Autor: Paul Krugman – As três primeiras postagem então aqui: Parte I, a Parte II e a Parte III.
Quem disse isto que se segue? Se houver neste país homens suficientemente grandes para tomar o governo dos Estados Unidos, eles o tomarão. O que temos que determinar agora é se somos suficientemente grandes, se somos homens com larga grandeza, se somos suficientemente livres, para tomar posse novamente do governo que é nosso.
Não, não foi Bernie Sanders ou Alexandria Ocasio-Cortez. É uma citação de The New Freedom, ou seja, da plataforma de campanha de Woodrow Wilson na eleição presidencial de 1912.
Wilson era um racista vil, mesmo para sua época, que ganhou por isso uma reputação apropriada. Mas ele também era um progressista em política econômica. E sempre me impressionou o fato de que, no início do século XX, um político podia declarar que grandes concentrações de riqueza eram uma ameaça à democracia sem ser considerado um marxista radical ou um antiamericano. Wilson venceu a eleição a que se candidatara!
Os políticos, mesmo os progressistas, são muito mais tímidos hoje em dia. No entanto, está-se mais uma vez vivendo em uma era em que há homens suficientemente grandes para tomar o governo dos EUA – e, em grande parte, eles o estão fazendo.
Durante um certo tempo, Elon Musk exerceu mais poder sobre as operações do governo dos EUA do que qualquer membro do gabinete ou funcionário eleito que não fosse o próprio Donald Trump. Musk está atualmente fora, mas o governo Trump está cheio de bilionários e de pessoas que recebem ordens de bilionários. O Congresso promulgou uma legislação, a Lei One Big Beautiful Bill, que favorece os bilionários e que, por isso, é adorada por eles, embora o público em geral odeie todas as suas principais disposições.
Como se chegou aqui?
Hoje meu foco estará na extrema concentração de riqueza – na ascensão de uma oligarquia no comando dos Estados Unidos. Abordarei os seguintes pontos:
- Estatísticas sobre a repartição da riqueza nos EUA
- Como tais oligarcas modernos ficaram tão ricos?
Eu gostaria de falar, também, sobre as consequências políticas e sociais da extrema concentração de riqueza e como ela mina a democracia. Mas isso terá que esperar por postagens posteriores.
Riqueza extrema
Dez pessoas estão sentadas em um bar. Eles são americanos mais ou menos medianos, ou seja, pessoas cuja renda e riqueza estão no meio da estrutura repartitiva. O seu patrimônio líquido médio é de cerca de US $ 250.000. Então Elon Musk entra no bar. As pessoas que já estavam lá não ficaram mais ricas, nem ium pouco, mas a riqueza média das pessoas aí agora subiu para cerca de US $ 40 bilhões.
A moral dessa parábola é que ao atentar apenas para a riqueza média não se compreende bem o perfil distribuitivo, porque grande parte dessa riqueza está concentrada nos bolsos de um punhado relativo pequeno de pessoas.
Só para ficar claro, estou falando de riqueza – do valor dos ativos de uma pessoa – em vez de renda – o valor recebido ao longo de um mês ou de um ano, que para a maioria das pessoas consiste principalmente em salários. A renda também é distribuída de forma desigual, muito mais desigual agora do que há algumas décadas.
Mas a riqueza se encontra agora realmente concentrada em poucos bolsos. Os americanos de classe média normalmente possuem como patrimônio as suas casas, o dinheiro de seus fundos de pensão e não muito mais do que isso. Mas uma grande parte da riqueza do país é detida por apenas alguns milhares de pessoas.
E a parcela da riqueza detida por essa elite restrita disparou a partir da década de 1980.
O gráfico acima mostra a porcentagem da riqueza dos EUA detida pelos 0,01% mais ricos dos americanos. A linha sólida é uma estimativa feita pelo World Inequality Database, o grupo de pesquisa liderado por Thomas Piketty que trabalha em Paris. As linhas sombreadas são outras estimativas construídas pelo GC Wealth Project – um esforço de pesquisa internacional centrado aqui no Stone Center on Socio-Economic Inequality no Graduate Center da CUNY.
Como explicarei em breve, estimar a riqueza dos muito ricos vem a ser uma tarefa complicada. Há alguma dispersão nas estimativas, mas quase todos os estudos concordam que não apenas os ricos se tornaram ainda mais ricos desde 1980, mas que a sua riqueza cresceu muito mais rápido do que a riqueza das famílias comuns.
A propósito, as linhas no gráfico que mostram aumentos relativamente menores na concentração de riqueza chegaram a isso porque adicionaram alguns benefícios associados às pensões, incluindo a Previdência Social, às estimativas de riqueza das classes baixa e média. De qualquer forma, os detalhes são irrelevantes na tarefa de perceber o grande aumento na riqueza das pessoas muito ricas.
De volta ao gráfico: é importante perceber que este é um gráfico que apresenta a riqueza do 0,01% mais rico – ou seja, daquela porção constituída por um décimo de milésimo da população. Algumas pessoas ainda usam o limite “um por cento” como abreviação para falar dos ricos; contudo, é preciso apenas alguns milhões de dólares para que uma pessoa se situe nesse limite de 1% superior. Isso pode parecer muito para a maioria das pessoas, mas consiste em verdadeiramente pouco para os verdadeiramente ricos. A grande concentração de riqueza envolve agora apenas alguns milhares de pessoas e talvez até mesmo apenas algumas centenas delas.
Estimar a riqueza dos muitíssimo ricos é complicado, por vários motivos. Um deles é que a quantidade de pessoas nesse estrato é muito pequena; ora, isso é um problema para os métodos de pesquisa usados para medir a desigualdade. Os métodos de pesquisa não funcionam bem para rastrear um grupo muito pequeno, mesmo se ele controla uma grande porcentagem da riqueza nacional.
Ao pesquisar 10.000 pessoas pode-se encontrar apenas, provavelmente, um membro dos que compõem o 0,01% mais rico. Uma amostra muito maior provavelmente capturará apenas alguns dos muito ricos, mas ainda assim não um número suficiente deles para fornecer uma estimativa confiável. Eis que a amostra aumentada ainda não é bem representativa do verdadeiro estado da desigualdade de riqueza nos EUA.
Os estatísticos que trabalham com essa questão estão bem cientes desse problema e usam uma variedade de estratégias para superá-lo. No entanto, as estimativas de fortunas muito grandes são menos confiáveis do que se gostaría que fossem.
Além disso, alguns dos super ricos sonegam impostos escondendo grande parte de sua riqueza em paraísos fiscais offshore, ou seja, fora dos Estados Unidos. Gabriel Zucman, um dos maiores especialistas neste campo, escreveu um livro revelador sobre este assunto intitulado The Hidden Wealth of Nations.
Existem, sim, algumas diferenças nas estimativas sobre o aumento da concentração de riqueza nos Estados Unidos desde 1980; entretanto, os resultados a que chegam os economistas apontam para um mundo em que um punhado de oligarcas se tornou muito rico; na verdade, isso ocorreu numa escala que seria inimaginável algumas décadas atrás. E eles, agora, não se importam mais em exibir essa riqueza.
Não faz muito tempo, muitos à direita tentaram negar que a desigualdade americana estava aumentando. Junto como eles, alguns dos super ricos tentaram manter um perfil discreto – quando a Forbes apresentou seu primeiro relatório sobre os 400 americanos mais ricos, algumas das pessoas envolvidas imploraram para serem deixadas de fora da lista.
Mas agora vivemos em um mundo em que proliferam os iates enormes e os casamentos magníficos. Jeff Bezos, por exemplo, alugou partes de Veneza para realizar ali as suas núpcias. Mais importante, trata-se de um mundo em que existem, como Woodrow Wilson alertou, homens suficientemente grandes o suficiente para tomar governo.
Estamos vivendo em uma repetição da Era Dourada, ou seja, do período que se estendeu da Guerra Civil até a Primeira Guerra Mundial. Então, o desenvolvimento das ferrovias, da mineração, da indústria e dos grandes bancos criou também uma classe de super ricos. Sim. É verdade que os dados disponíveis sugerem que as maiores fortunas da Era Dourada, ajustadas pela inflação, eram provavelmente relativamente maiores do que aquelas que se observam atualmente.
Ou seja, John D. Rockefeller era provavelmente mais rico do que Elon Musk e Andrew Carnegie mais rico do que Jeff Bezos. Grosso modo, pode-se dizer que as poucas centenas ou milhares de americanos mais ricos controlavam então mais ou menos a mesma parcela da riqueza da nação controlada pelos ricos atuais.
E como argumentarei em postagens futuras, o impacto político e social do poder detido pelos oligarcas modernos pode ser ainda mais maligno do que o dos barões ladrões em seu apogeu. O que aconteceu?
A economia em que o vencedor leva tudo
O relato que mostra como a América se tornou uma oligarquia é complexa; ademais, ela não foi estudada tão profundamente quanto ela mereceria. Embora eu não seja um especialista no assunto, leio e converso com os especialistas que realmente entendem da temática. Portanto, posso estar um pouco mais propenso do que tais especialistas a contar uma história simplificada – possivelmente simplificada demais.
A meu ver, houve duas fases na ascensão da riqueza extrema desde a década de 1980. A primeira fase, de meados dos anos 1980 até meados da década de 2010, a concentração ocorrida se deveu em grande parte a engenharia financeira. Especialmente aquisições corporativas e as aquisições alavancadas estão na origem do processo. Essa foi era de Gordon Gekko ou, caso se prefira personagens não fictícios, de Henry Kravis.
A segunda fase da ascensão da oligarquia na América foi centrada na tecnologia, especificamente na maneira como os efeitos de rede (algo a ser explicado) criam quase-monopólios que são, em um certo sentido, semelhantes aos monopólios que sustentam as maiores fortunas da Era Dourada.
Como era a riqueza na década de 1980, antes do grande aumento ocorrido no topo da distribuição? Embora houvesse alguns americanos muito ricos na década de 1980, eles não eram nem remotamente tão ricos quanto os super ricos de hoje. E as fontes de riqueza no topo eram relativamente diversas e, eu diria, prosaicas.
Aqui está a lista da Forbes dos 10 americanos mais ricos em 1987 pela ordem, juntamente com as fontes de sua riqueza: Sam Walton (varejo) ; John Kluge (mídia); Ross Perot (tecnologia); David Packard (tecnologia); Samuel Newhouse (mídia); Donald Newhouse (mídia); Lester Crown (indústria); Rupert Murdoch (mídia); Warren Buffet (investimento em ações); Leslie Wexner (varejo).
Das 10 maiores em 1987, duas dessas fortunas se originaram no varejo, uma atividade antiga; quatro se originaram na velha mídia (jornais, revistas e publicidade); duas delas se originaram na velha tecnologia (fabricação de computadores e processamento de dados); uma provinha de investimentos financeiros também do tipo antigo; finalmente, uma delas veio da indústria tradicional.
Notavelmente, nos anos que se seguiram, as fontes de riqueza extrema, pelo menos nos Estados Unidos, tornaram-se menos diversificadas e mais exóticas. E a razão é clara. Em 2016, Caroline Freund e Sarah Oliver publicaram um estudo sistemático intitulado simplesmente The Origins of the Superrich. Uma seção de seu escrito intitulava-se, sem rodeios, A riqueza extrema nos Estados Unidos é impulsionada pelas finanças.
Eles observaram em particular o crescimento extraordinário no número e na riqueza de bilionários de fundos de hedge como Carl Icahn e Paul Tudor Jones. Como as negociações financeiras tornaram algumas pessoas tão ricas?
Pessoas diferentes contam histórias diferentes. Os próprios financistas e seus defensores dizem, é claro, que estavam introduzindo mais eficiência nas corporações, as quais, supostamente, haviam engordado, tornando-se lentas e preguiçosas.
“A ganância é boa” – afirmavam eles. Não há, no entanto, nenhum sinal de que tais supostos ganhos de eficiência tenham existido; o crescimento da produtividade do trabalho dos EUA não mostra que isso ocorreu. Ou seja, não há nada nos dados econômicos gerais que comprove a alegação de que os inversores corporativos tornaram as empresas americanas mais eficientes.
O argumento de Andrei Shleifer e Larry Summers, posto em um artigo de 1988, “Quebra de confiança em aquisições hostis, parece bem convincente. Eles argumentaram – acho – do seguinte modo: por uma geração ou mais após a Segunda Guerra Mundial, as corporações americanas não eram ainda funcionamentos que visavam maximizar o valor para o acionista. Eram, em vez disso, o tipo de instituição descrito por Peter Drucker em seu livro clássico Concept of the Corporation. Aí ele mostrou que essas organizações equilibravam os interesses das várias “partes interessadas”, incluindo aí clientes, trabalhadores e fornecedores, bem como acionistas.
Mas então vieram os Gordon Gekkos e eles foram capazes de aumentar os lucros de curto prazo, quebrando assim os contratos implícitos que as empresas tinham com seus vários mantenedores. Para tanto, elas passaram principalmente a cortar os salários e os benefícios dos seus funcionários. Eles foram capazes de fazer isso em parte por causa de um ambiente político alterado em que a classe dos trabalhadores em particular perdeu poder político.
Desde o início dos anos 2010, no entanto, a história da riqueza extrema mudou. Aqui estão as maiores 10 da Forbes para 2024 pela ordem de riqueza e as suas empresas: Elon Musk (Tesla); Jeff Bezos (Amazon); Mark Zuckerberg (Facebook); Larry Ellison (Oráculo); Warren Buffett (Berkshire Hathaway); Larry Page (Google); Sergey Brin (Google); Steve Ballmer (Microsoft); Bill Gates (Microsoft); Michael Bloomberg (Bloomberg).
Com exceção de Buffett, todas essas fortunas se originam do capital investido em tecnologia da informação. A Bloomberg, caso não se saiba, tem algumas atividades de mídia; contudo, a sua posição na escala depende das máquinas Bloomberg que se tornaram obrigatórias.
Por que algumas empresas de tecnologia tornaram seus donos incrivelmente ricos? A resposta, como já sugeri, são os efeitos de rede: as pessoas têm um incentivo para comprar mercadorias fornecidas por essas empresas porque muitas outras pessoas também o fazem.
Assim, se uma pessoa tem uma vida atribulada, ela vai comprar coisas por meio da Amazon, já que ela oferece entrega rápida em uma grande variedade de produtos. A razão pela qual é capaz de fazer isso é que mantém um imenso sistema de centros de distribuição perto dos principais mercados. E pode manter esse sistema de distribuição porque tem muitos clientes.
De uma maneira um pouco diferente, é difícil não usar o Microsoft Office, porque todo mundo usa. Para trocar informações, como bem se sabe, é preciso ter arquivos em Excel, PowerPoint e Word. Acha-se mesmo que é natural usá-los mesmo se não se está satisfeito como os seus resultados.
A questão é que muitos, provavelmente a maioria dos super ricos de hoje, devem sua riqueza às suas participações acionárias em empresas que são monopólios de fato graças aos efeitos de rede.
Devo dizer que Elon Musk é, de certa forma, um estranho neste ninho. A Tesla não construiu o tipo de domínio de mercado autossustentável tal como aqueles desfrutados pela Amazon ou pela Microsoft. Ela atua num ramo competitivo. As suas ações, no entanto, têm preços de mercado como se tivessem alcançado esse tipo de posição – presumivelmente graças à genialidade de Musk.
Considerem-me como um cético sobre essa tal “generalidade”. As pessoas não acumulam vastas fortunas sem algum tipo de talento para os negócios, mas a genialidade é provavelmente muito menos importante do que a sorte – estar no lugar certo, com a ideia certa, na hora certa. O que levanta a questão de como podemos manter os incentivos à inovação sem criar tantos oligarcas. Mas isso também terá que esperar por postagens futuras.
Mais um ponto: os impérios tecnológicos construídos com base em efeitos de rede estão também sujeitos à perda de confiança por parte dos consumidores. Shleifer e Summers argumentaram que a confiança tem um papel fundamental na formação das mega fortunas financeiras que se construíram com base nas chamadas plataformas. Cory Doctorow cunhou o termo “merdificação” [“enshittification” em inglês] para descrever o processo, o qual apresenta assim:
Primeiro, as empresas são boas para seus usuários. Uma vez que eles foram enlaçados e se tornaram “prisioneiros”, as empresas começam a maltratá-los para transferir valor para os seus clientes corporativos. Uma vez que os usuários finais estão “presos”, a plataforma pode apertá-los para extrair cada vez mais valor, o qual é então destinado aos clientes corporativos; é assim que a plataforma se transforma, pouco a pouco, num resíduo fedorento.
Acho que todos que fazem uso extensivo da tecnologia da informação podem atestar a precisão dessa descrição. A Amazon, por exemplo, está sendo processada pela FTC por práticas anticompetitivas que prejudicam consumidores e vendedores terceirizados.
No momento, no entanto, estou menos preocupado com a maneira como os oligarcas da tecnologia estão transformando em merda os seus negócios; na verdade, estou preocupado com a maneira com que eles estão transformando a democracia em merda. Ora, esse será o tópico da próxima postagem.


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