Michael R. Kratke [1]– 14/03/2024
Os liberais ainda o reverenciam hoje; como se sabe, vários think tanks radicais pró-mercado são nomeados e referenciados por ele. O Instituto Adam Smith, em Londres, foi e continua sendo um dos mais importantes focos do neoliberalismo. Como costuma acontecer com os grandes autores, a sua extensa obra é pouco lida hoje. Na melhor das hipóteses, presta-se atenção apenas a trechos como aquele que fala da “mão invisível” do mercado. Adam Smith, que nasceu há trezentos anos em Kirkcaldy, perto de Edimburgo, é um dos pensadores mais incompreendidos da era moderna. Grande parte de seu patrimônio literário foi queimado por vontade própria, um total de 18 cadernos escritos à mão muito apertadamente.
Morreu aos 67 anos mundialmente famoso. Viveu e trabalhou na Escócia, em Glasgow e Edimburgo, mas também passou alguns anos em Londres. Viajou para a França e Suíça por mais de dois anos e conheceu a elite intelectual de seu tempo em Paris. Em casa, seus contemporâneos o consideravam o arquétipo do professor distraído que, pelo menos uma vez, andou pela rua principal monologando consigo mesmo. Mas esse cavalheiro um tanto peculiar lidou com as maiores mentes de seu tempo, com David Hume, bem como com Voltaire, Diderot, Turgot e Quesnay.
Adam Smith, filósofo moral e economista político
Dois livros, ambos formados por grossos e densos volumes, tornaram-no famoso. Lecionou filosofia moral na Universidade de Glasgow a partir de 1752. De suas aulas surgiu a Teoria dos Sentimentos Morais, publicada em 1759. Durante sua vida, cinco edições foram publicadas, a sexta foi póstuma. Em 1776, ano da Declaração de Independência dos EUA, ele publicou um robusto tomo de 1.000 páginas sobre economia política, a Investigação sobre as Origens e Causas da Riqueza das Nações.
O livro foi um sucesso estrondoso, foi traduzido para muitas línguas (a primeira tradução alemã apareceu no mesmo ano de sua publicação), e ao longo de sua vida seis edições foram publicadas com inúmeras reimpressões. A Riqueza das Nações fundou a nova ciência da economia política, pois nela se reapresentou e criticou as concepções e políticas econômicas que eram comuns até então. O jovem Friedrich Engels o chamou de “Lutero econômico”.
A Riqueza das Nações é uma obra fascinante, muito diferente dos livros atuais dessa matéria hoje. Em sua principal obra econômica, Adam Smith revela um panorama inédito: lida com a alta teoria, com categorias como valor, preço, dinheiro, sem esquecer o trabalho. Trata também de comparações históricas e atuais, da emergência e desenvolvimento de diferentes capitalismos, da prosperidade de diferentes países capitalistas, bem como de seu futuro como sistema global.
Quando Smith escreveu esse livro, formas de capitalismo comercial que tinham vários séculos de idade eram dominantes. A revolução industrial já havia começado, mas a indústria moderna em grande escala, o sistema fabril e a produção industrial em massa não estavam de forma alguma firmemente estabelecidos, muito menos dominantes.
Contudo, ele descreve e analisa o modo de produção mais avançado da época: a operação em grandes manufaturas que produzem para exportação ou para o Estado. Nesta obra enciclopédica – cinco livros no total – o autor se permite digressões grandiosas, como quando enriquece a teoria do dinheiro com um esboço histórico da produção de metais preciosos.
Mas trata-se também de políticas econômicas certas e erradas. E ele volta repetidamente à questão de porque algumas nações são mais ricas do que outras ou se desenvolvem mais rápido e com mais superioridade. Eis as questões que levanta: será que realmente precisamos de colônias para o sucesso do desenvolvimento capitalista? As empresas privadas precisam de monopólios concedidos pelo Estado para prosperar? Ou será que as instituições modernas, como os bancos universais, o comércio livre, os mercados de trabalho livres, o comércio livre, a livre concorrência, a liberdade de mercado e o Estado de direito, são mais úteis e, em última análise, melhores e mais rentáveis para todos os envolvidos, incluindo o Estado? É correto moderar ou regular o conflito de interesses entre as grandes classes da sociedade moderna, determinadas principalmente pela economia?
O enigma de Adam Smith goza de alguma popularidade entre os estudiosos alemães. Eis que esse “enigma” se refere a um suposto contraste, até mesmo uma contradição, entre suas duas principais obras. Na Teoria dos Sentimentos Morais, ele ainda parece buscar o cimento da sociedade moderna – como uma sociedade de indivíduos livres que conhecem e perseguem seus próprios interesses – na simpatia, ou melhor, na empatia mútua.
Enquanto em A Riqueza das Nações parece se concentrar inteiramente nos interesses próprios dos indivíduos privados. No entanto, o seu primeiro livro é menos sobre sentimentos do que sobre julgamentos morais e éticos, isto é, sobre discernimento moral e ético. Como é possível que as pessoas façam julgamentos morais sobre seu próprio comportamento e o dos outros e os usem como guia?
Em A Riqueza das Nações, Smith continua seu argumento: o interesse próprio move os indivíduos, mas isso é apenas uma meia-verdade. O que os mantém afastados ou pode impedi-los de prosseguir os seus interesses privados sem ter em conta as perdas e os interesses dos outros é, antes de mais, a sua consciência moral. Smith vê os membros de uma sociedade moderna como bons cidadãos e cristãos que podem distinguir entre o certo e o errado e seguir sua consciência e seus sentimentos morais ou éticos.
Mas, em segundo lugar, a livre concorrência pode levá-los a enriquecer sem cerimônia às custas de todos os outros. No entanto, isso não deve acontecer, pois a liberdade de concorrência deve e deve ser estabelecida em primeiro lugar, por meio da ação do Estado. Os motivos egoístas não desaparecem, eles são mudados pela livre concorrência de todos com todos. Uma vez estabelecido o “sistema de liberdade natural”, os bons cidadãos aprendem a se comportar como egoístas racionais, a levar em consideração os interesses dos outros e a seguir a moral cívica e a lei.
A grande descoberta de Adam Smith
O que determina a riqueza – ou a pobreza – de uma nação? Smith já não mede a riqueza pela quantidade de tesouros de metais preciosos encontrados no país. Em vez disso, mede-o pela quantidade de bens e serviços produzidos e comercializados no país. Não é a agricultura ou o comércio que é decisivo para a prosperidade da nação, mas o trabalho total realizado por todos os membros da sociedade. O trabalho social é a base da prosperidade nacional. Quanto mais produtivo o trabalho, mais rica é a nação. E quanto mais produtivo o trabalho, mais desenvolvida e aperfeiçoada é a divisão do trabalho empresarial (e social).
Então, é tudo uma questão de trabalho. Mas nem todo trabalho gera riqueza. Smith insiste na distinção entre trabalho “produtivo” e “improdutivo”. Não são poucas as classes mais altas e respeitáveis da sociedade burguesa; os clérigos, funcionários públicos, jornalistas, políticos, soldados e artistas, são considerados por Smith como “improdutivos”. Eles trabalham, são muito bem remunerados, mas suas atividades não contribuem em nada para a riqueza e prosperidade da nação. Um horror para os economistas de hoje, que há muito rejeitam essa parte do legado de Smith. Nas contas nacionais de hoje, tudo o que gera dinheiro é considerado trabalho e, portanto, produtivo. O que teria divertido muito Adam Smith.
Os (neo)liberais de hoje inventam um Smith que nunca existiu. Eles deliberadamente ignoram sua atitude altamente ambivalente em relação ao capitalismo de seu tempo, o seu profundo ceticismo sobre as consequências da acumulação de capital e da apropriação privada da terra (e de todos os recursos naturais). Preferem reduzir o velho Adam a uma metáfora, a da “mão invisível” do mercado. Contudo, ela é mencionada apenas duas vezes de passagem na Riqueza das Nações.
De fato, Smith justifica amplamente em sua principal obra que uma economia de mercado moderna precisa de um Estado forte. Sem ela, uma economia capitalista não pode alcançar crescimento e prosperidade. No longo prazo, Smith está confiante no efeito civilizador do comércio e da manufatura, desde que as barreiras ao desenvolvimento capitalista estabelecidas pelo Ancien Régime sejam removidas. No entanto, estes só podem ser eliminados por um Estado forte, que pode agir de modo independente em relação aos capitalistas.
Entende-se, assim, porque Immanuel Kant considerou o filósofo do Iluminismo escocês como o seu autor favorito.
[1] Professor de economia política na Universidade de Lancaster e colaborador regular do Der Freitag

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