Autor: Eleutério F. S. Prado[1]
Eis uma pergunta interessante feita por Michael Roberts: “podem os gastos militares despertar as economias que estão presas numa depressão tal como se encontram as economias europeias desde 2009?”[2] Muitos economistas acreditam que sim, em especial os keynesianos que raciocinam centralmente sobre o nível da atividade econômica a partir da demanda agregada. Para eles, um estado estagnação pode ser superado por meio de gastos deficitários do Estado.
Para discutir esse tema tendo em mente a atualidade é preciso examinar a situação da economia alemã nos últimos anos que, como se pode ver na figura acima, está estagnada: o PIB grosso modo parou de crescer a partir do choque do novo coronavírus em 2020. Na verdade, a economia encolheu um pouco tanto em 2023 quanto em 2024; ademais, os indicadores de crescimento anunciam que esse desempenho vai se repetir provavelmente em 2025.
Diante dessa situação, as forças políticas na Alemanha passaram a procurar uma política econômica que fosse capaz de superar essa situação que consideram indesejada. E a oportunidade surgiu com a nova conjunta internacional criada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos; eis que, diante de novas prioridades, em particular, o enfrentamento da China, a potência hegemônica decidiu abdicar da reponsabilidade pela segurança da Europa. Diante da necessidade de garantir a segurança com meios próprios, o rearmamento despontou para essas forças não só como uma imposição das circunstâncias, mas também como uma oportunidade de encetar uma nova política econômica que viesse superar a estagnação.
Como se sabe, a Alemanha, em virtude de sua aversão à inflação, adotou por muitos anos uma regra constitucional de austeridade fiscal que ficou conhecida como “breque da dívida”. Agora, entretanto, essa regra aparece como um entrave. Como restringia o gasto público de ir muito além do montante de impostos recolhidos, impedia assim o Estado de financiar o seu investimento por meio de empréstimos do setor privado. Nas novas condições, ela precisava ser abolida.
E isso foi feito: o parlamento alemão aprovou em março de 2025 uma emenda constitucional que permite uma elevação substantiva dos gastos para além do limite dado pelo recolhimento de impostos. Foi criado um fundo de 500 bilhões de euros para investimento em infraestrutura, proteção climática e transformação verde; foi dada permissão para que os estados – além do governo federal – possam ter um orçamento deficitário (até o limite de 0,35 por cento do PIB); foi autorizado um dispêndio em defesa nacional para além de 1% do PIB a ser financiado por empréstimos sem restrição.
Como mostra o artigo de Roberts essa quebra da tradição orçamentaria foi saudada por muitos políticos e analistas como uma fórmula para elevar a proteção militar da Europa e, ao mesmo tempo, incentivar o crescimento econômico, tirando a economia da estagnação. Eis um exemplo colido no sitio Social Europe: “Por muitos anos, o breque da dívida constrangeu a economia alemã”. Contudo, agora a situação mudou: “A Alemanha passou agora por uma mudança de paradigma que, até recentemente, parecia inimaginável. Essa transformação apresenta uma oportunidade significativa, não apenas para a Alemanha, mas para a Europa como um todo, para fortalecer a segurança, promover a inovação e avançar a política climática — sem necessitar de cortes severos nos gastos sociais”.[3]
Voltando agora para a questão com que se iniciou esse artigo, vale perguntar se os gastos estatais, em particular, os gastos militares podem realmente despertar as economias deprimidas.
Ora, a resposta a essa pergunta não é simples; não é suficiente dizer sim ou não, aduzindo algumas razões. Em primeiro lugar, é evidente que o gasto estatal deficitário acrescenta demanda agregada; ora, esse impulso, dependendo das condições, pode se transformar em mais inflação ou em mais crescimento econômico. Se a economia se encontra estagnada porque faltam oportunidades de investimentos suficientemente lucrativos, é provável que os investimentos públicos tenham um efeito positivo no crescimento da produção.
Contudo, não basta examinar apenas o efeito macroeconômico. Os investimentos públicos em infraestrutura, por exemplo, podem melhorar as condições para o investimento privado, contribuindo assim para a reprodução do capital. Já os gastos militares, mesmo se não contribuem diretamente para essa reprodução, podem contribuir para a introdução de novas tecnologias, as quais podem abrir espaço para o investimento privado. De qualquer modo, esses gastos não podem alterar de maneira decisiva a condição depressiva porque não são capazes de alterar radicalmente a lucratividade do capital.
Roberts também sustenta essa tese, acrescentando, porém, que o efeito destrutivo das guerras pode criar eventualmente, depois que terminam, as condições para um grande surto de investimento:
“No esquema maior das coisas, os gastos com armas não podem ser decisivos para a saúde da economia capitalista. Por outro lado, a guerra total pode ajudar o capitalismo a sair da depressão e da recessão. (…) [Como bem se sabe] as economias capitalistas só podem se recuperar de forma sustentada se a lucratividade média dos setores produtivos da economia aumentar significativamente. E isso exigiria destruição suficiente no valor do “capital morto” (acumulação passada) cujo emprego não é mais suficientemente lucrativo”.
É preciso observar nesse ponto que a produção de armamentos por empresas privadas ou públicas é uma atividade reprodutora de capital. Por meio do circuito correspondente, é produzido valor adicional, ou seja, valor necessário (pagamento daqueles que trabalham nessa atividade) e valor excedente que assume a forma aparente de lucro, aquela parte que remunera os proprietários. Contudo, os gastos militares têm uma dimensão destrutiva: eles podem ser necessários para a defesa e ambição territorial dos países, mas desperdiçam recursos da sociedade que poderiam ser melhor gastos no incremento do bem-estar social.
Para completar o argumento é preciso ver que os gastos do Estado, seja com infraestrutura seja com armas em geral, permitem a realização do capital na forma de mercadorias, mas não entram diretamente no circuito da reprodução do capital, tal como acontece com os dispêndios em máquinas, equipamentos e instalações. Contudo, há uma diferença entre os gastos militares e os gastos com estradas, pontes etc.; os primeiros são semelhantes aos dispêndios com bens de luxo, ou seja, consomem parte do excedente gerado na produção; os segundos, por sua vez, tal como os gastos provindos dos salários, criam condições para a continuidade do processo produtivo.
[1] Professor aposentado da FEA/USP. Correio eletrônico: eleuter@usp.br; Blogue na internet: https://eleuterioprado.blog
[2] Roberts, Michael – From welfare to warfare: military Keynesianism. The next recession blog, 22/03/2025.
[3] Bofinger, Peter – Germany ditches debt brake – A fiscal revolutions begin. Social Europe, 21/03/2025.


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