Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 9/09/2023
O que a economia dominante entende por globalização é a expansão acelerada do comércio e dos fluxos de capital (mas não do trabalho) livremente através das fronteiras.
A globalização, assim definida como a expansão do comércio e dos fluxos de capitais a nível mundial, ocorreu em ondas, ou seja, períodos de rápida expansão do comércio e do capital a nível mundial e, em seguida, períodos em que o comércio e os fluxos de capitais diminuíram e os países reverteram para barreiras comerciais e de capital. Penso que podemos distinguir três ondas de globalização, por volta de 1850-80; por volta de 1944-70; e o maior de meados da década de 1980 até o final do século XX.

Existe uma ligação entre estas ondas de globalização e os movimentos na rentabilidade do capital, tal como sugere a figura em sequência.

As ondas de globalização seguem-se a períodos de depressão e de declínio da rentabilidade do capital nas principais economias. A globalização é também acompanhada pelo declínio relativo da hegemonia da principal economia capitalista: o Reino Unido no final do século XIX; os EUA no final do século XX. Eventualmente, uma onda de globalização dá lugar a um período de blocos econômicos multipolares e de rivalidade, muitas vezes culminando em guerra. Este cenário aplica-se à próxima década em diante.
O que impulsiona essas ondas? Argumento que elas podem estar ligadas a uma mudança na rentabilidade do capital. Em cada um dos períodos anteriores a estas ondas, a rentabilidade do capital nas principais economias caiu significativamente. A fim de contrabalançar esta queda nas taxas de lucro nacionais, as principais economias capitalistas procuraram expandir o comércio externo e as exportações de capital, a fim de obter lucro extra das economias menos desenvolvidas tecnologicamente e com mão-de-obra mais barata, daquilo que hoje chamamos, em abreviatura, de “Global Sul’.
Marx incluiu o comércio exterior como um dos fatores contrários à sua lei da tendência de queda da taxa de lucro na produção capitalista. E como Henryk Grossman mostrou com precisão, a queda na rentabilidade durante a depressão do final do século XIX foi uma das razões pelas quais as principais economias capitalistas iniciaram uma expansão significativa das exportações de capital. Isto impulsionou a taxa de lucro, mas apenas durante algum tempo porque a lei de Marx acabaria por anular os fatores neutralizadores. Assim, nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, a rivalidade interimperialista intensificou-se.
Esta é também a situação no final do século XX. A onda de globalização de meados da década de 1980 foi uma resposta à grande queda na rentabilidade do capital nas principais economias entre o final da década de 1960 e o início da década de 1980. A globalização (entre outros fatores) impulsionou a rentabilidade ao longo das décadas de 1980 e 1990. Mas (especialmente depois da Grande Recessão de 2008-9), a onda de globalização acabou por desaparecer à medida que a rentabilidade caiu. Agora entramos num período de barreiras comerciais, protecionismo e rivalidade perigosa entre as principais potências econômicas, especialmente os EUA e a China.

Aumentou, assim, o declínio da economia hegemônica dos EUA em relação às economias emergentes da China, da Índia e da Ásia Oriental. E este declínio relativo foi abordado num artigo de Maria Ivanova, em que ela destacou que os EUA têm um déficit comercial significativo e duradouro com o resto do mundo. Ora, essa potência só é capaz de pagar por ele devido ao seu monopólio na emissão do dólar, que é a principal moeda de transação e de reserva do mundo. No entanto, a hegemonia do dólar está se enfraquecendo gradualmente, pois agora há tentativas por parte de outras potências econômicas, como o grupo BRICS (cada vez maior em tamanho), para reduzir a sua dependência do dólar e substituí-lo por alternativas.
Pode ocorrer uma nova onda de globalização? É possível que o capitalismo mundial não permaneça neste estado de depressão. Se outra crise destruir valor suficiente nos meios de produção e no capital fictício, a rentabilidade dos capitais que sobreviverem poderá aumentar novamente para iniciar uma nova onda ascendente no investimento e no crescimento.
Isto pressupõe, claro, que a luta de classes não conduz ao triunfo das forças laborais sobre o capital em qualquer grande economia imperialista.
Uma nova onda de globalização é, portanto, possível. Há ainda mais seres humanos no mundo a serem explorados e há sempre novas inovações tecnológicas que podem proporcionar um novo ciclo de expansão do valor e da mais-valia. Existem ainda enormes reservas de mão-de-obra, ainda por explorar, especialmente em África. A população de África deverá mais do que quadruplicar em apenas 90 anos, enquanto a Ásia continuará a crescer, mas atingirá o seu pico daqui a 50 anos e depois começará a diminuir.

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