Sujeito em Lacan (II)

Eleutério F. S. Prado [1]

Na primeira parte deste artigo mostrou-se que a concepção de sujeito deste mestre psicanalista advém de uma fundação primeira, a qual se descreveu como homo alienatis. Como já se procurou mostrar em outro artigo desta safra de 2023, essa figura teórica está presente, de modo implícito, na economia política e na economia positiva sob a aparência do homo oeconomicus. A primeiro homo é a essência oculta do segundo homo. Agora, nessa segunda parte, pretende-se mostrar um outro aspecto desse sujeito tal como pensado por Lacan: posta também como uma fundação primeira, esta outra merece ser chamada de homo insaciabili. Ou seja:

O pensamento de Lacan, como se sabe, está enraizado no estruturalismo que vê a linguagem como um sistema cujas “leis” se impõe supostamente àqueles que nele adentram e que dele participam – não, portanto, como um complexo de signos criado do socialmente, portador de contradições, cujo envolvimento torna possível tanto a alienação quanto a desalienação.[2] A linguagem possibilita o assujeitamento do indivíduo social, mas também a crítica das ilusões forjadas socialmente com a sua mediação para mantê-la, passo primeiro para chegar à ação coletiva que pode realizar o sujeito enquanto tal.

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Sujeito em Lacan (I)

Eleutério F. S. Prado[1]

O objetivo desta nota consiste em debater um pouco, da perspectiva da crítica da economia política, a noção de sujeito em Lacan com base principalmente no livro O sujeito lacaniano entre a linguagem e o gozo de Bruce Fink, publicado em 1995, em inglês, e em 1998, em português.[2] Antes de tudo, como acentua esse autor, Lacan concebe o sujeito como falta-a-ser, ou seja, por meio de um princípio primeiro que o nega enquanto tal: “o sujeito” – diz ele – “fracassa em se desenvolver como alguém, como um ser específico; pois, no sentido mais radical, ele é um não-ser”.

Lacan, portanto, ao invés de pensar o humano como um ser que está atualmente em estado de alienação, mas que poderá vir a ser sujeito em certas condições, ele o funda como um homo alienatis, como um ser que não pode superar esse estado de alienação a não ser como uma mera faísca – tal como se mostrará mais à frente – mas também, enfim, como homo oeconomicus. Um esclarecimento melhor desse impasse lacaniano requer que se aprofunde uma comparação.

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O discurso do homo oeconomicus

Autor: Eleutério F. S. Prado [1]

A figura do homo oeconomicus como forma de caracterizar o modo de calcular e de atuar do bípede sem plumas quando ele está envolvido em atividades mercantis apareceu junto com o nascimento da economia política [2], grosso modo, no século XVIII. A melhor reflexão sobre essa realização no campo da ciência moderna foi feita por John Stuart Mill em seu Da definição de Economia Política e do método de investigação própria a ela, publicado em 1832. Aí, considerando esse saber como uma ciência moral ou psicológica, define explicitamente a economia política do seguinte modo:

A ciência que trata da produção e da distribuição de riqueza na medida em que elas dependem das leis da natureza humana (…) das leis morais ou psicológica da produção e da distribuição da riqueza.[3]

Porém, o que é riqueza? Mill, em seu artigo seminal, apresenta uma definição em que a riqueza aparece como uma coleção de bens e serviços que tem utilidade e que precisam ser produzidos pelo trabalho humano:

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A construção do homo alienatis

Autor: Eleutério F. S. Prado[1]

Neste artigo, pretende-se fazer um comentário crítico à famosa tese de Jacques Lacan que se encontra no texto O estádio do espelho como formador da função do eu tal como é revelada na experiência psicanalítica, dado a conhecer em comunicação feita ao XVI Congresso Internacional de psicanálise, em Zurique, aos 17 de julho de 1949. Nesse escrito, o psicanalista francês se esforça para mostrar como ocorre o primeiro momento da formação do eu, aquele em que se dá supostamente o reconhecimento de si mesmo pelo infante como um corpo uno e, assim, distinto de outros corpos e das coisas do ambiente.  

O teor da crítica já está evidentemente anunciado pelo título: a experiência psicanalítica visa o indivíduo – antes de tudo na família – e tende a construir uma antropologia fundante. Aquela engendrada pela mente criativa de Jacques Lacan – julga-se – deve ficar conhecida pelo nome aqui proposto: homo alienatis. O que se segue não se baseia, entretanto, nesse tipo de experiência, porque está escrito na perspectiva da crítica da economia política.

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