Michael Roberts – The next recession blog – 9/10/ 2025
Esta semana, o preço do ouro em dólares americanos atingiu US $ 4.000 por onça-troy (que equivale a 24,3 gramas de ouro). Esta é uma alta histórica (pelo menos em dólares nominais). Mas mesmo essa alta parece destinada a ser superada. O banco de investimento Goldman Sachs prevê que chegará a um valor de US $ 4.900 por onça-troy até o final do ano. Note-se que preço do ouro em outras moedas importantes também tem se elevado.
O que está por trás dessa subida sem precedentes? E por que isso importa? Antes de responder a essas perguntas, é preciso lembrar sobre o papel do ouro nas economias capitalistas que são, como se sabe, economias monetárias. Os capitalistas empregam trabalhadores para produzir bens e serviços como mercadorias; estas são produzidas, levadas aos mercados e vendidas com o fim de obter lucro.
Contudo, os bens e serviços não são trocados uns pelos outros do modo direto ou simples, mas por meio do dinheiro. Historicamente, diferentes mercadorias foram escolhidas para atuarem como dinheiro, ou seja, como meio universal de troca, unidade de conta e reserva de valor.
No curso da história, o ouro acabou se tornando a mercadoria dinheiro, ou seja, a mercadoria universal que é aceita como tal em todos os lugares. O ouro ocupou essa função porque é maleável e não perecível, podendo por isso originar as moedas que atuam nas trocas correntes ou os lingotes que servem de veículos para acumulação. Eis o que Marx escreveu no primeiro capítulo de O capital sobre o ouro como dinheiro:
O ouro só se confronta com outras mercadorias como dinheiro porque já se confrontava com elas anteriormente, como mercadoria. Igual a todas as outras mercadorias, ele também funcionou como equivalente, seja como equivalente individual em atos isolados de troca, seja como equivalente particular ao lado de outros equivalentes-mercadorias. Com o tempo, ele passou a funcionar, em círculos mais estreitos ou mais amplos, como equivalente universal. Tão logo conquistou o monopólio dessa posição na expressão de valor do mundo das mercadorias, ele tornou-se mercadoria-dinheiro, e é apenas a partir do momento em que ele já se tornou mercadoria-dinheiro que as formas “equivalente geral” e “dinheiro efetivo” passam a se diferenciar uma da outra, ou que a forma de valor universal se torna forma-dinheiro.
O ouro era a principal mercadoria monetária antes mesmo de o sistema capitalista de produção se tornar dominante nas principais economias. Mas o ouro logo passou a dominar o sistema monetário e cambial no capitalismo. Tornou-se, por isso, uma medida confiável de valor.
No entanto, à medida que a produção capitalista se expandiu para novos patamares (…) tornou-se necessário criar o chamado dinheiro fiduciário, ou seja, notas de papel ou moeda metálica de baixo valor em substituição ao ouro. Além delas, os bancos ou os governos passaram criar dinheiro mediante os depósitos bancários. Assim, tornou-se possível criar dinheiro sem limites para atender ao crescimento da produção de bens e serviços como mercadorias.
[N.T.: Na verdade o dinheiro fiduciário não surge da mera substituição do ouro na circulação mercantil, à medida que o próprio ouro é guardado como reserva nos cofres dos bancos. Como Marx mostra em passagens de O capital, tomo III, ele surge de operações de crédito: “os adiantamentos recíprocos dos produtores e comerciantes entre si”, mas também destes com próprios bancos, “formam a base propriamente dita do crédito”; assim, “os instrumentos de circulação que daí resultam (…) formam a base do dinheiro de crédito propriamente dito, das notas de bancos etc.]
Doravante, os governos passaram a controlar a oferta de dinheiro, mas não a demanda por ele. Portanto, eles podiam agora “forçar” as pessoas a aceitarem a unidade monetária nacional no lugar do ouro. Para evitar que o dinheiro fiduciário perdesse a paridade de valor com o ouro, os governos passaram a vinculá-lo ao ouro por meio de um preço fixo – criando assim o chamado padrão-ouro.
Desse modo, os capitalistas em geral de uma determinada nação podiam fazer transações à vontade mantendo a confiança no valor da moeda nacional. Do mesmo modo, ocorriam as transações internacionais, que envolviam a exportação e a importação de mercadorias; os fluxos eram então compensados e liquidados diante de quaisquer desequilíbrios pela transferência do próprio ouro das nações devedoras para as credoras.
No século XX, o capitalismo tornou-se dominante globalmente e o dinheiro fiduciário passou a substituir o ouro principalmente como meio de troca também nas transações internacionais, assim como reserva de valor mantida por empresas, bancos e governos. As reservas cambiais passaram então a serem mantidas na moeda fiduciária nacional do país dominante.
Após o término da II Guerra Mundial, o dólar americano se tornou o dinheiro mundial, de tal modo que ao ouro ficou apenas um papel menor. O fim do ouro como a principal forma de dinheiro ou mesmo como o padrão final de valor veio com a decisão do governo dos EUA na década de 1970 de não mais trocar dólares por uma quantidade fixa de ouro. Mesmo momento, o padrão-ouro caducou e foi substituído pelo “padrão” dólar.
Desde então, o ouro tem sido mantido como ativo de reserva dos governos nacionais. Tornou-se, ademais, não tanto “dinheiro efetivo”, mas um ativo financeiro, tal como as ações e os títulos em geral. Nessa condição, tornou-se meio de especulação, ou seja, um ativo que os investidores compram ou vendem para obter ganhos de capital, ou seja, dinheiro que, após um tempo, vira mais dinheiro.
Mas o ouro nunca perdeu inteiramente o seu papel histórico de reserva de valor na memória dos capitalistas, ou seja, ele continuou sendo a mercadoria universal, aquela que é aceitável por todos. Assim, em períodos em que o valor das moedas fiduciárias parece estar se “desvalorizando” em excesso, ou seja, para além da taxa de juros corrente, os agentes da acumulação voltam a buscar o ouro. O ouro aparece agora como aquele ativo financeiro a ser mantido se a moeda fiduciária dominante globalmente, ou seja, o dólar americano, começar a se enfraquecer. É assim que a relíquia barbara, tal como o ouro foi denominado por Keynes, passa a voltar à cena econômica.
Já ocorreram várias explosões ascendentes no preço do ouro em dólar – contudo, apesar disso, o dinheiro norte-americano ainda mantém a condição de principal meio fiduciário de transação econômica. Se as economias estão entrando em recessão; se a inflação nessas economias está aumentando acentuadamente; se há risco de um colapso financeiro, enfim, se a incerteza se eleva substancialmente, aumenta a demanda por ouro.
Todas essas perturbações e crises na produção e na circulação capitalista podem gerar agora algum grau de degradação do dinheiro nacional que serve também de dinheiro mundial, ou seja, do dólar. Sempre que essa degradação sobrevém e se acelera, o ouro se torna uma alternativa atraente em relação ao dinheiro fiduciário. Se as empresas, os indivíduos endinheirados e outros governos perdem confiança no poder de compra do dólar, eles começam a vender dólares e a comprar ouro.
Desta vez, o preço do ouro subiu muito rapidamente devido a uma série de fatores. Primeiro, a inflação voltou com força após a sua queda durante a pandemia. A aceleração da inflação implica que o retorno real (juros) da detenção de moedas fiduciárias caiu. Embora os bancos centrais tenham aumentado suas taxas de juros, o rendimento está baixo. O ouro não rende juros, mas com o retorno real das aplicações está baixo, o ouro tornou-se mais atraente como ativo financeiro que se afigura como “seguro”.
Então, aconteceu o início do governo Trump. As suas birras tarifárias passaram a criar uma enorme incerteza sobre os rumos do comércio global e, em particular, sobre o que acontecerá na economia dos EUA. Eis que ainda, ademais, não ficou claro quais são as intenções do governo Trump: ele quer um dólar que permanece forte para manter os preços de importação estáveis ou ele quer enfraquecê-lo para impulsionar as exportações dos EUA? Nesse quadro de incerteza, o ouro se tornou ainda mais atraente. O valor do dólar americano em relação a outras moedas caiu mais de 10% nos primeiros seis meses da presidência de Trump.
Mas outra razão para a aceleração do preço do ouro. Ele é visto em muitos países como uma proteção contra as medidas tarifárias de Trump. Em consequência, muitos bancos centrais nas chamadas economias emergentes (ou seja, do Sul Global) estão decidindo aumentar suas reservas de ouro à medida que o dólar se torna mais perigoso e menos necessário no comércio internacional.
A especulação financeira ganha, assim, um impulso próprio. Observa-se também agora um aumento vertiginoso do preço do dólar dos criptoativos como o bitcoin. Pois, ao lado do ouro, eles se tornam outra forma de investimento de capital fictício. Eis que está ocorrendo uma síndrome que tem sido chamada de FOMO (ou seja, “fear of missing out”, ou seja, medo de perder dinheiro. E ela é bem uma característica clássica da ansiedade que se abate sobre a especulação financeira. Está-se buscando o ouro, mas também o Bitcoin como se pode ver no gráfico abaixo.
Note-se que o mercado de ações dos EUA está agora novamente em níveis recordes. Tudo isso reflete uma agudização do medo de perder dinheiro.
A pergunta então é: onde tudo isso termina? Pode terminar, primeiro, numa volta à estabilidade do dólar americano – e, na verdade, desde julho, o índice do dólar em relação a outras moedas se estabilizou em um nível próximo à sua média histórica.
Em segundo lugar, pode terminar se ocorrer uma recessão da economia mundial. Pois, ela mataria a inflação e, portanto, aumentaria o poder de compra do dólar. O preço do ouro, como se sabe, pode subir porque ele é um ativo que dá segurança nas crises, porque se trata de um refúgio enquanto se espera por tempos melhores. Em seu boom atual, o preço do ouro está sendo impulsionado por demanda especulativa. Ora, esse movimento entrará em colapso. Manifestando-se por meio um queda em seu preço, assim como quedas nos preços das ações e dos cripto ativos em geral.






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