Nesse estudo, ele apresentou um caso de paranoia e de autodestruição. É verdade que acalentava uma certa ideia personalista e espiritualista de “síntese psíquica”, a qual modificou – ou, pelo menos, remodelou – após o seu encontro com o freudismo.

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O problema da sexualidade: de Freud à Lacan

Autor: Pierre Fougeyrollas[1]

Antes de tratar de forma mais precisa e mais aprofundada a questão do sujeito, peça central do que Lacan chama de seu sistema, é necessário examinar com certa atenção sua teoria da sexualidade. Ora, essa teoria é resultado direto da interpretação linguística do inconsciente freudiano, algo que já discutimos e que serve de base para a sua doutrina do sujeito.

Aparentemente, esse autor é fiel à descoberta freudiana do conteúdo sexual do inconsciente. Porém, ele não diz que “a verdade do inconsciente é – uma verdade insustentável – a realidade sexual?” Mas, por que, então, essa verdade seria insustentável?

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A interpretação lacaniana do freudismo

Autor: Pierre Fougeyrollas[1]

É preciso questionar a interpretação que Lacan nos oferece da obra de Freud e da psicanálise. Essa interpretação, considerada historicamente, vem a ser uma reação contra o que aconteceu no movimento psicanalítico após a morte de Freud. Ademais, ela se põe contra as ideias que hoje reinam no movimento psicanalítico internacional dominado por profissionais dos Estados Unidos.

Na verdade, após a morte do mestre, os dirigentes do mundo da psicanálise colocaram no centro de suas preocupações o tratamento do eu, que aqui deveria ser chamado antes de ego. Para eles, trata-se de fortalecer esse ego contra os impulsos do id e as pressões do superego, de tal forma que escape à neurose, ajustando-se e reajustando-se à vida social existente. E a prática analítica nos Estados Unidos apenas antecipará ou caricaturará o desenvolvimento que também está a ocorrer na Europa. Enquanto Freud apresentava terreamente – e com que angústia! – a questão da relação entre o indivíduo e a sociedade, a terceira geração de psicanalistas e os seus seguidores voaram para o sucesso social e econômico. Lacan denunciou precisamente esta degeneração.

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A metapsicanálise de Jacques Lacan

Autor: Pierre Fougeyrrolas[1]

Ao republicar, mais uma vez, sua tese de doutorado de 1932 sobre a psicose paranoide em sua relação com a personalidade, Lacan nos permite compreender melhor sua trajetória intelectual.

A tese, na verdade, mostra que seu autor ainda não tinha, naquele momento, o sistema que mais tarde seria o seu próprio. A dissertação revela um certo ecletismo em que conceitos e temas conceituais de várias tradições psiquiátricas, de várias correntes psicológicas e, finalmente, da psicanálise são justapostos – não organicamente articulados. Em suma, apresenta uma imagem de Lacan antes do lacanismo e levanta a questão do que sobreviveu desse velho universo mental no sistema atual oferecido como a verdadeira interpretação da obra freudiana, mas também como sua retificação.

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Método dialético versus método estrutural

Publica-se em sequência um trecho do livro L´obscurantisme contemporain em que Pierre Fougeyrolas trata da diferença entre o método dialético e o método estruturalista. O texto versa sobre uma questão crucial: o que é um sistema? [2] O estruturalismo diz que um sistema está estruturado por um conjunto de regras de interação social que ele se julga capaz de desvendar.

Dialética à esquerda; Estruturalismo à direita; o centrão está irado.

A dialética diz que um sistema é uma totalidade em devir constituída a partir de determinadas relações sociais, vinculações contraditórias que unem/separam os indivíduos, bases internas, essenciais, sobre as quais as interações aparentes acontecem. Em consequência, como salientou Ruy Fausto, o estruturalismo opera por meio de totalizações feitas a partir de observações empíricas; já a dialética vai da aparência para a essência, opera por meio de reduções do que aparece ao que é. [3]   

Método dialético e método estrutural

Autor: Pierre Fougeyrollas [1]

Uma apreciação justa dos esforços de Lévi-Strauss exige a consideração do método que ele escolheu promover. É, portanto, com a análise e síntese estrutural que devemos nos preocupar agora.

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Lévi-Strauss: da natureza à cultura

Traduz-se aqui a primeira parte do primeiro capítulo do livro L’obscurantisme contemporain, escrito por um importante antropólogo e filósofo francês, Pierre Fougeyrollas, o qual foi publicado em 1980, mas que agora está relativamente esquecido.[1] O objeto é mostrar o caráter de construção idealista do estruturalismo de Lévi-Strauss, fonte principal da metodologia de Jacques Lacan, autor que estamos estudando criticamente. Expõe-se, assim, que o defeito encontrado em um se encontra também no outro.

Lévi-Strauss: natureza e cultura

Autor: Pierre Fougeyrollas [2]

O problema da relação entre natureza e cultura e a questão da passagem da primeira para a segunda na geração e desenvolvimento do ser humano foram legados pela especulação filosófica do passado ao pensamento do nosso tempo. Apesar do desdém que professa pela filosofia, Claude Lévi-Strauss não deixou de enfrentá-lo na sua principal obra sobre as Estruturas Elementares do Parentesco. É por este texto que começaremos a discussão de seu trabalho.

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