Autor: Matthew McManus [1] (Terceira Parte – A primeira parte está aqui e a segunda está aqui.
Ao longo da história do pensamento de direita, diferentes figuras tentaram fundamentá-lo de maneiras variadas, algumas das quais são interessantes, contraditórias e às vezes pouco sensatas. Na mesma época em que Leo Strauss e Harry Jaffa estavam ressuscitando o conceito de direito natural e condenando o historicismo, Michael Oakeshott e Lord Patrick Devlin argumentavam que as raízes do conservadorismo britânico estavam no respeito e na veneração de uma longa história de tradições. Isso é precisamente o que tornou tais intelectuais bem compreensíveis para o “homem no ônibus de Clapham”, já que esse tipo tinha pouco interesse em Platão ou Nietzsche, mas muita vontade de restringir a homossexualidade.
Joseph de Maistre comparou a destruição da aristocracia pelos revolucionários franceses a uma rebelião luciferiana contra Deus, enquanto apenas algumas décadas depois Friedrich Nietzsche declarou que Deus estava morto e uma nova casta aristocrática de super-homens estava chegando. Conservadores como William F. Buckley e Jordan Peterson condenaram os progressistas utópicos por não entenderem as leis quase científicas do mercado capitalista, enquanto Martin Heidegger condenou o capitalismo como sendo “metafisicamente igual ao socialismo”, lamentando que ele trouxera consigo uma nova era de domínio técnico.
Nenhuma dessas visões foi mantida sem sinceridade; por isso, nenhum delas pode afirmar que apresenta melhor e de modo mais uniforme o impulso do pensamento de direita do que as outras. Muito depende do contexto histórico e social em que um pensador conservador está inserido, dos argumentos apresentados por seus oponentes partidários do igualitarismo e de suas próprias inclinações criativas. O fusionismo e o straussianismo ressoaram em um contexto americano onde o apelo aos direitos universais e aos padrões cristãos eternos era uma coisa natural. Nenhum deles gozou de tanta tração no Reino Unido e em muitas de suas colônias, onde o evangelismo religioso pode ser uma ameaça tanto quanto um suporte à autoridade monárquica.
Nietzsche e Heidegger queriam falar a uma nova geração de direitistas radicais que estava convencida de que as elites conservadoras não estavam à altura da tarefa de derrotar a modernidade igualitária. Já para os conservadores cristãos como George Grant ou Patrick Deneen eles veneravam a vontade e o poder; ora, era precisamente isso o que os tornavam alemães emblemáticos do mundo moderno em seu pior absoluto. O que identifica cada um desses filósofos como figuras políticas direitista era a sua defesa intelectual da desigualdade e da hierarquia autoritária, assim como uma cautela, que pode se transformar em desprezo, em relação àqueles que desafiam esses ideais ou não têm estômago para defendê-los de forma eficaz.
Mais significativo do que a fundamentação filosófica apresentada pela direita vem a ser a potência do esforço que ela faz contra o igualitarismo. As formas mais moderadas de conservadorismo insistem que a desigualdade priorizada por eles é contingente, não metafísica. Por exemplo, aqueles que propõem um capitalismo em que há liberdade sustentam que aceitam a igualdade perante a lei; e até mesmo admiram o dinamismo do mercado que permite aos indivíduos subirem e caírem por seus méritos e esforços. Embora sempre haja estratificação entre ricos e pobres, poderosos e fracos, isso não será constante para os indivíduos já que a mobilidade de classe atuará. Isso é o que Margaret Thatcher quis dizer quando afirmou apoiar uma “sociedade sem classes”.
Outras formas moderadas de conservadorismo, associadas ao nome de Burke, afirmam que temos o direito de priorizar moralmente as necessidades dos membros de nosso próprio grupo nacional, religioso ou cultural. Isso não se deve ao fato de que a nossa própria cultura seja necessariamente superior; alguns conservadores dessa linhagem até afirmam admirar a diversidade de grupos no mundo. Os membros do grupo devem receber prioridade moral devido ao fato puramente contingente de que eles nasceram ou, pelo menos, figuram como membros que pertencem de longa data ao grupo em questão.
Assim como nossos pais podem ter sido eventualmente outros, devemos fidelidade especial àqueles que são realmente nossos pais. Na verdade, julgam que é aceitável priorizar moralmente aqueles que estão mais próximos de nossa identidade e compartilham de nossos valores. E, claro, muitos conservadores moralistas acreditam que as hierarquias da virtude ou da graça são necessariamente fluidas, uma vez que muito é determinado pelo caráter e escolha pessoal.
O que distingue as formas mais avançadas de política de extrema-direita do conservadorismo moderado é o enrijecimento da defesa das desigualdade e da hierarquia. Elas são, assim, tipicamente associadas às qualidades supostamente essenciais e duradouras; algumas delas, aliás, figuram como pitorescas, mas outras parecem bem sombrias e perturbadoras. Os pensadores De Maistres e Carlyles consideravam que as desigualdades eram resultantes de forças imateriais, seja de ordem divina seja de caráter heroico, pertinentes àqueles verdadeiramente grandes. Em contraste, as figuras mais nocivas da extrema direita, como John Calhoun, Arthur de Gobineau e uma série de darwinistas sociais, foram inflexíveis em apelar para a história e até mesmo para o racismo pseudocientífico para dignificar o seu preconceito com o verniz da imutabilidade fatual.
Isso, é claro, atingiu seu auge com o fascismo e o nazismo; ambos sustentavam que a ação igualitarista dos modernos violava o “princípio aristocrático da natureza”; por isso, nunca se esquivaram de insistir em seu desprezo pelos fracos e na idolatria dos racialmente superiores. Para a extrema direita, a hierarquia preferida é concebida como justa e geralmente atribuída a características imutáveis. O tipo de hierarquia dinâmica e ascendente favorecida pelos conservadores moderados é vista então como concessiva demais ao igualitarismo modernista.
É claro que essa mania de imutabilidade fundada em essências invariavelmente fica desapontada quando parece claro que a sociedade e a hierarquia humanas são muito mais plásticas e abertas à contestação do que a extrema direita está preparada para tolerar. Mas, em vez de se abster de sua perspectiva fundamental, os desvios da hierarquia adequada são invariavelmente vistos como o resultado de antagonismos externos ou – mais provavelmente – internos que trazem decadência e decadência à casta dominante adequada.
Isso inevitavelmente gera uma posição agonística em relação à política que pode culminar no militarismo e até mesmo na demanda pelo extermínio. Acredita-se que esses conflitos não apenas ajudariam a superar os inimigos, mas também frear a tendência ao declínio e ao humanismo frouxo por parte da elite adequada.
A história intelectual da direita política, portanto, gira em torno dessa transição de formas moderadas e contingentes para formas mais duras e intransigentes, dependendo de uma enorme variedade de fatores pessoais e contextuais. Um fator muito comum na determinação da transição da direita moderada para a extrema direita é, como Corey Robin observou em The Reactionary Mind, a presença – ou pelo menos a percepção de que existe – uma esquerda política poderosa e intelectualmente vibrante.
Raramente se veria um De Maistre ganhar destaque sem a efetiva revolução francesa; o mesmo se pode dizer de um Carl Schmitt e um Heidegger sem que um Karl Marx estivesse inspirando a social-democracia e os partidos bolcheviques na Alemanha. Um fator significativo no surgimento do pós-liberalismo e da alt-right no início do século XXI foi a percepção de que, mesmo que o igualitarismo socialista tenha sido derrotado, a disseminação do multiculturalismo liberal e da permissividade continuaria inabalável ou mesmo acelerada com a queda do comunismo.
Conclusão
A doutrina da igualdade… Haverá veneno mais venenoso para a existência: pois parece que ela é pregada pela própria justiça, quando na verdade ela é o fim da justiça… “Igualdade para o igual; desigualdade para os desiguais” – eis a verdadeira justiça: eis o seu corolário, “nunca torne os desiguais iguais”. (Friedrich Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos)
Meu projeto em The Political Right and Inequality consiste emdesenvolver uma análise (inevitavelmente parcial) da direita intelectual que explique essas mudanças teóricas e as situe em seu contexto adequado. Mas não é simplesmente uma exegese à direita; vem a ser, diferentemente, uma crítica de suas convicções e de seus argumentos primários do ponto de vista de quem é fiel ao projeto modernista.
Admitir que os seres humanos são moralmente iguais é uma pré-condição vital para sustentar que eles também devem ser livres. Pois, é com base na igualdade que se pode negar o direito do poder político de se impor a todos sem justificativa séria. O liberalismo ou o socialismo, apesar disso, podem ter sido profundamente imperfeitos em seus compromissos com a igualdade e a liberdade, seja na teoria ou na prática.
Mas Will Kymlicka está certo ao dizer que a força desses princípios é tal que ela põe pressão tanto para expandir os horizontes da consideração moral quanto para minar as formas de poder e dominação que negam respeito a todos. A política da direita tem sido a oponente intelectual mais convincente desse impulso, reinventando-se e restabelecendo-se incessantemente para defender e contra-atacar contra os igualitários no esforço de nivelar o mundo.
Alguns podem achar essa abordagem insatisfatória, pois ela fornece uma visão altamente intelectualizada e teórica da direita em política. O livro situa os vários autores em seu contexto histórico e sociopolítico, inclusive fornecendo alguns detalhes biográficos (incompletos, para ser honesto). De fato, uma das estruturas orientadoras do livro é entender a resposta da direita política ao projeto igualitário da modernidade.
Ao contrário de trabalhos anteriores, porém, esse contexto de fundo existe principalmente para ajudar a orientar uma interpretação dos principais argumentos e textos desses autores; eles se defrontam com o impulso moral que mora nos argumentos liberais e socialistas no sentido de criar condições mais iguais para todos. Os críticos de esquerda, que sentem a historicização e a contextualização como as únicas abordagem seguras e que ficam longe dos infernos gêmeos do idealismo e da sublimação ideológica, provavelmente ficarão insatisfeitos.
Eles verão essa maneira de abordar a direita política como falha até mesmo perigosa. Insistirão, assim, que qualquer abordagem deve fundamentar os argumentos por meio de uma crítica das condições materiais e sociais existentes. Isso tem o efeito de não apenas deslegitimar as reivindicações específicas; ao situar os autores de direita em uma estrutura explicativa mais ampla, diagnostica-se as suas ideias como sintomas das contradições e das tensões existentes na sociedade. Muitos alegariam que esse procedimento, ao explicá-la, mina a tradição que a direita reivindica para si mesma. Parafraseando Wittgenstein, o problema da direita é dissolvido junto com sua potência intelectual e política.
Sou materialista o suficiente para pensar que essa abordagem é recomendável. Críticos, de Marx a Jessica Whyte, já provaram a sua eficácia crítica. Por certo tempo, tive a tentação de escrever exatamente um texto nessa perspectiva; eu estenderia, assim, alguns dos argumentos apresentados em The Rise of Post-Modern Conservatism. Desse modo, um edifício maior teria sido construído e ele seria mais malvado e mais ousado.
Mas, após alguma reflexão, ocorreu-me que um tal esforço para dissolver por meio da contextualização e do diagnóstico deixaria intocada a substância das alegações da direita. Porque os intelectuais de direita apresentam seus argumentos a favor da hierarquia e da desigualdade, do tradicionalismo e da cautela em relação à democracia, sobre a relação entre revolução e contrarrevolução. Porque realmente são requeridos 10.000 livros que versam sobre os ativistas universitários. Parece irritante, pois tudo pode ser explicado por meio de uma análise histórica bem conduzida.
Mas esse caminho não responde aos argumentos da direita, apontando porque eles são falhos, perversos ou mesmo simplesmente não são argumentos. Em outras palavras, a contextualização histórica feita pela esquerda deixa muito espaço argumentativo para a direita. Então, decidi escrever um livro que era, em muitos aspectos, muito mais direto. Ele explica o projeto da direita política em termos de uma reação à modernidade igualitária. Leva a direita a sério, no entanto, pois se trata de uma tradição intelectual que se mostra às vezes bem convincente e que, muitas vezes também, foi capaz de apresentar argumentos ruins – ainda que às vezes impressionantes e criativos. A esperança é que, ao minar esses argumentos, The Political Right and Equality ajude a abrir um caminho mais amplo para a marcha do progresso continuar.
[1] Professor de Ciência Política da Universidade de Michigan. Apresenta-se aqui uma tradução da introdução do livro The Political right and equality- Turning back the tide of egalitarian modernity. Routledge, 2024, em que a posição de direita no espectro politico é explicada.

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